Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
No livro de que vos falei há pouco, há esta nota de rodapé magnífica:
[...] A esos dos hechos un filósofo podría añadir otro, menos circunstancial y quizá más profundo: la creciente capacidad de insatisfacción de los seres humanos, fruto paradójico de la creciente capacidad de las sociedades occidentales para satisfacer nuestras necesidades. “Cuando los progresos culturales son realmente un éxito y eliminan el mal, raramente despiertan entusiasmo —escribe Odo Marquard—. Más bien se dan por supuestos, y la atención se centra en los males que continúan existiendo. Así actúa la ley de la importancia creciente de las sobras: cuanta más negatividad desaparece de la realidad, más irrita la negatividad que queda, justamente porque disminuye.” — Javier Cercas, Anatomía de un instante (2009), p. 432. (negrito meu)
Ora, pensem lá: não será isso mesmo que leva a que o mundo tenha melhorado de forma inacreditável nos últimos 200 anos, mas a indignação pelo estado do mundo seja cada vez maior? O paradoxo, de que pouca gente se dá conta, também se verifica quando alguém diz: “isto não devia acontecer em pleno século XXI” como prova de que as coisas estão cada vez piores. Ora bem, esta frase implica que o século XXI é, de alguma forma, melhor do que os anteriores (se não o fosse, não teria lógica indignarmo-nos por “isto” acontecer neste século em particular). E, no entanto, a pessoa está a tentar provar que estamos cada vez pior…
Seja como for, concentrarmo-nos no que é negativo não deixa de ser uma boa forma de irmos acabando com o que é, de facto, negativo. O problema surge quando nos concentramos tanto no negativo que esquecemos o que já temos e acabamos por ficar desesperados, sem forças para continuar — o que leva ao risco de aceitarmos soluções tão fortes ou radicais que pomos em causa o muito de bom que se conseguiu.
Em Portugal o problema nem é que nos concentremos demasiado no que há de negativo (que pode ser muito, não é esse o caso), mas que achemos tudo, à partida, mau, perdendo a capacidade de discernimento. Achar que tudo é mau acaba por ser o mesmo de achar que tudo é bom. Não saímos do mesmo lugar nem fazemos o esforço de perceber as coisas. Ou andamos desesperados “no pior país do mundo” ou encantados com “o melhor país do mundo”. Como está tudo no mesmo saco, ninguém repara quando alguém faz alguma coisa de realmente bom.
Depois, basta alguém não concordar com o nosso critério sobre o que está bem e mal para termos mais uma prova de que tudo está mal…
Se tomarmos como adquirido que os jornalistas vão à procura do que é extraordinário e não do que é banal, temos duas hipóteses:
a) Os acontecimentos normais e banais são, em geral, positivos e as notícias dos jornais tenderão a ser negativas e a mostrar o que está mal (que será a excepção).
b) Os acontecimentos normais e banais são, em geral, negativos e as notícias dos jornais tenderão a ser positivas e a mostrar o que está bem (que será a excepção).
Qual destas teorias estará mais próxima da realidade?
Resposta tipicamente portuguesa: "O mundo, não sei. Mas em Portugal, tudo é mau e as notícias mostram o que é pior ainda."
(Hoje estou numa manhã dada a estas reflexões. A gerência pede desculpa.)
Francisco José Viegas diz que "a leitura [é] cada vez mais uma atividade minoritária".
Este é o discurso habitual dos tipos de Letras, nos quais me incluo, orgulhasamente (tem dias).
No entanto, não consigo dizer que concordo.
Não tenho dados concretos (hei-de os procurar). O que posso fazer é pedir-vos para fazerem uma experiência mental: imaginem o país actual e imaginem ainda que escolhe, aleatoriamente, 100 jovens de 16 anos. Vamos encontrar um número determinado de jovens que gostam de ler.
Agora façam o mesmo exercício para o país há 10, 20, 30, 40, 50 e 60 anos. Em qual destes Portugais imaginam encontrar mais jovens de 16 anos que se considerem leitores?
Não se esqueçam que a escolha dos jovens é aleatória. Não são jovens na escola, não são jovens das cidades, não são jovens do Norte ou do Sul. São 100 jovens portugueses, aleatórios. Das aldeias, das vilas, das cidades, de todas as famílias.
O que me parece, sinceramente, é que a percentagem terá vindo a aumentar ao longo das décadas.
Porque digo isto?
Porque conheço muita gente que gosta de ler cujos pais e avós liam pouco ou nada. Conheço menos gente que não goste de ler e venha de famílias onde isso era uma tradição.
Isto não quer dizer que alguém habituado a falar, por exemplo, com jovens universitários não sinta uma diminuição do interesse pela leitura. Porquê? Porque o grupo dos jovens universitários alargou-se de tal forma que inclui hoje pessoas de origens muito diversas em relação aos jovens quase pré-seleccionados de há alguma décadas.
Mas, mesmo assim, há sempre um núcleo duro de leitores que não tem vindo, quanto a mim, a diminuir.
Como em tudo, temos de ver as coisas concretamente. Hei-de procurar os dados e vamos falando deste assunto.
(Outro assunto será o que se lê. Mas fica para depois.)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.