Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O jantar foi perfeito e estavam quase a tirar as cuecas quando ela descobriu que ele não achava o acordo ortográfico uma coisa tão grave assim. O pobre teve de sair com os sapatos na mão e a vontade no corpo. Há noites assim.
Estas são as páginas deste blog mais lidas nos últimos 30 dias.
Mesmo num blog sobre livros, temos "galdéria" em 4.º, "sexo" em 6.º, "pénis" em 8.º.
Assim se vê...
A morte e o sexo são aquilo que não conseguimos agarrar com as palavras e aquilo que nos arrelia a mente quase todos os dias. Somos animais, já todos sabemos. Mas somos animais que, de repente, há uns milhões de anos, descobriram qualquer coisa de diferente.
O quê? Não consigo explicar muito bem. Talvez seja aquilo a que chamamos, hoje, de "consciência", outros chamaram durante muito tempo "alma", ou talvez até seja algo tão mais simples como a capacidade de falar. Porque se calhar foi nesse momento em que alguém disse alguma coisa também percebemos (nós, a humanidade) que éramos conscientes.
Porque somos conscientes e bastante inteligentes, começámos a sonhar com mais qualquer coisa; começámos a imaginar que não éramos apenas animais, mas outra espécie de seres — seres com consciência (ou alma, se quiserem). Conscientes de existirmos, não aceitámos e recusámos e ignorámos durante milénios que fôssemos apenas animais como os outros. Só muito depois, no final do século XIX, redescobrimos essa verdade primordial: somos animais — mas entretanto o estrago estava feito: já tínhamos inventado uma humanidade para lá da nossa animalidade.
Onde entra neste arrazoado a morte e o sexo? O sexo é uma necessidade animal. A morte é uma consequência da nossa animalidade. Não somos deuses, nem essencialmente diferentes dos animais à nossa volta. Mas inventámos palavras, e inventámos também conceitos e ideias para sublimar, ou transformar, ou amaciar o sexo e a morte: o amor, o casamento, a religião, a imortalidade, Deus e tudo o resto.
Começámos a querer ser mais do que animais, e com esse querer transformámo-nos, de facto, em algo mais do que animais.
Mas estes seres humanos que são mais do que animais também morrem e também fodem. (Desculpem o palavrão, mas os palavrões são uma tentativa nossa de chegar mais perto dos grunhidos dos animais que éramos e somos. As palavras normais dificilmente conseguem. Por isso, as cenas de sexo na literatura são quase sempre ridículas. Por isso caímos nos mais constrangedores lugares-comuns quando alguém morre.)
E já pensaram bem no sexo e na morte? (Eu sei que já, a pergunta é retórica.) Já viram alguém morrer? Já sentiram a dor de ter um familiar ou amigo a morrer ao vosso lado? Por outro lado, conseguem reproduzir por palavras o que é o sexo? O estar na cama (ou em qualquer outro lado) com outra pessoa, conhecida ou amada ou desconhecida, nesses gestos animais e íntimos e ridículos para quem vê de fora e outra coisa qualquer para quem está envolvido na coisa? As palavras não chegam e, no entanto, são o que temos se queremos preservar algo mais do que memórias instáveis, que morrem connosco.
Por ser algo a que não conseguimos dar a volta com a nossa mente, que não conseguimos domesticar totalmente, temos curiosidade pelo sexo; por isso, temos curiosidade pela morte. São desejos pornográficos e desejos mórbidos, mas estão lá: queremos ver, sentir, perceber aquilo que temos dentro de nós.
Por isso, escrevemos livros, inventamos canções, construímos cidades: para sermos mais qualquer coisa, para podermos viver, amar e foder, e no fim morrer, e não ser tudo apenas uma vida animal, sem sentido. Quase sempre continuamos sem perceber exactamente o sentido, ou embrenhamo-nos em sentidos que mais não são do que ilusões, mas tentamos. Pelo menos tentamos, e nisso já estamos em movimento, mesmo que não acertemos na direcção.
Já viram como nada disto parece fazer muito sentido? Como estes textos sobre o sexo e a morte acabam em lugares comuns, caminhos batidos? Parece que não há volta a dar. É mesmo assim. O que vale é que, neste par animalesco, há um que apetece — e outro que tentamos afastar, todos os dias, procurando alguns momentos de alívio, que é como quem diz, de felicidade.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Death.jpg
Vou pela f**c fora a ver livros ingleses, uma espécie de prazer pouco culpado, se bem me entendem a estrutura a dar para o estrangeirado. Adiante. Pois, às vezes, lá encontro alguma coisa que não estava à espera (não vos digo já aquilo de que estou à espera quando procuro livros para não ficarem já com uma visão muito reduzida da minha pessoa, porque já sabemos como somos nós os humanos: com poucas pistas conseguimos criar toda uma imagem duma outra pessoa com uma facilidade assustadora).
Pois lá ia eu pela f**c fora, dizia eu, quando encontro um livro que me chamou a atenção, não sei bem porquê:
Se o título em si e a autora não eram de tom a deixar-me muito curioso, comecei a ler e fiquei logo agarrado. Não é por ser tarado, mas este início é estranhamente hipnótico:
Vinte vezes! E a senhora passa a descrever detalhadamente o pensamento da personagem principal durante as vinte investidas.
Se isto não chama a atenção, o que chamará?
O facto de estar muito, mas mesmo muito bem escrito também ajuda.
Estou no início. Não sei se vou chegar ao fim, que tenho outras coisas ali a chamarem-me a atenção, mais livros na pilha de livros, sempre mais livros, cada vez mais livros (isto é uma doença!), mas este início vale por muitos livros.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.