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Sim, é verdade, gostemos ou não da resposta, os ingleses têm direito a escolher: e temos alguma coisa a aprender, aqui pelas ibérias, no que toca à democracia dos seus referendos. Por exemplo, não será melhor, quando há um conflito de nacionalismos, deixar a população decidir, como aconteceu na Escócia?
Agora, há um aspecto interessante: também temos algo a aprender sobre a maneira como o uso da língua está intimamente ligado à democracia.
Começo pelos referendos.
Reparem: a maneira como fazemos uma pergunta pode ter um impacto profundo na resposta.
O Reino Unido tem uma comissão eleitoral independente que analisa as perguntas e recomenda novas formulações, que permitam uma escolha menos enviesada.
Por exemplo, a pergunta do referendo para ficar ou sair da União que foi proposta pelo governo inglês era: «Should the United Kingdom remain a member of the European Union?»
A resposta seria «sim» ou «não».
Pois a comissão, depois de testá-la junto dos eleitores, de consultar especialistas em linguagem acessível e pedir a opinião aos partidos e aos movimentos interessados, aconselhou o governo a alterar a pergunta. Porquê? Para que as duas hipóteses fossem apresentadas em pé de igualdade, sem enviesamentos.
A pergunta e respostas finais são:
«Should the United Kingdom remain a member of the European Union or leave the European Union?
Está tudo descrito nesta página.
É por isso que fico muito baralhado quando os jornais portugueses dizem que o «sim» (ou o «não») está à frente. Não há, neste caso, «sim» ou «não». Há isto: ficar ou sair. Se um jornal diz que o «sim» está à frente, quer isso dizer que os ingleses querem sair da União? Não faço ideia.
A resposta é clara e inequívoca.
O mesmo aconteceu no caso da pergunta escocesa. Neste caso, a pergunta que tinha sido proposta pelo governo escocês era «Do you agree that Scotland should be an independent country?» A comissão eleitoral testou-a, em conjunto com alternativas, tendo percebido que o «do you agree» podia ser entendido como uma forma de pressão subtil no sentido do «sim».
Será verdade? Reparem que foi tudo testado de forma independente e está tudo bem explicado nas páginas da comissão eleitoral.
A pergunta final foi: «Should Scotland be an independent country?»
Simples, imediato, fácil de entender.
As várias partes em confronto aceitaram sem hesitações estas determinações da comissão independente.
(Podia agora ir buscar as perguntas dos nossos referendos para comparar, mas seria penoso. Mais penoso ainda é olhar para este referendo grego.)
Isto é mais importante do que pensamos: é importante dar atenção à forma como os textos são entendidos por quem os vai usar: para lá das nossas noções pessoais de correcção, há que testar, há que respeitar as pessoas (não apenas aquelas que falam exactamente como nós), há que olhar para a língua como ela existe e é usada e entendida pelos cérebros dos falantes.
Não estou a falar de literatura ou de ensaios nem das fronteiras do pensamento, mas antes de textos oficiais, de formulários, de impressos e, neste caso, de referendos, que devem ser entendidos por todos.
Até mesmo as páginas de Internet oficiais devem ser testadas e pensadas para uma utilização fácil e intuitiva, porque no que toca à comunicação entre o Estado e a população, há que pensar de duas maneiras: é preciso investir na educação dos cidadãos (poucos dirão o contrário), mas também melhorar os textos para que sejam entendidos por todos (e não apenas por quem está habituado ao estilo e ao vocabulário da administração pública).
Também isto é democracia.
Parece que há protestos na Ucrânia, mas os portugueses não se decidem quem são os maus e os bons — e entretanto os ucranianos estão a levar no lombo e ninguém se preocupa! Ou então quem protesta é neo-fascista encapotado ao serviço do imperialismo (afinal, são anti-russos e pró-UE, que coisa esquisita)! E parece que o Fernando Tordo foi para o Brasil trabalhar e o filho despediu-se com uma carta no blog e os portugueses não conseguem decidir se acham bem ou mal e nem sequer sabem o que é que acham bem ou mal — mas, seja por causa do cantor seja por causa do país, sabem bem que isto está tudo mal! E parece que há uns jogos olímpicos! Mas ninguém repara! E parece que ia havendo um referendo, mas fica para depois!
É isto?
Já vos disse que isto é um vício... De tal forma que consulto o site dos blogs do Sapo com mais frequência do que me atrevo a confessar...
Ora, olhando para as tags em destaque hoje, fica a dúvida: vai haver um referendo às praxes?
Brincadeirinha...
Mas, agora a sério, no meio desta discussão toda, não tenho certezas, mas posso dizer uma ou duas coisas:
1. O que vem a seguir a uma tragédia não é a melhor altura para discutir com cabeça seja o que for. Mesmo que os alunos estivessem envolvidos numa praxe no momento da onda que os matou, não foi a praxe que os matou, mas a onda... Por outro lado, chamar a atenção para alguns aspectos escondidos da praxe (pelos vistos tem de ser assim, no singular) só pode fazer bem.
2. A praxe é uma coisa que a mim não me assiste. Não gosto do ambiente. Só pratiquei uma vez e consistiu em cantar uma música dos Excesso e em ter umas letras pintadas na cara, o que não é praxe não é nada... Tudo o que tenho visto arrepia-me, mas também sei como é a análise selectiva das coisas praticada pela imprensa a mais das vezes. Por isso, alguma ponderação antes de desatar a querer proibir coisas, por favor.
3. Dito isto, parece-me estranho que um conjunto de jovens chegados à universidade declarem amor absoluto à Praxe e falem da diga cuja como se duma religião de tratasse (com padres-duxes e tudo). Amor ao conhecimento talvez fosse melhor (já estão todos a rir?), embora seja capaz de promover menos integração (um valor que pelos vistos anda a faltar aos jovens caloiros, que só com esterco se integram). Diria que uma noite de conversa integra muito mais, mas pronto. Ou até uma noite de bebedeira, sem esterco à mistura. Mas ficam lá com a bicicleta. (Como estamos a falar de praxes, se calhar é sem selim.)
Vivemos num país livre, até para estas coisas parvas. Convém é assumirmos a liberdade também para dizer não. Em resumo: acho que não se deve proibir a praxe (não podemos proibir tudo o que nos irrita), mas aos caloiros digo: não vão nessa cantiga. Limitem-se a brincadeiras e esqueçam a humilhação e tradição, que há coisas mais interessantes no mundo.
Foram os meus dois cêntimos para a conversa...
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