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E não é que me fui esquecendo dos livros da minha vida?

 

Mas não importa. Avancemos para o quarto livro da minha lista de livros da vida:

 

 

Exacto. O Mundo de Sofia. Eu sei que é uma escolha muito adolescente, mas, enfim, não vou mentir: foi mesmo um dos livros da minha vida.

 

Quando li, foi como se me tivessem empurrado duma ribanceira abaixo, porque me senti sem chão, com as famosas crises existenciais em catadupa. Foi importante, porque me deu umas luzes sobre a história das ideias, sobre os debates filosóficos, sobre o pensamento crítico e por aí fora — e tudo com a intensidade emocional que qualquer adolescente precisa. 

 

Não me consigo esquecer de muitos episódios, de muitas explicações — por exemplo, os fracos que Sofia bebia alternadamente, mostrando-lhe o mundo visto pelos românticos ("é impossível imaginar como é ser outra pessoa!") e pelos realistas ("somos todos iguais e o mundo está em comunhão perpétua") — algo assim, porque lembro-me, mas não me lembro assim tão bem.

 

Na altura, li muitas críticas e recensões e lembro-me de ter lido uma crítica, num jornal qualquer, em que um filósofo-vedeta (o único em Portugal!) tirava importância ao livro, afirmando algo do género: "não é preciso divulgação em filosofia, é preciso é investigação". Ou seja, o que é preciso é mais pessoas a fazer filosofia encerradas nos departamentos das universidades, e menos filosofia na rua. 

 

Ora, se a filosofia é importante, e é, é exactamente porque não pode estar encerrada em sítios escuros, que também são importantes, claro, mas não são tudo.

 

Se não é importante conseguir que alguns miúdos leiam e fiquem maravilhados com aquilo...

 

Enfim, tudo para vos dizer que fiquei quase ofendido com essa opinião do filósofo-vedeta.

 

Ora, o certo é que, mesmo sendo um livro tão adolescente, não é para todos. Porquê? Porque para muitas pessoas, muitos jovens da minha idade de então, há a barreira intransponível da "seca". Tive uma colega muito inteligente e aplicada que, mesmo assim, achou aquilo "secante". 

 

É das coisas mais difíceis de combater: a forma como o medo do tédio mata a curiosidade que todos temos em nós.

 

E não se pode dizer que o autor deste livro maravilhoso não tenha feito tudo para não ser secante. 

 

Bem, para todos os que não tiverem medo de pensar, este livro é fundamental. A aventura começa depois de o lerem.

Cosmos, de Carl Sagan.

 

Este é, sem dúvida, um dos livros da minha vida.

 

(E a série também é muito boa...)

 

Como não estou em casa agora, tive de procurar fotos por essa internet fora. Aqui vai uma estante que encontrei aqui e que tem outros óptimos livros:

 

 

 

 

O livro de Carl Sagan é um livro que muda a nossa visão do mundo, garanto-vos. Além disso, não muda a nossa visão do mundo com palavras vagas, intenções bonitas ou grandes declarações de amor seja ao que for (também as tem, mas fundamentadas).

 

Por exemplo, ainda me lembro da explicação sobre a os caranguejos japoneses com carapaça em forma de cara de samurai. Não só me conseguiu explicar o mecanismo da evolução (neste caso, artificial), como me fez ver que um fenómeno que parece obviamente mágico pode ter uma explicação natural. Pode ter, não: tem sempre. Afinal, qualquer fenómeno real será sempre natural, por definição, a questão é perceber do que estamos a falar e como funcionam realmente as coisas (não como as nossas complexas emoções querem que funcionem).

 

O espanto perante o universo é transmitido de forma concreta, usando uma linguagem clara e cintilante, própria dos melhores escritores, não sem deixar de plantar sementes de saudável espírito crítico, que permite orientar a nossa curiosidade para longe dos interesses pseudocientíficos em coisas que parecem muito giras mas são, apenas e só, disparates armados em grandes tendas. Estou a falar, por exemplo, da astrologia. (É só um exemplo.)

 

A minha edição, que ainda tenho (e andou emprestada durante uns anos — mas voltou!) tem o papel muito castanho (sempre me lembro de o papel ser castanho). Um edição barata e frágil. Para a proteger, usei aqueles plásticos que púnhamos nos livros da escola. Queria andar sempre com o livro e não queria que se destruísse nas minhas mãos. 

 

Acho que o comprei numa pequena livraria/papelaria, onde comprava os livros da escola e não faço ideia por que razão estava lá à venda um livro que não era propriamente obrigatório. Não sei porque o comprei, mas sei que comecei a devorá-lo rapidamente. Podia dizer que vem dele todo o meu interesse pela ciência, mas julgo que será mais complicado: os meus pais compravam-me enciclopédias sobre muita coisa (daquelas para crianças e jovens), lembro-me de ter uns 6 anos e querer um laborário de brincar, com tubos de ensaio e tudo (uma encarnação muito antiga da Science4you, presumo), e dizia a quase toda a gente que queria ser cientista muito antes de ler este livro. Também me lembro bem de haver um livro qualquer da Disney (!) que falava destas coisas e também daí vem o meu interesse pela ciência. Por isso, a leitura deste livro não apareceu do nada. 

 

Por alguma razão, falei do livro à minha professora de Físico-Química, lá pelos oitavos ou novos anos (memórias vagas...). Algum tempo depois, lembro-me perfeitamente (menos vagamente, portanto), de estar num teste de geografia do 9.º ano, lá para o ano de... deixem ver...

 

1994! 

 

(Incrível...)

 

Dizia eu, estava num teste de Geografia do 9.º ano, quando a professora se chega ao pé de mim e me diz: "mas já leste o Cosmos?" Pelos vistos, os professores tinham comentado entre si que havia uma aberração qualquer numa das turmas que tinha lido um livro sobre ciência daquele calibre. Ou então tinham comentado que havia um aluno que tinha lido um livro, ponto final. Coisa estranha!

 

Estou a ser muito injusto: havia muitos colegas meus que liam muitos livros, alguns mais do que eu (que era admitidamente um freak of nature nesse ponto). 

 

Seja como for, estávamos no meio do teste, e a professora quis começar a falar comigo sobre o livro. A certa altura, tive de lhe dizer que tinha de voltar ao teste. "Ah, claro, claro, força." E assim me concentrei de novo no teste, não fosse a professora achar que estava na conversa em vez de trabalhar...

 

Poucos dias depois informei a minha professora de Físico-Química que tinha escolhido o Agrupamento de Humanidades para o 10.º ano e a senhora ficou em estado de choque: "mas porquê?" Na cabeça dela, se havia um aluno que tinha tido a sorte de ler o Cosmos, certamente não iria parar aos pantanosos cursos de Humanidades, certo?

 

Mais tarde hei-de vos contar porque fui parar a estes pântanos que também são deliciosos. Mas posso dizer que por essa altura já não dizia que queria ser cientista. Queria ser historiador. 

 

Mas o amor pela ciência e a curiosidade por tudo o que tem a ver com o Cosmos não desapareceu, bem antes pelo contrário. Haja alguém por estas áreas mais letradas que goste disso, certo?

Primeira parte deste post: ¶ Livros da minha vida (2.1.): Alexandra Alpha

 

Sim, pensei em continuar este post n.º 2 sobre os livros da minha vida (já agora, o primeiro está aqui), mas acabei por deixar para trás. Tenho de avançar para o terceiro livro, por isso faço este em modo resumo. 

 

  • Leiam com muita atenção a descrição do 25 de Abril neste romance (Alexandra Alpha). É um pasmo literário, em que um autor pessimista e desencantado se transforma num menino maravilhado com tudo aquilo. Já agora, se tiverem tempo, comparem com algumas obras espanholas, em que o 25 de Abril é uma festa distante. Por exemplo, em El dueño del secreto, de Antonio Muñoz Molina.

 

  • Lembro-me de andar a passear muito pelas margens esquerdas do Tejo, por essa altura em que lia Alexandra Alpha, olhando para Lisboa vista daquele lado. Quem conhece José Cardoso Pires, sabe que o autor perdia-se por ir para o Ginjal olhar para Lisboa. 

 

 

Fonte: http://anthropolugus.blogspot.pt/2010/08/almada-by-night.html

 

 

E avancemos para o terceiro livro... Logo que tiver tempo... 

publicado às 11:30

Primeiro livro: Lisboa, Livro de Bordo

O segundo livro da minha vida (não por ordem de importância, atenção…) continua com o mesmo autor. É melhor explicar desde já: já escrevi uma tese sobre José Cardoso Pires, por isso é normal que ele tenha uma certa importância na minha vida. Mas estes livros são importantes por si só, com ou sem tese.
Conheci o autor com a Balada da Praia dos Cães, que li vidrado numa viagem ao Algarve, entre piscinas a ecoar frases em estrangeiro e rodeada de paperbacks molhados e jantares improvisados ao final das tarde quentes dum Algarve muito banal, mas que sabia sempre a férias. Estava muito longe dessa Lisboa dos anos 60, mas é assim a literatura... 
Ora, se Balada da Praia dos Cães é daqueles livros que quase todos os portugueses conhecem, mesmo que nunca tenham lido ou nem sequer se lembrem do nome do autor, já Alexandra Alpha é um pouco menos badalado que a Balada.
Não vou estar a contar a história ou a convencer-vos a ler, mas deixem-me que vos diga que é bem provável (na minha muito humilde e parcial opinião) que este livro venha a ser lido daqui a muitas décadas como a pintura do Portugal da segunda metade do século XX, tal como lemos hoje Os Maias.
Alexandra Alpha é, como no caso d'Os Maias, uma pintura parcial e pessoalíssima, mas também uma pintura divertida, amarga, dolorosa e cheia de surpresas.
Aliás, a surpresa começa logo no início. Afinal, um livro de Lisboa como há poucos, começa no Rio de Janeiro:
Neste livro, temos essa Lisboa duma certa franja intelectual (ou as pessoas que se misturam com essa franja intelectual), com personagens inesquecíveis como Sebastião Opus Night, marialva aldeão a correr as noites de Lisboa e que não conseguia ver a cidade de dia, a Maria de óculos com aros muito grossos (essa imagem tão anos 70), que faz par com a Alexandra que olha a cidade duma altura irreal, e Sophia, e o soldado, e o par andrógino do início e todos os outros que povoam uma cidade que não quer o que tem (o regime anterior), mas não sabe o que fazer e se perde em noites de bebidas e conversas.
(Continua...)
Mas enquanto não continua, fiquem com a capa duma edição em espanhol do livro...

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