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Ora, vamos então ver que livros ganhei neste sortido que comprei, por tuta e meia, há muitos muitos anos, na papelaria dos meus avós:
A Morte de Carlos Gardel, de António Lobo Antunes. Lembro-me de ter registado o gnomo e o Belenenses, nesses primeiros parágrafos que começava a ler e por ali ficava. Parecia-me uma linguagem um pouco misteriosa, mas já me vibrava ali Lisboa, uma cidade onde queria viver, e uma realidade muito nítida. Sempre achei estranho, por outro lado, aquela forma de começar os parágrafos, a meio da página. Na altura lembro-me de julgar que aquilo devia ser erro de impressão e por isso a D. Quixote quisera despachar aqueles exemplares... Depois percebi que, com António Lobo Antunes, o que parece erro de impressão, nem sempre é... Acabou por ser o primeiro livro que li do autor e ainda hoje é o meu preferido (talvez por isso mesmo).
Contos, de Eça de Queirós. O livrinho preto (um pouco frágil, já que se partiu todo pouco tempo depois) foi a minha introdução às maravilhas queirosianas. Foi uma boa introdução, porque Luiz Fagundes Duarte (que viria a ser, alguns anos depois, meu professor!) criou ali uma edição mais completa e bem pensada que os habituais Contos de Eça de Queirós. Ali começou um certo gosto por olhar para os textos de forma mais crítica. Também desse livro me vem o gosto por ler as introduções em que os organizadores das edições contam algumas aventuras que poucos acham interessantes, mas que eu adoro.
Revista Inglesa, de Jaime Batalha Reis. Um livro na área muito específica onde acabei por ir parar, durante uns anos: os estudos anglo-portugueses. Mal sabia eu...
A Lição de Alemão, de Siegfried Lenz. Este tentei ler ao longo dos anos, mas nunca consegui chegar ao fim. Se calhar, aos 33 anos, está na altura de tentar outra vez.
Uma Mulher Interroga a Europa, de Maria Antonietta Macciochi. Neste livro, que nunca teria comprado se não viesse no sortido, li entrevistas com Felipe González, João Paulo II, e muitas outras personages europeias. Comecei a gostar dos ensaios políticos e históricos e dei, mesmo, uma volta pela Europa das ideias.
Tenho a impressão que o pacote tinha mais um livro, mas não consigo lembrar-me de qual seria.
Hoje, andam espalhados pelas estantes, e juntei-os só para a fotografia. Foi como que um reencontro de velhos amigos, que ali ficaram a conversar durantes uns momentos e, depois, lá voltaram às suas vidinhas, separados por muitos outros livros.
Cá estou eu a acordar cedinho só para vos dizer mais umas coisas sobre livros.
(Mentira: programei isto ontem à noite. Domingo é para dormir, certo?)
Há quem tenha horror a livros de papelaria... Ou seja, àqueles livros que se vendem nas bancas dos jornais ou porque vêm em conjunto com os ditos jornais ou porque são mesmo vendidos, em separado nessas papelarias. Já ouvi dizer que são livros para pôr na estante e esquecer, que são livros para servir de calço de mesa, que são edições a tal preço que desvaloriza o objecto Livro (ajoelhem-se, se faz favor), enfim, no fundo, o que tenho ouvido é dizer, eufemisticamente, que são livros para pobres e os pobres não merecem livros.
Talvez esteja a ser demasiado cruel. É capaz de não ser isto, mas outra coisa qualquer.
Seja como for, confesso-me: como os meus avós maternos tinham uma papelaria, a papelaria foi uma das minhas portas de entrada no mundo dos livros. Nunca teria sido o leitor que sou hoje se não fosse a papelaria... Não se esqueçam que os leitores começam por ser pequenos leitores ou leitores com pouco dinheiro e os descontos, as edições baratas, etc., são tudo menos barreiras à leitura. São chamarizes...
Adiante. Este prolegómeno todo tem uma intenção: falar-vos duma colecção antiga, que era comprada na papelaria, mas que tinha capas lindas e que me permitiu ler grandes obras: A Insustentável Leveza do Ser, A Balada da Praia dos Cães, Cem Anos de Solidão...
Sim, podem ser títulos batidos, mas aos 14 anos, não há títulos batidos. Há muita coisa por ler e um entusiasmo que as idades posteriores não conhecem tão facilmente...
Vejam só a capa:
Sobre este livro em particular, talvez volte e ele. Li-o maravilhado com esse mundo literário, mas li-o cedo de mais, possivelmente. Lembro-me de andar a pensar onde o autor queria chegar com tanta palavra sobre kitsch. Mas alguma coisa ficou. Um chapéu na cabeça duma mulher nua (será que estou a imaginar coisas?), um prazer imenso em avançar pelas páginas... Emprestei-o maravilhado a um amigo, na altura, que mo devolver enojado. Sempre deu para perceber a insustentável leveza do gosto...
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