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No meu post de ontem disse que, a certa altura, deixei de perceber como alguém pode considerar Os Maias um livro secante. E, no entanto, ele é secante para um adolescente que tem um calhamaço daqueles à frente, com uma casa oitocentista logo à partida, de fachada imponente.
É secante para muitos alunos que não vêem o interesse ou utilidade de tudo isto.
É secante para um primo meu, que escreveu no exemplar dele — que folheei descontraidamente um dia, em casa da mãe dele, “coitado de quem tiver de ler isto!”
O que fazer com esta sensação inabalável que este grande clássico é uma seca — sensação partilhada com tantos?
Podemos desistir, podemos armar-nos em missionários duma religião literária, podemos desprezar quem pensa assim — e estaremos a errar profundamente.
Por hoje fico por aqui, mas este tema é importante...
Ora, vou contar-vos o que se passou comigo e com Os Maias. Tudo começou no ano anterior ao ano em que tinha mesmo de os ler na escola. Precavido, achei que era melhor ler antes que me obrigassem a fazê-lo, porque podia dar-se o caso de nunca vir a gostar da obra só porque era obrigatória. Sim, exacto, eu era um bocado esquisito (acho que já vos tinha dito, mas é melhor continuar a avisar, porque pode haver novos leitores deste blog que devem ser avisados enquanto é tempo).
Pois, li. E confesso que li sem dificuldades, maravilhado com aquele século XIX, com aquelas conversas entre amigos, com toda aquela história que me parecia muito concreta e palpável. Isto ou outra coisa qualquer, porque entretanto já li o livro mais umas quantas vezes e não sei o que li dessa primeira vez.
Mas lembro-me disto: o final d’Os Maias foi uma chapada na cara. Aquilo era lindo! O que li foi uma declaração optimista: aqueles gajos acham-se muito blasé, dizem que não vale a pena correr por nada — e, no entanto, correm!
Nas aulas em que, por fim, dei Os Maias descobri aquilo que se descobre quando se analisa uma obra depois de a ter lido: que havia para ali muito que não tinha visto, simbolismos e pormenores de linguagem que me tinham escapado — e percebi que isso se calhar era natural em qualquer leitura.
Anos depois, voltei a ler a obra e ri-me muito, coisa que não tinha acontecido da primeira vez. O final já me pareceu menos assombroso — também, já estava à espera — e fiquei horrorizado com certas passagens machistas e racistas por que tinha passado sem pestanejar anos antes.
Ainda mais anos depois, li, num Kindle, só para experimentar os e-readers. Ri-me ainda mais e li ainda mais depressa. De repente, era difícil perceber como aquele livro podia ser considerado secante. E, de repente, percebi que estava a ler um livro diferente: de cada vez que reli Os Maias, o romance era outro. Ou se calhar era eu que tinha mudado. Uma coisa ou outra.
Francisco José Viegas diz que "a leitura [é] cada vez mais uma atividade minoritária".
Este é o discurso habitual dos tipos de Letras, nos quais me incluo, orgulhasamente (tem dias).
No entanto, não consigo dizer que concordo.
Não tenho dados concretos (hei-de os procurar). O que posso fazer é pedir-vos para fazerem uma experiência mental: imaginem o país actual e imaginem ainda que escolhe, aleatoriamente, 100 jovens de 16 anos. Vamos encontrar um número determinado de jovens que gostam de ler.
Agora façam o mesmo exercício para o país há 10, 20, 30, 40, 50 e 60 anos. Em qual destes Portugais imaginam encontrar mais jovens de 16 anos que se considerem leitores?
Não se esqueçam que a escolha dos jovens é aleatória. Não são jovens na escola, não são jovens das cidades, não são jovens do Norte ou do Sul. São 100 jovens portugueses, aleatórios. Das aldeias, das vilas, das cidades, de todas as famílias.
O que me parece, sinceramente, é que a percentagem terá vindo a aumentar ao longo das décadas.
Porque digo isto?
Porque conheço muita gente que gosta de ler cujos pais e avós liam pouco ou nada. Conheço menos gente que não goste de ler e venha de famílias onde isso era uma tradição.
Isto não quer dizer que alguém habituado a falar, por exemplo, com jovens universitários não sinta uma diminuição do interesse pela leitura. Porquê? Porque o grupo dos jovens universitários alargou-se de tal forma que inclui hoje pessoas de origens muito diversas em relação aos jovens quase pré-seleccionados de há alguma décadas.
Mas, mesmo assim, há sempre um núcleo duro de leitores que não tem vindo, quanto a mim, a diminuir.
Como em tudo, temos de ver as coisas concretamente. Hei-de procurar os dados e vamos falando deste assunto.
(Outro assunto será o que se lê. Mas fica para depois.)
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