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Uma vez fui visitar Conímbriga com o meu avô e os meus pais. A viagem foi curiosa, mas já sabemos que visitar ruínas romanas exige sempre alguma concentração: é preciso um trabalho de imaginação para reconstruir na nossa cabeça o que ali estava — e o que ali estava era uma civilização de há 2000 anos (ia dizer "atrás", mas ainda levava uma traulitada). Uma viagem em família não é o ambiente ideal para essa reconstrução mental e para chegarmos àquele clique em que pensamos, bolas, havia aqui gente que tinha uma sociedade inteira e sólida e, entretanto, tudo acabou e veio a Idade Média e tudo e tudo...

 

(Isto faz-me lembrar a viagem de finalistas da faculdade, à Tunísia, em que fui com uma turma que não era formalmente a minha, por razões que agora não vêm ao caso, e, na visita a Cartago, ficámos boquiabertos com aquilo — porque aquilo era quase nada... Talvez volte um dia a falar dessa mítica viagem.)

 

Portanto, lá fomos até Conímbriga. Lembro-me de pouco mais, mas lembro-me duma conversa com o meu avô, que devia ter uns 70 anos por essa altura.

 

Perguntava-me o meu avô como era possível aos historiadores saberem seja o que for sobre aquela gente que por ali andava — afinal, como ele explicava, na vila dele nem a geração dos avós dele (meus tetravós) tinha registos completos... Perguntava-me a mim, porque, supostamente, eu era um gajo muito sabido de História (o meu sonho entre os 10 e os 17 anos era ser historiador). Lá balbuciei umas explicações, mas era difícil em poucos minutos dizer fosse o que fosse sobre o método da História, sobre o Império Romano, etc. e tal.

 

Agora, não me interpretem mal: o meu avô é uma pessoa inteligentíssima. E com esta pergunta mostra um cepticismo bastante saudável. Mas fez a escola primária nos anos 30, e não me venham com histórias: antigamente é que não era bom.

 

(Não me interpretem mal também noutra coisa: hei-de vos contar várias conversas com o meu avô em que parece que ele pergunta e eu tento responder. Mas, não se esqueçam, a questão é que eu tive a oportunidade de seguir pela escola fora, também por causa do meu avô, e há coisas um pouco mais teóricas em que me sinto mais à vontade. Mas nem por sombras sinto que sei mais do que o meu avô que tem hoje 85 anos. É impossível. Podemos não saber das mesmas coisas, mas 85 anos são melhores do que muitos anos de leituras para se saber coisas que só nessa altura saberemos o quão importantes são.)

 

Ora bem, isto agora enrolei-me um bocadinho, mas vocês percebem. Adiante.

 

Na mesma viagem, mas já de regresso, falamos sobre as idades das pessoas. Digo ao meu avô que hoje vive-se, em média, mais anos do que "antigamente", seja lá isso quando for.

 

O meu avô franze a testa: "Então, mas na Bíblia falam de pessoas com 800 e 900 anos."

 

Ups.

 

Eis-me perante o Grande Choque de Gerações. 

 

Tento dizer que isso seria simbólico, ou algo assim. Quase que me atrevo a dizer que o Adão, se calhar, vamos lá ver, pois bem... Se calhar é uma espécie de história. Resposta do meu avô: ou se acredita ou não se acredita. A Bíblia é para se acreditar, ponto final.

 

Fiquei calado, confesso. Em Portugal, ao contrário dos E.U.A., nunca me pareceu que a religião fosse impeditiva de as pessoas acreditarem nos factos científicos. Afinal, lembro-me de ter Religião e Moral na escola e de ter uma professora que nos explicou a evolução darwiniana não para "dizer mal", mas para provar que o Antigo Testamento só podia ser metafórico, mas nunca literal, porque a ciência já tinha demonstrado que a Bíblia não era uma descrição literalmente verdadeira.

 

Com esses professores assim tão desempoeirados (se calhar fui eu que tive sorte), esqueci-me que, do fundo do sistema de ensino do Estado Novo, foram educadas gerações habituadas a um ambiente em que a Bíblia era uma Verdade absoluta e sagrada. Antigamente não era mesmo nada bom... (Também, há que dizer em abono da verdade, aprenderam outras coisas válidas. Mas isso agora não vem ao caso.)

 

Reparem: o meu avô tem o instinto céptico que o leva a duvidar dos achados arqueológicos de Conímbriga. Mas há ideias que são sagradas, também porque estão envolvidas numa série de recordações (as missas, a catequese, a escola de há muitos anos) que implicam uma ligação emocional forte a essas ideias. 

 

Não pensem, aliás, que esse problema é exclusivo da geração dos nossos avós. É muito fácil todos nós cairmos em certos engodos: a astrologia, a homeopatia e essas interpretações literais de textos religiosos (e um grande et caetera). É tão fácil porque estamos pouco alerta para os erros dessas ideias. São ideias que sabem bem, são confortáveis, parecem fazer sentido e as pessoas que nos explicam estas coisas são muito simpáticas e, por vezes, importantes para a nossa vida. Confiamos nelas. Toda a vida acreditámos e, por vezes, parece que não acreditar é trair não essas ideias mas as pessoas que no-las transmitiram.

 

Já a ciência parece ser uma coisa mais fria e um pouco desmancha-prazeres. (Ah, mas pode não ser...)

 

Enfim, não há muito a dizer nem a fazer quanto a estes desencontros geracionais. O meu avô de 85 anos há-de ter mais sabedoria do que eu para lidar com situações como estas — e o certo é que nunca deixámos de falar, mesmo com esta barreira que outros acham intransponível.

 

(E se estão a rir-se da ingenuidade do meu avô, pensem em quantos amigos vossos acreditam nos horóscopos e parem lá de rir, se faz favor.)

 

E lembrem-se que teremos todos muita sorte se, aos 85 anos, ainda tivermos vontade de aprender.

 

 

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Conimbriga.jpg

 

publicado às 15:20

Muitos amigos meus acusam-me de ser distraído. A minha família também acha o mesmo. A minha mulher também achava, mas tem vindo a mudar de opinião. Ou se calhar já está cansada de dizer o mesmo. Uma coisa ou outra.

 

Ora bem, como verão já de seguida, não sou o único distraído da família. 

 

Na Páscoa de 2010, fui com a minha família visitar o meu irmão (não foi a viagem contada anteriormente, em que fomos a Paris

 

Numa das livrarias de Cambridge, comprei este livro:

 

 

 

O livro é magnífico. Ajuda-nos não só a perceber o que é a ciência, como a desmontar a forma absurda como a ciência nos é transmitida, a perceber a forma como a indústria farmacêutica manipula o mercado e ainda a deixar de lado qualquer réstia de confiança que poderíamos ainda ter nalgumas medicinas alternativas como a homeopatia e outros que tais.

 

Só para vos incentivar a ir procurar o livro (há a versão portuguesa), aqui está um extracto da introdução:

 

 

 

Ora, aqui está uma óptima definição de ciência: uma forma de evitar sermos enganados pelas nossas próprias experiências isoladas e preconceitos individuais. Claro que haverá sempre quem goste de ser enganado e, como o autor diz num dos parágrafos que aparece nesta foto acima, mas já meio desfocado (ai o Instagram, o Instagram...), "you can't reason people out of positions they didn't reason into" (que expressão tão britanicamente sucinta). Não podemos usar a razão para convencer alguém a abandonar uma opinião irracional (seria algo assim a tradução desta expressão), mas podemos tentar.

 

Enfim, adiante. Leiam o livro. Vai fazer-vos muito bem à saúde. E à carteira. Porque a ignorância nestas coisas da ciência e da medicina só faz é mal — mesmo muito mal.

 

Mas não foi para isso que vim escrever este post nocturno, enquanto a minha mulher já dorme e o meu sono está quase a chegar.

 

O que acontece é que comprei o livro em Cambridge, como vos disse, ao lado do meu irmão, e andei por lá a passear com o livro na mão, a lê-lo todos os bocadinhos que encontrava. Acontece-me isto: os livros de ciência deixam-me empolgado como se estivesse a ler um policial. Deve ser um problema qualquer nos neurónios.

 

Lia, comentava, discutia o livro com o meu irmão. 

 

O meu irmão via-me, em casa dele, no café ao pé da casa dele, no carro com os meus pais — sempre com este livro na mão.

 

Isto, em Abril (julgo que por essa altura, agora não sei de cor quando foi a Páscoa nesse ano).

 

Passaram-se meses.

 

O meu irmão vem a Portugal, para o Natal.

 

E que prenda me traz ele?

 

Este mesmo livro! Dizendo: "acho que vais gostar!"

 

A minha cara foi: "estás a brincar comigo?"

 

"Porquê?"

 

"Porque, pá, eu não só comprei o livro ao pé de ti, como andei vários dias a lê-lo ao pé de ti."

 

Ele bate com a cabeça na testa, rimo-nos todos e disto tudo surgiu uma coisa boa: ele voltou com o livro para Inglaterra e acabou por lê-lo. 

 

Se bem me lembro, não gostou assim tanto. Achou o autor um pouco arrogante e demasiado irritado com a ignorância dos outros. Mas, enfim, um médico deve sentir-se mal quando todos acreditam em disparates astro-quânticos-homeopáticos e desconfiam dos médicos como se fossem parte duma conspiração qualquer para acabar com a saúde das pessoas. É fácil cair na arrogância e na atitude: "mas está tudo doido ou quê?"

 

Porque, já sabemos, quando alguém sobrevive a uma doença, o responsável por tal milagre é Nossa Senhora, ou os anjinhos, ou as vibrações cósmicas, mesmo que tenha havido um médico (daqueles a sério) a tentar tudo por tudo para salvar a pessoa. Se alguém não sobrevive, a culpa é do médico. Ponto final.

 

Bom, bom era que alguém descobrisse a cura para a distracção. Queria ver se o meu filho não padecia desta doença do pai e tios.

 

(Já agora, um bom dia!)


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