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Diz Carla Hilário de Almeida Quevedo que:

"A leitura não faz de uma má pessoa alguém em que se possa confiar. Não traz, neste sentido, mudanças morais. Mas tem o poder fundamental de não haver nada que interfira naquele instante em que estamos a sós com um livro. Ser capaz de fazer isto é poder ser independente como ninguém. E é nisto que penso quando se diz que “a leitura melhora as pessoas”. Sim, é verdade. Melhora porque cria um hábito de autonomia de pensamento. Um hábito de liberdade. 

 

Concordo, mas diria que não é só isso e talvez nem seja principalmente isso. Reparem que há outras coisas que têm esse poder fundamental: o teatro, um bom filme, até a música. 

 

O que a literatura faz (também) é por-nos a ler e a assumir por instantes as palavras de outros. A entrar pela consciência alheia. A vivermos mais. Não a vivermos melhor, como muito bem diz a Carla. A literatura faz-nos viver noutros olhos, noutros pés, coisa que os filmes não fazem (porque estamos a ver de fora), que o teatro não faz (também estamos a ver de fora), que a música faz de forma mais vaga. 

 

Por isso, ler não nos torna melhores pessoas, mas permite-nos viver muito mais além do que a nossa apertada vida.

 

(E estamos a falar de literatura, porque não se esqueçam: a leitura é muito mais do que literatura. É também ciência, é também história, é também tudo o que cabe entre as duas capas dum livro.)

publicado às 13:53

Há quem fuja a sete pés do futebol. E também quem fuja a sete pés da literatura. 

 

Depois, há quem seja "da literatura", mas também goste de futebol.

 

E quem seja do futebol, mas dê uns passos na literatura.

 

Mas, mesmo assim, não é costume imaginar um daqueles adeptos mesmo a sério, das claques e gritos e autocarros atrás da equipa — com um livro na mão... 

 

Muito menos a escrever livros. 

 

Por isso Nick Hornby é tão especial.

 

publicado às 09:28

Este livro é um objecto fantástico...

 

 

Tanto é assim, que até merece uma ligação à empresa que criou este design. 

 

Só mesmo folheando o livro se percebe o efeito da capa.

 

Mas, adiante. O livro é uma colecção de crónicas de Nick Hornby sobre livros. São crónicas mensais, escritas para a revista The Believer

 

As crónicas são leves, sobre os livros que leu e gostou, os livros que leu e não gostou (cujos títulos e autores não aparecem, porque assim são as regras da revista), os livros que comprou e não leu — e tudo o mais que anda à volta dos livros e da leitura.

 

Acho que qualquer pessoa que goste deste blog irá gostar deste livro (irá gostar mais ainda, claro, porque Hornby escreve mil vezes melhor do que eu, claro).

 

(Já agora, Hornby estabelece uma separação marcada entre ficção literária e ficção não literária — e parece que considera a sua própria escrita como não literária. I beg to disagree.)

publicado às 16:31

"visinhança", "theoria", "Janellas Verdes", "á beira", "Collegio", "emfim", etc.

 

Já alguém se deu ao trabalho de ir ver a primeira edição d'Os Maias? Podem encontrá-la aqui.

 

Só para aguçar a curiosidade, vejam o início e o fim da obra que atormenta os alunos portugueses há tantos anos (é pena tantos caírem na esparrela de pensar que um livro é mau só por ser obrigatório, grande e não começar da forma mais excitante possível). 

 

 

 

 

Este fim teve um certo impacto em mim quando o li pela primeira vez. Hei-de voltar a isto.

 

Entretanto, reparem na ortografia. Atrevam-se a escrever como o Eça nos testes sobre Os Maias e vão ver o que vos acontece. 

 

Por outro lado, aqueles que acham que novas ortografias são um desaforo aos grandes autores, que não escreviam assim... Bem, já vieram um pouco tarde, que a ortografia mudou em 1911. (Aviso: isto não é um argumento a favor do Acordo Ortográfico. É apenas e só um argumento contra um argumento parvo em particular.)

Todos nós temos muita qualidade na boca. É qualidade para aqui, qualidade para ali, o que importa é a qualidade, a quantidade nem por isso, os que ligam à quantidade não sabem o que é realmente bom, e por aí fora numa avalanche de amor pela qualidade.

 

Mas, ora bem... Primeiro, todos estamos convencidos que sabemos perfeitamente bem o que é a qualidade. 

 

Na realidade, há qualidade para todos os gostos — e, permitam-me o atrevimento, a melhor maneira de garantir que encontramos aquilo que nós achamos bom (ou seja, a melhor forma de encontrar qualidade) é garantir a quantidade.

 

Em segundo lugar, a quantidade é uma forma testada de obter qualidade.

 

Vou tentar ser mais explícito. Países ou línguas com grande quantidade de pessoas, de leitores, de escritores irão produzir — quase por mera necessidade estatística — um bom número de escritores (ou o que se quiser) de qualidade.

 

E esta qualidade, que nasce do caldinho de quantidade, acabará por ser aproveitada por todos — por toda a imensa quantidade de gente.

 

Assim, um país como Portugal, que fala uma língua falada, tecnicamente, por 200 milhões de pessoas, mas que para os efeitos práticos se reduz aos nossos queridos 10 milhões (porque andamos todos de costas voltadas na tão badalada e tão ignorada lusofonia), acaba por ter uma limitação quantitativa ao surgimento de muita qualidade.

 

Não há uma relação absoluta entre quantidade e qualidade, obviamente — mas a quantidade é uma das melhores formas de conseguir a tal qualidade que todos procuram.

 

Também por esse motivo há tantos bons escritores em espanhol, em inglês, em francês, em alemão, em italiano, e menos noutras línguas. Se juntarmos as línguas menores, claro que vamos conseguir um bom número de bons escritores. Mas o magma de escritores em grande quantidade das grandes línguas permite garantir que vamos ter obras-primas em grande... quantidade.

publicado às 08:30

 

Stuart   Bolas, já não bastava tudo o resto, ainda tínhamos de ser chamados a participar nesta coisa dum blog? 

 

Oliver   Já agora, escreve-se blogue, não blog, mas tudo bem. Já percebi que a culpa é aqui do autor deste blogue!...

 

Stuart   Já vi que és um pedantinho de primeira tanto em inglês como em português.

 

Oliver   Ó, meu caro, sempre às suas ordens, em qualquer língua. Mas, já agora, fazes ideia do que estamos os dois aqui a fazer?

 

Stuart   Nem por isso...

 

Oliver   Este é um blog sobre livros (não sei se estás recordado desses objectos)...

 

Stuart   Não sejas estúpido.

 

Oliver   E o autor, cujo nome não me quero lembrar, convidou-nos para este post para apresentarmos o livro que está ali em cima, porque, enfim, somos as personagens principais.

 

Stuart   Falta ela...

 

Oliver   Sim, falta, mas depois do que lhe fizeste na sequela (Love, etc.), achas que ela queria vir a Portugal?

 

Stuart   Mas que fiz eu?

 

Oliver   O que fizeste tu?... Por amor de Deus, meu querido, o menino ou é parvo ou faz-se.

 

Stuart   Bem, mas vamos ficar aqui o dia todo a falar?

 

Oliver   Não, o dito cujo (o autor) encarregou-me de explicar o livro. E o que posso dizer é que o nosso autorizinho, o Julinho Barnes, é um génio.

 

Stuart   Por acaso não gosto muito dele. Um bocado afrancesado.

 

Oliver   E tu que gostasses. Não te esqueças que ele me fez à sua imagem e semelhança. Não é suposto gostares dele.

 

Stuart   "É suposto" é um anglicismo, é toino.

 

Oliver   Olha, olha... Mas nós até somos ingleses, meu caro.

 

Stuart   Mas, continua. Tu e os teu deus Barnes, que te criou à imagem e semelhança.

 

Oliver   Sim, pois. Bem, então o autor deste blogue (blogue! blogue!) pede-me para explicar por que razão este livro é simplesmente genial. E não consigo. Porque é impossível. Só lendo. E como não consigo ler, porque estou lá enfiado dentro, o que posso fazer é aconselhar os nossos caros amigos portugueses a lerem. No fundo, o livro é um diálogo entre as personagens e o leitor. É aparentemente simples, mas de repente o leitor já não está onde pensava que estava.

 

Stuart   É isso que tens para dizer?

 

Oliver   Sim.

 

Stuart   De facto, vocês, intelectuais, falam muito, mas dizer está quieto.

 

Oliver   Mas não concordas?

 

Stuart   Com o quê? 

 

Oliver   Com o facto de ser um livro que todos devem ler?

 

Stuart   Bem, gosto que o leiam, porque gosto que me leiam. Mas é tudo. Agora vamos lá embora.

 

Oliver   Ó homem, descontrai e vamos lá dar uma volta por Lisboa. Ouviste dizer que a CNN considerou a cidade a mais cool da Europa?

 

Stuart   A sério?

 

Oliver   Sim, sim. Embora, enfim, sendo uma cidade cool, não é muito o teu estilo...

 

Stuart   Pronto, tinha de vir...

publicado às 11:50

Se fosse dado a comparações mais dramáticas, diria que este foi um confronto digno do clássico Onda Choc vs. Ministars. Mas, não. As coisas pelo mundo da literatura infanto-juvenil são mais moderadas e mais civilizadas.

 

O certo é que havia diferenças — mas eu lia isto tudo, fosse lá como fosse.

 

Uma Aventura eram livros mais leves, um pouco estranhos na forma como aqueles miúdos nunca tinham namoradas, amores, desamores ou outros problemas desses — que, como todos sabemos, não são nada típicos das idades. Estou a ser injusto: os livros não podem ser tudo ao mesmo tempo e estes eram livros de aventura — como o título da colecção não se cansa de dizer, já vai para mais de 50 livros... 

 

E acho que houve um olhar mais lascivo da Teresa para um rapazinho qualquer n'Uma Aventura em Paris. Acho.

 

(Depois, a acusação típica: como é que aqueles miúdos têm tantas férias, vão a tantos sítios, acontece-lhes tanta coisa? Se formos literais nas contagens, já devem ter tido umas boas 25 férias de Natal e já deviam ter acabado o doutoramento. Bem, a resposta é: isto são livros de ficção...)

 

Gostei sempre muito de os ler e aprendi muito — viajei a Paris, subi à Torre dos Clérigos, andei pelos moinhos de marés da margem sul, fiz tanta coisa pelas mãos destas gémeas, deste Pedro, deste Chico e deste João. 

 

Ainda por cima, na altura em que comecei a ler estes livros, tinha duas grandes amigas (isto lá pelo ciclo preparatório) que eram gémeas e tinham nomes parecidos com as gémeas dos livros. Depois, tinha na minha turma outro par de gémeas, com outros nomes, mas fisicamente indistinguíveis das gémeas que apareciam na parte de trás dos livros: louras, com o cabelo exactamente assim. E havia as típicas discussões no meio de turmas de adolescentes. Portanto, quanto a enredos de faca e alguidar, tinha a minha turma, com as personagens lá inseridas. Para as aventuras, tinha os livros. E eu era, claro, o Pedro. Aliás, acho que sofria o síndroma "para-Pedro-só-me-falta-o-nome", porque tanto Uma Aventura como o Clube das Chaves tinham Pedros assim a dar para o intelectual. Só me faltava o despacho dos ditos cujos, mas se calhar eu, enquanto personagem, fosse um pouco mais realista como representante dos Pedros deste país. 

 

Muitos anos depois, entrei num elevador duma faculdade de Lisboa e quem tinha à frente? A ministra da Educação. Mas não me lembrei que era a ministra da Educação, porque o que interessa isso quando se é uma das autoras dos livros da nossa infância?

 

 

Já o Clube das Chaves era uma colecção bem mais adulta, se quiserem. E mais real. Os miúdos cresciam. Tinham amores, andavam pelas ruas de Lisboa, zangavam-se, tinham opositores que não eram "maus" (eram o Vasco)... Houve um momento qualquer em que tinha uma verdadeira pancada por aquela trupe. Um dia estava a chegar a Lisboa, vindo do Algarve (e estava a chegar para continuar, porque não vivia em Lisboa) e olhei para a cidade e pensei: "esta é a cidade destes livros" e nesse momento tornou-se, um pouco mais, a minha cidade — que já sabia ser, nessa altura, apesar de ainda não viver por cá. Lembro-me especialmente bem de ver o Pedro a descer uma rua perto do Aqueduto, de mãos dadas com a primeira namorada. Vivia aquilo como se fosse eu.

 

O Clube das Chaves não tem personagens tão conhecidas, se quiserem, mas dá-nos um sabor bem mais nítido do que é a literatura. Nunca mais me esqueci das chaves do avô Cosme...

 

Se um dia as personagens destes livros se encontrassem todos, é provável que as gémeas, o João, o Chico e o Pedro Aventura fossem famosos, mas o Clube das Chaves seríamos nós, anónimos lisboetas que gostam de sonhar com aventuras, mas têm os pés bem assentes na terra.

 

Gostam de literatura brasileira?

 

Sei perfeitamente onde foi o nosso primeiro encontro — não estou a falar da minha mulher nem de nenhum antigo amor (foram poucos, mas não me queixo). Estou a falar, isso sim, dum autor muito especial, que poucos conhecem porque tem aquele defeito que poucos leitores portugueses perdoam: é espanhol.

O autor é Javier Marías e a primeira vez que o vi foi na Fnac do Chiado, já lá vão muitos anos, e tinha este aspecto:



Estes anos todos depois, reparem bem nas manchas na pele, que isto a idade não perdoa:



Pois bem, mal sabia eu em que labirinto ia entrar… Este romance (?) não é exactamente um romance, nem uma crónica, ou talvez seja antes um post dum blog sobre livros um pouco sobre-dimensionado. Aliás, um post sobre livros do próprio autor! <pseudo>Ai, a auto-referencialidade dos autores pós-modernistas!</pseudo>

Pois bem (e já vamos no segundo “pois bem”), o que este livro conta são as peripécias do autor na sequência da publicação dum outro livro seu, anos antes, que relata a vida dum professor espanhol em Oxford, com uma série de personagens curiosas e um pouco ridículas a preencherem essas páginas desse outro romance:



Sim, Todas las almas passa-se em All Souls. O professor espanhol é professor de tradução, como se vê. Adiante. O certo é que vários professores e ex-colegas de Javier Marías — que como já devem ter percebido foi professor (e espanhol) em Oxford — e professor de tradução... — acharam que aquelas personagens eram, vejam só a desfaçatez, eles próprios.

 

Vêem-se enfiados num romance — e nada é mais literário do que ter personagens de carne e osso a pedir contas ao autor (e ex-colega). 

E, assim, Javier Marías, quando volta a Oxford, vê-se envolvido num enredo curioso, enredo esse que, to cut a long story short (em português: “para despachar que isto já são horas”)...

(preparem-se, que desta não estão à espera…)

... termina com a sua coroação como Rei de Redonda, uma ilha nas Caraíbas.

Exacto. E não pensem que é mentira (vejam o artigo wikipédico: http://es.wikipedia.org/wiki/Reino_de_Redonda). Pronto, Javier Marías é apenas um dos pretendentes ao trono, mas é um pretendente com pergaminhos literários impecáveis. E é um rei que aproveita para oferecer condados e títulos de nobreza em geral a pessoas insuspeitas como António Lobo Antunes, Ian McEwan… Desta monarquia, todos nós gostamos...

O livro — Negra espalda del tiempo — é muito bom. Não julguem que vão encontrar literatura levezita, que o Javier Marías está ao nível dum Lobo Antunes. Mas dum Lobo Antunes muito brincalhão e com a mania que é rei.

Nesta misturada toda, claro que a ficção e a realidade ficam um pouco confundidas, e por isso não espanta que o início de Negra espalda del tiempo seja este:



Já não leio este livro há muito tempo. Acho que vai já para a fila (que já vai comprida).

Boas leituras!

 

(E, se passarem pelas Caraíbas, mandem cumprimentos ao Marías.)

 

 

(From Wikipedia, as usual.)

publicado às 08:26


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