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Sabem a origem da expressão “para inglês ver”?

A expressão tem origem brasileira… (Será que os portugueses ciosos da pureza do dialecto europeu do português vão começar a não querer usar a expressão? Espero que não!)

 

Lembrei-me da expressão ao ler este artigo da The Economist, onde a expressão é referida. 


Referia-se, na sua origem, às leis aprovadas pelo Brasil para convencer os ingleses que estavam em processo de eliminação da escravatura — porque os ingleses andavam a patrulhar os mares em busca de barcos de negreiros. Têm aqui uma explicação (pela revista Veja). 

Se acham que os ingleses estavam armados em bonzinhos, só a defender os seus interesses, não se esqueçam que estamos a falar da escravatura! Claro que estavam a defender (também) os seus interesses, mas e daí?

 

A escravatura é daquelas questões onde podemos ver um verdadeiro progresso moral. Podem dizer-me que ainda existe escravatura, e eu sei que sim. Mas, reparem: dizemos ainda. No sentido em que nos dias de hoje já não devia existir. Porquê? Porque o mundo já chegou à conclusão que a escravatura é qualquer coisa de abominável, sem qualquer excepção. Quem a pratica são criminosos, sem qualquer aura de credibilidade. O mesmo não acontecia ainda há dois séculos. Penso que será seguro dizer que o mundo não voltará a um estado em que a escravatura é aceite por vários países e praticada livremente. Há outros casos destes: mudanças de mentalidade que se cristalizaram e tornaram o mundo um lugar melhor — mas, para já, fiquemos com este.

 

Jean Baptiste Debret,Voyage Pittoresque et Historique au Bresil(1834–1839).

Os falantes de determinada língua estabelecem uma relação tão forte entre os sons e os símbolos que são usados para os representar na escrita que se torna, por vezes, difícil perceber como podia ser doutra maneira.

 

Por exemplo, há portugueses que julgam ver no som "nh" uma qualquer característica que obriga a que o som seja representado por duas letras (um dígrafo). Ora, mesmo aqui ao lado, temos os espanhóis a escrever "ñ" e a considerar este "eñe" como uma letra autónoma.

 

Já os catalães usam "ny" para o mesmo som. Os galegos usam "ñ" na ortografia oficial, havendo uma ortografia diferente, apoiada por alguns movimentos e universidades, que usa o português "nh". 

 

Quanto ao mirandês, quem tratou de estabelecer uma ortografia única optou por "nh", à portuguesa.

 

O som "nh" tem tantas variantes porque não existia em latim. As línguas latinas acabaram por ter de se desenvencilhar sozinhas para inventar uma forma de o escrever.

 

Não só neste caso, mas em tudo o que toca à ortografia, estamos a falar de escolhas: por vezes, são escolhas que se vão acumulando ao longo de séculos, muitas vezes feitas pelos tipógrafos que pela primeira vez tiveram de passar a escrito manuscritos de autores que usavam opções diferentes conforme a página, outras vezes são opções conscientes e feitas de forma sistemática por uma pessoa ou por um grupo de pessoas encarregues de estabelecer um ortografia para uma língua. Casos há ainda que estas escolhas se tornam letra de lei, como acontece com o português, que é regulado por leis e tratados internacionais (um dos quais tem criado a polémica que todos conhecemos).

 

No entanto, mesmo quando inscrita na lei, a ortografia é sempre uma convenção. Teoricamente, uma língua (que é um fenómeno, à partida, oral) poderia adaptar-se a qualquer sistema de escrita. É possível escrever português em cirílico, por exemplo: bastaria estabelecer um conjunto de regras que fizessem a correspondência entre sons e letras (estas regras podem ser mais ou menos complexas; línguas há em que a relação é quase unívoca, como o espanhol, enquanto outras têm uma relação que, à primeira vista, é anárquica, como o inglês).  

 

Seja como for, a ortografia e em especial os símbolos que distinguem cada língua acabam por ganhar tal força na mente e no coração dos falantes que, só por si, representam e simbolizam toda uma cultura. 

 

O "ñ" é um símbolo do espanhol e da cultura espanhola, os catalães sentem o "ç" como algo que os distingue dos restantes espanhóis (o Barça é Barça e não Barza, se repararem bem) e nós, portugueses, andamos às voltas com a perda ou salvamento de algumas consoantes. 

 

Estes símbolos especiais permitem ainda distinguir línguas, mesmo quando não conseguimos lê-las. O português, por exemplo, é inconfundível com o seus conjuntos de cedilha e til:

 

 

Já o catalão, para além da cedilha e do "ny", tem este símbolo estranho entre os dois "ll":

 

http://ca.wikipedia.org/wiki/L%C2%B7L

 

 

publicado às 17:09

Ora, se ontem vos trouxe a edição do Beowulf em Old English, aqui fica a versão traduzida que usei na faculdade:

 

 

 

 

 

publicado às 10:15

Pois, isto foi assim: quando comecei a faculdade, vinha todo entusiasmado. Mal os professores davam as bibliografias, lá ia para as livrarias à procura dos livros que tinha de ler.

 

Sim, eu era desses.

 

Perdoem-me lá e avancem.

 

Pois bem, numa das primeiras disciplinas que tive, Introdução à Literatura Inglesa, ou algo assim, havia um livrito que tinha de ler. O famosíssimo Beowulf.

 

Ora, que o tinha de ler já sabia pelos resumos das cadeiras no site da faculdade, onde apareciam os títulos, mas não propriamente as edições recomendadas. 

 

Armado com um entusiasmo provavelmente pouco saudável, ainda antes da primeira aula, lá fui comprar o Beowulf. 

 

Ora, na Fnac, estava à venda, estranhamente, uma edição que reproduzia, com glosas lateriais, o texto original, em Old English. 

 

O início da obra era este:

 

Hwæt! We Gardena         in geardagum, 

þeodcyninga,         þrym gefrunon, 

hu ða æþelingas        ellen fremedon. 

Oft Scyld Scefing         sceaþena þreatum, 


monegum mægþum,         meodosetla ofteah, 

egsode eorlas.         Syððan ærest wearð 

feasceaft funden,         he þæs frofre gebad, 

weox under wolcnum,         weorðmyndum þah, 

oðþæt him æghwylc         þara ymbsittendra 

 

Pois...

 

A professora, na primeira aula, lá explicou que a edição que queria era uma edição traduzida para inglês moderno.

 

Lá voltei à livraria, para comprar uma edição compreensível.

 

Não que a compra tenha sido totalmente despropositada. Afinal, o Beowulf era aquilo — e não deixa de ter o aspecto de língua nórdica, de saga antiga, de velhas aventuras em mares frios, mesmo sem percebermos uma palavra que seja. 

 

Ah, os ð e þ são lindos.

 

E lermo-lo em tradução moderna deve pôr o Jorge Luis Borges a dar voltas no túmulo.

publicado às 19:04

Este livro que tenho nas minhas estantes há uns bons 22 anos não é meu...

 

 

 

Era duma professora de inglês que tive, cujo nome não me lembro, mas que era apaixonada pela ciência. Falávamos muito, e pouco de inglês (para isso serviam as aulas). Eram conversas muito estranhas, em que falávamos de matemática, física e por aí fora. Ganhei, por essa altura, um gosto muito forte pela ciência — e tudo por causa duma professora de inglês (o professor de Ciências da Natureza também ajudou e ainda vos hei-de contar onde o encontrei muito tempo depois). 

 

Tenho pena de ter ficado com o livro, que não é meu. Mas ao mesmo tempo fico contente por ter esta recordação dessa professora que nunca mais esqueci, apesar de não me lembrar do nome.

 

(Outra das paixões da professora de inglês era o alemão, mas nisso não me conseguiu convencer.)

Gosto muito de línguas, tenho a dizer. Ficam avisados: se quiserem continuar a ler este blog, vão ter de levar com esta minha outra mania.

 

Gosto de línguas, de saber o que se fala e como se fala nos vários sítios por onde vou passando, quais são os meandros dessas línguas, a intrigante variedade das formas de falar, casos como norueguês em que os políticos falam "como na terrinha" e praticamente não há norma culta no que toca à fala e duas normas separadas no que toca à escrita, casos como famílias onde se misturam línguas e vai-se a ver miúdos até saem mais desenvoltos do que puros monolingues (que surpresa!) — depois gosto de (fiquem bem, todos aqueles que vão desligar-se deste blog neste momento) linguística e de ver como funciona de facto a linguagem humana (e a forma absurda como muitas pessoas pensam que funciona…).

 

Para lá da língua falada, gosto da escrita, aquilo que aparece pelas paredes, nas placas da estrada, nos papéis que temos na mesa, nas folhas dos livros. Pois, nos livros. Afinal, quem gosta de ler, tem de gostar de palavras, de línguas, de linguagem...

E gosto da linguagem duma forma descomplexada, meus amigos. Estou com o Stephen Fry, um purista arrependido, porque não há nada mais assassino da língua do que os puristas obtusos que andam a armar-se em polícia em vez de perceberem que a língua é para se usar e abusar e não para se patrulhar como se fosse um cristal prestes a partir-se.

 

Não facilitem, sejam exigentes: não reduzam a língua a umas quantas regras, que a língua e as línguas são muito mais do que isso. São para se saborear com a língua, com os olhos e com o corpo.

Vejam o filme, que é muito bom:

 

Vou pela f**c fora a ver livros ingleses, uma espécie de prazer pouco culpado, se bem me entendem a estrutura a dar para o estrangeirado. Adiante. Pois, às vezes, lá encontro alguma coisa que não estava à espera (não vos digo já aquilo de que estou à espera quando procuro livros para não ficarem já com uma visão muito reduzida da minha pessoa, porque já sabemos como somos nós os humanos: com poucas pistas conseguimos criar toda uma imagem duma outra pessoa com uma facilidade assustadora).

 

Pois lá ia eu pela f**c fora, dizia eu, quando encontro um livro que me chamou a atenção, não sei bem porquê:

 

 

Se o título em si e a autora não eram de tom a deixar-me muito curioso, comecei a ler e fiquei logo agarrado. Não é por ser tarado, mas este início é estranhamente hipnótico:

 

 

Vinte vezes! E a senhora passa a descrever detalhadamente o pensamento da personagem principal durante as vinte investidas.

 

Se isto não chama a atenção, o que chamará?

 

O facto de estar muito, mas mesmo muito bem escrito também ajuda. 

 

Estou no início. Não sei se vou chegar ao fim, que tenho outras coisas ali a chamarem-me a atenção, mais livros na pilha de livros, sempre mais livros, cada vez mais livros (isto é uma doença!), mas este início vale por muitos livros. 


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