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Nas generalizações absurdas, os europeus têm um prazer sibilino em generalizar a estupidez no caso dos americanos (como, aliás, já se disse por aqui).
Há uns tempos, descobriu-se que 25% dos americanos não sabiam bem se era a Terra que rodava à volta do Sol ou o contrário.
"Ai, esses ignorantes medievais" — apressaram-se logo a dizer alguns anti-americanos habituais.
Mas, vai-se a ver, na Europa ainda são mais os respondentes que não sabem bem à volta de que astro andamos todos...
Não fiquem já aí todos chocados com isto. Não comecem, acima de tudo, a acusar os jovens disto e daquilo. Não tenho os dados, mas se fôssemos destrinçar isto por gerações, tenho a certeza que não seriam os famosos jovens a sair-se mal na fotografia... Aliás, reparem lá nos números: estes europeus que não sabem nada de astronomia não serão os idosos perdidos pelas aldeias do interior dos 28 países, que não chegaram a tempo da explosão na formação científica e cultural dos últimos 50 anos (para lá das elites das grandes cidades, que sempre tiveram essa formação)?
As pessoas passam a vida preocupadas com a língua portuguesa, mas em vez de arrancarem cabelos, mas vale ler e falar e ouvir e escrever — e a língua, esse bicho safado, lá se há-de safar.
Nisso, estou como o Stephen Fry (vejam o vídeo, por favor).
Agora, ando a ler o livro Txtng — The gr8 db8, do divertidísismo David Crystal. Este autor explica bem como a linguagem SMS não é nenhum drama, usa mecanismos que já existiam na língua (neste caso, inglesa) e não está a ter impacto negativo no conhecimento linguístico dos jovens.
Antes de começarem aos gritos, experimentem ler o senhor Crystal. É que ele, se calhar, até tem razão.
"Ah, então quer dizer que agora podem escrever assim nos testes?"
Não, claro que não podem. E só o fazem por distracção. Desde sempre a língua teve vários registos e não saber usá-los nas situações apropriadas é que é falta de conhecimento linguístico. Tanto erra o aluno que escreve num teste "Ñ sei q resposta dar" como o jovem que escreve uma SMS a uma amiga: "Ex.ma Sr.ª, gostaria de se encontrar comigo depois de amanhã à porta do botequim? Poderá haver possibilidade de contacto físico, se V. Ex.ª assim o entender."
Há um género jornalístico muito específico — e muito cretino. É a famosa entrevista ora-vamos-lá-ver-quão-estúpida-é-esta-gente. Normalmente, as “vítimas” são jovens, de preferência universitários, para que a geração que agora está no poleiro profissional possa ficar descansada: os que vêm a seguir são bem parvos.
Ora, a coisa é simples: é sempre possível encontrar pessoas que não sabem alguma coisa. Aliás, todos nós não sabemos coisas que os outros acham essenciais. Fazendo um número suficiente de perguntas, encontramos sempre ignorância. Depois, é uma questão de montar bem a coisa, mostrar só os piores momentos — e o resto é apenas aquela mania que temos de ligar apenas ao que confirma o que pensamos. Se a ideia geral é que os jovens são estúpidos, então chega mostrar um ou dois exemplos a favor do nosso preconceito.
Já fazer investigações a sério, isso dá muito trabalho. A questão certa será: as várias gerações têm melhorado os seus conhecimentos no âmbito da literacia e numeracia, ou estamos pior do que estávamos? Ficariam admirados com a resposta…
Mas afinal a que geração pertencemos nós que temos 30 e poucos anos?
Se calhar mais vale admitir que não há gerações, ponto. Os gajos e gajas do meu país que têm 33 anos ou quase são uma gente tão diversa que se escolhermos 33 ao acaso (só para insistir no número), acabam todos à batatada. Sim, eu sei, andámos todos a rir feitos totós com os Cromos do Markl, mas isso é porque é giro ter aquela idade em que podemos começar a ter nostalgia de quando éramos novos, porque pela primeira vez sentimos que quando alguém fala dos “jovens”, essa massa mentecapta que é preciso “apoiar e estimular”, como se fossem animais, não está a falar de nós! Meu Deus, fomos rascas, à rasca, Y, X, Z, abc, andámos a aturar os senhores adultos (os tais que têm trinta ou mais) a dizer que os jovens não sabem nada — e finalmente já não somos jovens! Iupi!
É uma idade curiosa: primeiro, continuamos a querer ir a Festivais de Verão, porque isto de ser adulto cansa. Ainda bem. Mas também gostamos de dizer que já não temos idade para isto, porque no fundo temos um certo prazer em já não ter idade para isto.
Depois, começamos a ter idade para uma coisa: criticar os jovens. Dizer que os jovens de hoje não são como nós. Que não sabem as mesmas coisas. Que ouvem música de merda. Que não sabem fazer contas. Que não têm trambelhos nenhuns.
E isto leva-me a um momento eureka: e se isto for sempre assim? E se todas as gerações forem criticadas pelos mais velhos e, chegada a sua vez de estar no poleiro da idade adulta, mais ou menos à rasca, começarem a criticar os mais novos?
Agora a pergunta dos dez dólares (que não há dinheiro para mais): isto prova que vamos mesmo de mal para pior, ou que gostamos todos muito de nos acharmos superiores aos mais novos?
Um rapaz de 32 anos senta-se no café, tira o telefone do bolso e lê as actualizações do Facebook. Três dos seus melhores amigos contam histórias de como é viver em Inglaterra, nos Emirados e em África. Ri-se duma piada qualquer que um deles postou, imagina como será viver longe de Lisboa e acaba a murmurar "Este país não é para novos." Pede uma cerveja, vê um avião a levantar voo pelo meio da cidade e sorri ao sol. E amanhã, o que fará?
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