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Talvez seja efeito secundário de alguns excessos que cometi quando era muito novo (aí por volta dos quatro, cinco anos), mas tenho recordações que não são minhas. Lembro-me, por exemplo, dum pátio ao cimo duma colina de Lisboa — pelo que sei hoje da cidade, localizo a paisagem dessa memória na Graça, no Castelo ou por aí. A recordação é duma manhã de sol (só pode ser de manhã porque o sol está atrás de mim e vejo a ponte 25 de Abril lá ao fundo). Os telhados são os que todos sabemos, dos quadros da Maluda, mas reais, ali mesmo. Há uma roupa estendida, uma criança a rir-se, um cão a olhar para mim com a língua de fora e um senhor vestido de preto que se aproxima para falar comigo — às vezes penso que ele é Fernando Pessoa, mas isso deve ser de ler demasiado Saramago.

 

 

Isto não tem lógica nenhuma. A sério. Não nasci em Lisboa. Venho cá desde que sou pequeno, algumas das minhas primeiras memórias são em Lisboa ou perto (na Estefânia e em Birre, para ser exacto) — mas esta recordação não pode ser minha. Talvez venha dum livro, dum filme, dum documentário, duma reportagem que vi quando era muito novo. Não faço ideia. Tanto quanto sei, pode ser doutra pessoa.

 

Enfim, gosto desta memória como se fosse minha, mas tenho a sensação não completamente desagradável de estar a lembrar-me doutra vida. No fundo, é como ler: apanhamos mais vidas do que aquela a que temos direito. É, talvez, perigoso — mas é muito bom.

 

Se alguém tiver perdido uma memória à Graça, já sabe onde a encontrar.

 

Referência do quadro: Maluda | Lisboa L | Óleo sobre tela, 73×92cm, 1996 | Colecção particular, Lisboa | Número atribuído: 232 | Fonte: http://maludablog.umnomundo.eu/wp-content/uploads/2008/06/232_lisboa_l.jpg

publicado às 09:01



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