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Ora, um dos livros que gostava de vos aconselhar é The Fabric of Reality, de David Deutsch. (O artigo da Wikipédia inglesa é bastante bom.)

 

 

Convém estarem preparados para uma jornada muito diferente do que é habitual. O livro não se fica por explicações académicas ou escolares, mas tenta juntar vários fios do conhecimento científico dos últimos séculos (principalmente, do último século) para apresentar uma hipótese (ainda vaga) de teoria do Tudo.

 

Estes fios são quatro: a física quântica (don't be afraid, my friends!), a teoria do conhecimento (com base, principalmente, em Popper), a teoria da computação e a teoria da evolução. 

 

Isto pode parecer tudo muito abstracto, mas garanto-vos que, se lerem o livro com algum espírito de aventura (intelectual), irão ter a vossa visão do mundo transformada de forma bastante radical. Fala-se de: o que é o real; o que é resolver problemas; qual é o significado da vida; como saber o que é real; etc., etc., etc. E nada de espiritualidades bacocas ou palavras bonitas sem qualquer significado real. Estamos a falar dum físico, não dum astrólogo...

 

O livro ajuda-nos ainda a perceber o que é uma boa explicação, o que ajuda muito, por vezes, a distinguir disparates de explicações mais acertadas do mundo. Vou tentar resumir, porque julgo ser algum muito útil para todos: uma má explicação é uma explicação que implica necessariamente uma outra explicação do mesmo fenómeno que, por si só, bastaria para explicar o mesmo. Ou seja, se a explicação A implica uma explicação B, mas B seria o suficiente para explicar o que quer que seja que estamos a tentar explicar, A é uma má explicação e B será uma melhor explicação do mesmo fenómeno.

 

Sim, imagino que neste momento a coisa não faça sentido nenhum.

 

Mas o exemplo dado pelo autor é bom: todos sabemos que há uma altura na vida de adolescente em que temos as chamadas crises existenciais. Pelo menos, aqueles de nós mais dados a esses disparates. Ora, uma das manifestações dessas crises é o chamado solipsismo. A certa altura, ficamos na dúvida se o universo existe ou se não será apenas invenção da nossa mente e a nossa é a única coisa realmente... real. 

 

Sim, eu sei, da altura dos nossos 25 ou 30 ou 40 ou 50 anos, isto parece um disparate pegado. Mas há teorias filosóficas inteiras fundadas nesta ideia de que é possível o universo ser uma ilusão...

 

Pois bem, segundo Deutsch, a explicação A (o universo é uma ilusão na nossa mente) implica necessariamente uma explicação B ([A] o universo é uma ilusão na nossa mente que dá a sensação que se comporta como se [B] fosse real, com regras que podemos apreender, com outros seres conscientes e autónomos, etc. e tal). A explicação [B] é melhor: o universo é real, com regras que podemos apreender, com outros seres conscientes e autónomos, etc. e tal. Não precisamos da explicação [A] para nada.

 

Isto assim não parece coisa importante, ou parece, aliás, demasiado esotérico para ter interesse.

 

Mas tem, ó se tem!...

 

Outra coisa muito curiosa que ele nos diz é que as explicações do mundo têm vindo, progressivamente, a ganhar simplicidade e profundidade. Os quatro elementos ou fios de explicação que ele nos apresenta são muito mais simples do que elaboradas teorias mais antigas, que explicavam muito menos. É, assim, possível saber muito mais e ter conhecimento muito mais profundo em muito menos tempo. 

 

É fácil compreender isto. Afinal, um miúdo do 8.º ano das nossas escolas sabe muito mais do que muitos cientistas do século XVII...

 

Bem, tenho a impressão que não fui muito convincente nesta minha tentativa de vos levar a ler o livro. É pena. Mas a perda é vossa, garanto-vos.

 

E, não se esqueçam, ele nem sequer é filósofo. É um físico. E escreve extraordinariamente bem.

publicado às 13:50

Ah, pois é...

Uma discussão foi tanto mais proveitosa quanto mais os participantes puderam aprender com ela. Significa isto que, quanto mais interessantes e difíceis tenham sido as questões levantadas, tanto mais eles foram induzidos a pensar em respostas novas, tanto mais terão sido abalados nas suas opiniões, pois foram levados a ver essas questões de forma diferente após a discussão – em resumo, os seus horizontes intelectuais alargaram-se. […]

 

Não devemos esperar que qualquer discussão crítica sobre um assunto sério, qualquer «confronto», alcance logo resultados decisivos. A verdade é difícil de alcançar. […]

 

As discussões sérias e críticas são sempre difíceis. […] Muitos participantes numa discussão racional, ou seja, crítica, consideram particularmente difícil ter de desaprender aquilo que os seus instintos lhe impõem (e aquilo que lhes é ensinado por todas as sociedades que debatem): ou seja, vencer. Pois o que têm de aprender é que uma vitória num debate não significa nada, ao passo que a mínima clarificação de um problema que se tenha – mesmo a mais pequena contribuição para uma compreensão mais clara da sua própria posição ou da de um opositor – constitui um grande sucesso. Uma discussão que se vence, mas que não ajuda na alteração ou na clarificação da vossa mente, nem que seja só um pouco, deverá ser considerada uma perda completa. […]

 

A discussão racional […] é modesta nas expectativas: é suficiente, mais do que suficiente, se sentirmos que conseguimos ver as coisas sob uma nova luz ou que até nos aproximámos um pouco mais da verdade.

 

K. Popper, O Mito do Contexto – Em Defesa da Ciência e da Racionalidade


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