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Que o Pai Natal não existe acho que ele já desconfia… Até porque uns vêm dizer-lhe que é o Menino Jesus, outros falam-lhe só do tal Pai Natal e ele fica baralhado. Lá na cabeça dele já deve ter pensado: «se calhar quem compra os presentes são os pais e os avós — mas mais vale ir na brincadeira, que eles parece que gostam».

 

Portanto: não é isso que não quero dizer ao meu filho. Também não tenho medo de falar de temas mais pesados, como a morte, que ele já percebeu que existe, até porque a Disney faz o favor de matar não sei quantas personagens nos seus filmes, deixando o miúdo num pranto e nós sem saber o que dizer. É preciso matar tanto pai e tanta mãe das simpáticas criaturas daqueles filmes? São sádicos, os senhores da Disney?

 

Ora, também não será novidade para ele que neste mundo há gente cruel. Ou melhor, que toda a gente, de vez em quando, sabe ser má. Ele anda na escola: já encontrou a crueldade. E se calhar até já encontrou a crueldade mais difícil de todas: a dele próprio.

 

Agora, para lá dessas ilusões de Pais Natais e outros que tais, ele está convencido disto: que nós, os pais dele, até sabemos mais ou menos o que andamos a fazer e percebemos muito bem o mundo. Que sabemos protegê-lo de tudo e ajudá-lo a ultrapassar as dificuldades. E, é verdade, nós tentamos fazer isso mesmo — mas a verdade crua é esta: temos muito menos certezas e sabemos muito menos sobre o mundo do que ele pensa. Quando pegamos na mão dele para atravessar a estrada ou quando apontamos e explicamos o mundo sentimo-nos quase tão desorientados como ele.

 

Mais tarde ou mais cedo, ele vai descobrir isso mesmo. Espero que seja daqui a muito tempo, quando ele já conseguir orientar-se tão bem ou tão mal como qualquer um de nós. E estou convencido que ele ainda há-de descobrir isto: também os pais chegam a uma altura em que precisam que os filhos lhes peguem na mão e os orientam. Mas depois também eles descobrem que os filhos, tão espertos nestas coisas novas do mundo, na verdade também estão desorientados e lá porque sabem mandar um e-mail não quer dizer que saibam o que dizer a um pai ou a uma mãe quando a vida muda como uma casa num furacão.

 

Pois é: todos descobrimos que nesta vida amalucada não há ninguém que saiba exactamente o que fazer — mas não quero dizer isso já ao meu filho, porque o que nos vale ainda são esses primeiros anos em que os pais fingem estar a mostrar, sábios e antigos, o mundo aos filhos e os filhos brincam no mundo cheio de felicidade, numa viagem qualquer, a rir e a cantar, para ir descobrir a neve pela primeira vez.

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Ora, hoje vou escrever sobre aniversários dos miúdos. Porquê? Porque o Simão está mesmo quase a fazer anos e vai ter a sua primeira festa para amigos. Não que nos anos anteriores não tivesse tido festa, mas era uma festa para a família e para os nossos amigos.

 

Pois, agora, no quarto aniversário, a festa é outra e é mesmo dele: foram convidados os amigos dele, da escola. E assim entramos nesse quase calvário de festas que se espalham ao longo do ano. Sim, são vinte e tal miúdos: temos assim vinte e poucas festas. Nem vale a pena pensar em fugir a esta seringa: um dos miúdos tem uma festa para a turma toda e, claro, os outros não querem deixar de ter a sua. Há que dizer que não? Porquê?

 

E onde fazer a festa? Em casa? Houve pais de colegas do Simão que, sim, optaram por levar os colegas todos para casa. Mas a Zélia e eu imaginámos 20 e tal miúdos aos saltos no apartamento, os livros todos rasgados no chão, o nosso gato a ter um ataque de coração e (o horror! o horror!) o fim da festa, em que todos já foram e para limpar ficámos nós — e claro que optámos por procurar outro sítio qualquer.

 

Um armazém cheio de festas

Não sei se já repararam, mas os aniversários das crianças transformaram-se numa verdadeira indústria: há armazéns e armazéns por essas urbes fora preparados para aguentar com várias festas em simultâneo — isto para lá doutros locais que, a certas horas, se transformam em palcos para a criançada (o Oceanário e certos museus, por exemplo). Tudo depende das idades, claro — e da carteira dos pais.

 

Pois bem, alguns torcem o nariz, mas a verdade é que a coisa funciona: as crianças divertem-se, há bolo e cantoria, no fim está tudo limpo e é bastante seguro… E foi assim que escolhemos uma dessas fábricas de festas, que o Simão exigiu ver para nos dizer se estava bem. Foi lá e já não queria sair. Podia ser ali. Aliás, podia ser ali todos os dias…

 

Cinco minutos sem timidez

O Simão já anda nisto das festas há uns meses. E há uma confissão a fazer: nem sempre ele gosta assim tanto da festa. Ou melhor, gosta, mas à distância.

 

Talvez ele tenha alguma coisa de tímido (como eu), mas ainda há poucas semanas lá ficou a brincar um pouco sozinho, sem se importar muito com as brincadeiras dos outros. Mesmo nas brincadeiras de conjunto, pediu-me para ir com ele. E assim vi-me a fazer um jogo de crianças em que devia andar ao pé-coxinho aos saltos por vários arcos coloridos sem pisar nenhum dos bonecos que lá tinham sido postos pela animadora. Isto, claro, com o Simão ao colo.

 

Os coitados dos bonecos nem sabiam o que os esperava. Só vos digo que as crianças sabem brincar melhor do que eu. A animadora da festa estava de boca aberta e lá ralhou comigo como se fosse uma criança que não sabe acertar com os pés no sítio certo… Bem, diga-se em minha defesa que os meus pés são um pouco maiores que os dos petizes.

 

Porquê aquela timidez? Não sei: todos temos os nossos dias. Enfim, nos últimos cinco minutos a timidez passa e agora o rapaz já não quer ir embora. Fala, gesticula, corre, brinca o suficiente para compensar as duas horas de timidez. E parece que, para ele, está bem assim: vai todo feliz para casa, depois de cinco minutos de verdadeira festa.

 

Prendas e rituais

As festas têm os seus rituais, claro está. O bolo, a cantoria, as prendas… Sim, as prendas são uma obsessão: eles gostam mesmo de as receber (e quem não gosta?). Mas o mais engraçado é que nas festas já notei como os miúdos também gostam muito de dar a prenda ao rei desse dia. Pois, se as crianças são habitualmente um pouco invejosas e um pouco egoístas, nesse dia aprendem esse outro prazer.

 

Mas voltando aos rituais: há hábitos estranhos que aparecem vá-se lá saber de onde. Ainda há umas semanas, fomos à festa do meu sobrinho Martim, num dos tais armazéns, ali mesmo ao pé do aeroporto, o que tinha o encanto de, por entre os miúdos a gritar, nos deixar ouvir, de tantos em tantos minutos, um avião a passar. Pois, percebi que entre a geração dos oito anos (pelo menos naquela escola), depois de cantarem os parabéns, o miúdo que faz anos tem de ir para baixo da mesa e gritar.

 

Os miúdos riem-se e batem na mesa. Os pais franzem as sobrancelhas e olham uns para os outros, para tentar perceber se aquilo será normal. E parece que é! Será porque dá sorte? Não: é mesmo porque tem de ser.

 

E ainda dizem que os miúdos não brincam!…

Sim, eu sei que muitos acham que as crianças andam metidas nos computadores e iPads e outros que tais e já não brincam. Enfim, isso são pessoas que vêem uma criança a brincar com um iPad durante uns minutos e acham que as crianças passam a vida toda assim.

 

Ora, tretas! Pelo que vejo, as crianças brincam e não é pouco. E têm tantas actividades na escola e fora da escola que às vezes até acho que mais valia estarem mais tempo sossegadas a olhar para alguma coisa — mas isto já sou eu a provocar.

 

Sim, os putos brincam e saltam e, às vezes, lá passam o dedo pelo telemóvel — e desarrumam as aplicações dos pais ou mandam mensagens absurdas ou, como há dias me aconteceu, atendem o telefone sem dar cavaco a ninguém.

 

Não acreditam que as crianças de hoje em dia também brincam? Então, basta irem a um desses armazéns de festa e vê-los aos gritos e aos saltos, a correr (menos quando têm um ou outro ataque de timidez e querem que o pai vá andar ao pé-coxinho). Ou, aliás, podem sempre ir às escolas e ver como as crianças nunca deixaram de brincar.

 

Fotos aos magotes…

E durante as festas, os pais fazem o quê?

 

Os pais põem a conversa em dia, olham (esses sim) para o telemóvel, vêm os aviões a passar, tomam café e, claro, tiram fotos sem parar. Todos tiramos tantas e tantas fotografias e, agora que não há os limites dos rolos, parece que nos perdemos num mar de gigabytes de imagens atrás de imagens. A maioria delas são terríveis: desfocadas, desenquadradas, sem lógica. Mas lá aparecem umas quantas que vale a pena imprimir e guardar.

 

Depois, claro, esquecemo-nos de as imprimir e temo-las apenas no telemóvel ou no computador — mas elas lá estão. Sim, sem qualidade de artista, mas a fazer-nos recordar essas festas. O Google, aliás, no programa Photos, lembra-se de vez em quando de nos mostrar as recordações das festas dos anos anteriores. E ficamos logo babados.

 

Digamos que as festas de aniversário, esse dia em que cada criança é o rei do mundo, são também uma espécie de marco da estrada, onde vemos como os nossos filhos mudam de ano para ano. No dia-a-dia, crescem tão devagar que nem notamos. Mas de ano a ano percebemos como tudo muda em tão pouco tempo. Eles e nós.

 

As festas são todas iguais?

Para alguns dos que já tiveram filhos há muito ou nunca os tiveram, estas festas são todas iguais. E, sim, parecem iguais: são crianças. Aos gritos. A brincar.

 

Esta aparente banalidade engana bem: acontece o mesmo com os casamentos, com os baptizados, com os funerais, com os casais aos beijos no parque, com as casas por que passamos na cidade. Acontece isto com tudo, aliás: a vida dos outros parece-nos sempre igual a todas as outras e muito banal. Pensem no casamento: haverá festa mais igual, mais banal, mais formatada? E, agora, pensem no casamento do vosso melhor amigo: terá mesmo sido assim tão banal? As festas dos nossos nunca são banais, não é verdade?

 

Todos nós somos banais para quem nos vê de certa maneira — tal como, para dizer a verdade, quase ninguém é verdadeiramente banal a todo o momento. E, assim, digo-vos: cada uma destas festas repetidas em doses industriais são tudo menos banais para a criança que faz anos nesse dia. Esta é a festa dele, desta pessoa irrepetível, que ainda há pouco era um bebé a chorar como todos os outros e agora já tem as suas impaciências, os seus desejos, o seu olhar único, a sua maneira de rir, de adormecer, de nos pedir alguma coisa. É já uma pessoa inteira, com defeitos e qualidades e um olhar bem vivo a aprender como é isto de viver cada dia, de perceber o mundo — e de estar com os amigos, que é coisa para nos deixar felizes durante um bom bocado.

publicado às 17:44

 

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Hoje estive na festa de anos dum filho duma amiga e havia crianças por todo o lado. Dos recém-nascidos aos maiorzinhos, lá estava a colecção de pequenos seres humanos a brincar, a zangar-se, a rir, a resmungar, a comer, a nadar… E é giro — tal como também é giro conversar com os pais e ver que os problemas são mais ou menos os mesmos, apesar de todas as divertidas diferenças.

 

Ora, na festa, enquanto estava sentado no meio da criançada, pus-me a pensar nas frases irritantes que todos os pais ouvem, mais cedo ou mais tarde. Nem sempre confessamos, porque temos mais que fazer do que andar a aborrecer os que nos tentam ajudar. Não dizemos, mas mordemos os lábios — e às vezes até mordemos a língua, porque percebemos que nós próprios já dissemos algumas destas frases a outros pais, antes de sabermos o que era doce.

 

Pois, aqui ficam algumas frases que irritam muitos pais (digo eu) — e ainda o que gostaríamos de responder mas não podemos.

 

1. «Ah, no meu tempo era mais difícil!»

Eh, pá! Se calhar tens razão e tiveste uma vida mais difícil do que a minha, mas comparar épocas assim sem mais nem menos não será precipitado? Se ainda por cima as coisas mudam de família para família, de terra para terra, de filho para filho… Pedia-te assim para parares com isso — principalmente se atirares a frase como crítica velada aos desabafos de circunstância: «Isto agora não custa nada e estás a exagerar!»

 

A verdade, meu caro, é que a vida dos outros é sempre mais fácil do que a nossa — porque a nossa temo-la de viver nós próprios e a dos outros é lá com eles. Não sei se me estou a explicar… Cada pai e cada mãe tem tudo para aprender e é sempre difícil. Se não for da cabeça é das pernas, mas dói sempre. Curiosamente, todos costumam que é muito bom — e isso não muda com o tempo. É o que vale.

 

2. «Ah, no meu tempo não havia cá esses cuidados todos…» 

Para lá da ironia de ver esta frase a sair da boca de quem também diz a frase anterior, a verdade é que no teu tempo (importas-te que te trate por tu?) nem todos os riscos estavam identificados e, sim, as crianças viviam de forma mais descuidada, mas também havia mais mortalidade infantil. E não estou a falar de pequenas diferenças estatísticas. Havia mesmo muito mais mortes de crianças, por vários motivos.

 

Por isso, sim, é importante não cair em exageros e aceitar que o risco faz mesmo parte da vida, mas certas protecções, certas ideias que muitos acham desnecessárias salvam vidas todos os dias. Basta pensar nas cadeirinhas dos carros ou nas protecções das escadas… O problema é que o efeito (muito) positivo dessas regras só se vêem quando olhamos para os números — é difícil saber quais as vidas que foram salvas.

 

Admito que no tal mítico «antigamente» as crianças brincavam e eram felizes, sim! Ora, hoje também brincam e muitas também são felizes — e no entretanto há menos mortalidade infantil.

 

Agora, aquilo que não muda é isto: a geração do meu filho, quando for velhinha, há-de virar-se para os netos e dizer «no meu tempo é que era bom!»

 

3. «Então e o segundo filho?»

O segundo vem depois do primeiro. Menos quando são gémeos: aí é tudo ao mesmo tempo e imagino que seja o caos. Há ainda quem só tenha um filho. Outros têm três — ou mais. O mundo é assim.

 

Agora, aquilo de que tenho a certeza praticamente absoluta — e olha que tenho muito poucas certezas — é isto: nunca até hoje um casal teve um segundo filho porque alguém lhes sugeriu isso mesmo numa conversa qualquer. Imagina como seria:

 

— Ah, então o Joaquim hoje perguntou-me se não estamos a pensar no segundo filho…

— Pois foi, a mim também me veio com essa conversa!

— Bem, sendo assim, se calhar mais vale fazer a vontade ao homem! Não quero que ele se aborreça.

— Vamos a isto, então?

— Vamos, pois!

 

E pronto. Lá vem o segundo filho por culpa do Sr. Joaquim. (Talvez fosse boa ideia o homem ajudar nas despesas.)

 

4. «Ah, eu lá em casa nunca lhe dou o telefone para as mãos…»

Sim, eu sei. Lá em tua casa é tudo às direitas e o teu filho vai sair um primor. O meu, enfim, é o que se arranja. (Bem, pelo menos vai saber mexer em telemóveis.)

 

Agora a sério: há pessoas que vêem os filhos dos outros com um telefone nas mãos e acham logo que estão sempre com um telefone nas mãos. Bolas, o meu filho joga no telemóvel, mas é só às vezes. A maior parte do tempo corre e pula e gosta de fingir que é pirata e conversa e grita e às vezes tem uma energia que nos cansa a nós. E, sim, não me importo de lhe emprestar o telemóvel, até porque às vezes é bom vê-lo sossegar. Serei criminoso?

 

Também confesso o crime de achar isto engraçado: ele já sabe mexer no YouTube, escolhe os vídeos, diverte-se e pede-me para ver com ele os vídeos preferidos. Também já percebeu que pode instalar uns quantos jogos gratuitos.

 

Já sei, não devia. A vida é para ser toda passada a tocar guitarra ao ar livre num belo kumbaya! Mas, bolas, deixa lá o puto ver um vídeo.

 

5. «Porque é que não fazes [assim] ou [assado]?»

Aqui, tenho de confessar: quase todos os culpados desta frase irritante dizem-na com a melhor das intenções. O problema é nosso, dos pais recentes. Quem teve um filho há pouco tempo está sempre extraordinariamente impaciente — impaciente com o mundo, porque o mundo lá fora importa um pouco menos. Durante esses meses iniciais, estamos concentrados no mundo mais pequeno que existe em nossa casa. O resto não importa.

 

As pessoas tentam ajudar e nós, pais ingratos, nem ouvimos nem queremos saber. E assim, como na história do Pedro e do Lobo, uma vez por outra, lá aparece uma ideia verdadeiramente útil e nós, afogados em tantos conselhos vindos de tantos lados e tão contraditórios, nem damos conta…

 

Por tudo isto, peço-te paciência para com os pais recentes: a paciência deles está toda concentrada no bebé. Mas não deixes de os ajudar, porque por mais voltas que o mundo dê, é mesmo preciso uma aldeia para que uma criança cresça bem e feliz. E a aldeia dos nossos filhos, aqui no meio das nossas cidades, são os amigos e a família — por mais frases irritantes que digam…

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Ora, para uma pessoa que anda sempre a falar de segredos, podia fazer aqui alguma revelação escabrosa, revelar alguma cena doméstica ou vício tremendo que deixasse os leitores em polvorosa e me desse aí uns bons quinze segundos de fama no Facebook.

 

Pois, mas não vai acontecer nada disso. Vou apenas contar-te um banal segredo do dia em que nasceste. Nada de estrondoso, mas hoje deu-me para isto. Porquê? Talvez porque acabou de nascer o João, o filho duma amiga nossa, e nestas alturas vem-me sempre à memória esse dia.

 

Pois bem: o segredo é este: o teu pai é um piegas. Peço desde já desculpa aos antipieguistas deste país. Mas é verdade: quando nasceste, chorei. Depois das lágrimas do parto, que são normais, andei o resto do dia a disfarçar, a morder o lábio, a olhar para o lado, a tentar limpar as lágrimas bem depressa. Por isso, soube bem, mais à noite, sair para o pátio do hospital, olhar para as estrelas, com o telemóvel a ferver de mensagens e chamadas, e calado deixar então sair a tal lágrima mal contida. Soube bem e não sei o que te hei-de dizer mais.

 

Mas o problema é que a coisa não acabou por aí. Meu Deus, que bebé chorão fui eu nesses dias, muito mais do que a tua valente mãe e muito mais do que tu, que até eras muito sossegado. (Repara bem, já agora, no pretérito imperfeito; o sossego, três anos depois, foi-se todo, ó reguila!)

 

Quando voltámos para casa, bastava apanhar na televisão uma série manhosa qualquer, banalíssima que fosse, para me virem as lágrimas aos olhos. Bastava passar por um bebé na rua. Chorava, ria — enfim, um piegas. A coisa só amainou uns três meses depois… Não contes a ninguém, por favor.

 

Já quando estava contigo, não chorava: punha o meu ar compenetrado, porque há banhos a dar, fraldas a pôr e tudo o resto de que já nem me lembro bem. Sem chorar e muito feliz, punha-me a olhar para ti, a ver-te adormecer, ao pé da tua mãe — percebi, então, que tudo tinha mudado. Mesmo antes de nasceres, já sabia que ia sentir isso mesmo, claro. Mas a realidade tem outro sabor. E outro peso.

 

Curiosamente, nessas primeiras semanas, ganhamos uma certa segurança. Aliás, já por aí ouvi dizer que há inseguranças que desaparecem quando nasce o primeiro filho e parece-me a mim, que percebo pouco disso, que é bem verdade.

 

Tudo isto são palavras banais, não é? Eu sei, eu sei. Quando tentamos falar de coisas muito nossas e muito importantes — o amor, o sexo, a morte, a vida, os filhos — tudo nos soa a banal; as palavras deixam-se ir no que já todos disseram, porque todos passamos por isto. Sim, é verdade, todos passamos por estes episódios, mas é sempre como se fosse a primeira vez, é sempre diferente, de alguma maneira — e esta sensação de algo que é natural, que é antigo, que é de todos e, no entanto, é novidade e é só nosso… Esta sensação de estarmos a passar por algo que vem do princípio do mundo, mas que nunca tinha acontecido antes… Vou parar com estas tentativas. Não faço ideia como se diz o que quero dizer sem cair nestas tontices. Que venha alguém com mais talento acabar o trabalho, porque pelos vistos não consigo. Mais vale calar-me.

 

Bem, calo-me já de seguida, mas deixa-me contar-te só mais uma coisa. Mais um segredo, se quiseres. Aquilo de que não estava mesmo nada à espera quando tu nasceste foi o medo que comecei a sentir. Agora, repara: não é bemmedo. Já disse lá em cima que me senti mais seguro nessas primeiras semanas. Mas tinha medo.

 

Como é que eu hei-de explicar?

 

Dizem que a saudade é uma espécie de tristeza boa. Pois, falta-me aqui a palavra para «medo bom», ou seja, um medo que existe porque és demasiado importante. Talvez a palavra que estou à procura seja «amor», mas, lá está, isso seria imperdoavelmente banal. Isto de que estou a falar é tudo menos banal. Uso, em vez disso, uma maneira de dizer bem portuguesa: quando tu nasceste, a tua mãe e eu ficámos com o coração nas mãos. Desde então, para cá, tens brincado, divertido, com esses dois corações que temos na mão — e nós contigo.

 

Enfim, lembrei-me de tudo isto porque nasceu um dos teus primos emprestados. Os pais dele já sabem, agora, o que é ter o coração nas mãos. Os dias são agora mais perigosos e nunca mais dormimos da mesma maneira. Mas, depois de nos habituarmos, ter o coração nas mãos sabe bem. Faz parte do estranho amor que nos deixa piegas — e tão felizes.

A ferida da lua

27.05.16

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Um pai é um pai e um pai (ou uma mãe, claro) fica babado com as coisas mais simples. Perdoem-me, portanto, este relato duma cena familiar.

 

Faço a viagem entre Peniche e Lisboa muitas vezes. A paisagem que vemos na auto-estrada é ondulante e pontuada de moinhos (e, agora, ventoinhas).

 

Estamos no reino do verde claro, entre colinas e terras simpáticas. Estamos a falar da antiga Estremadura, uma região serena entre o verde escuro e montanhoso do Norte e as planuras imensas do Sul — e tudo com muito mar, ao fundo.

 

Bem, mas este fim-de-semana a Zélia, o Simão e eu fizemos a viagem de noite, para voltar para Lisboa.

 

À noite, todas as paisagens são pardas e, se quisermos, assustadoras, principalmente numa auto-estrada, onde a velocidade não deixa perceber bem o que são as luzes que vemos a passar a alta velocidade. Mesmo a paisagem simpática do Oeste não é mais do que sombras e, no céu, aparecem uns estranhos pontos encarnados a piscar.

 

O meu filho não se importa. Já conhece. Viemos a cantar as músicas que ele nos ia pedindo (um dia conto-vos). Pois, de repente, aparece-nos a lua por trás duma montanha, enorme e laranja, para espanto imediato do Simão, que começa a apontar: «Olha a lua!»

 

Espanto dele e nosso, que há coisas que nunca cansam.

 

Passavam nuvens à frente do disco laranja da lua.

 

O meu filho pergunta-me: «A lua está viva?»

 

Digo-lhe que sim, sem saber bem porquê.

 

E ele faz-me esta outra pergunta, preocupado: «A lua está ferida?»

 

Olhei com mais atenção: havia, na lua, uma mancha negra muito definida que parecia mesmo uma ferida.

 

Disse-lhe que não, que a ferida era uma nuvem.

 

Ele ficou mais descansado, e passou os minutos seguintes a olhar para a lua, calado, lá nas suas coisas.

 

E nós calados, também, por causa da lua — e do Simão.

 

*

 

Depois de partilhar o texto acima, a minha mãe (que tinha ficado a tomar conta dele, com o meu pai, no domingo) contou no Facebook que, no dia anterior, o Simão lhe perguntara se a lua tinha morrido. Porquê? Porque não a via no céu… A minha mãe disse-lhe que não, que ainda iria aparecer. Deve ter vindo daí a pergunta que me intrigou: «A lua está viva?»

*

Depois de ler o artigo acima, o meu irmão contou-me que a Lilah, a minha sobrinha, quando veio cá a Portugal há dias também o surpreendeu com a lua. Estavam a andar de carro, quando ela diz: «Moon, Venus, many stars…» Depois, faz muitos gestos e ri-se: «so beautiful, pretty moon!». O que surpreendeu o meu irmão foi o simples facto de eles nunca lhe terem dito nada parecido. É um choque bom quando os nossos filhos começam a dizer coisas só deles… Disse-me ele ainda que, quando viajam, ela parece dar um salto no que diz e no que pensa. Também me parece ver isso no Simão. Nessas idades percebemos bem o valor que tem viajar: dá-nos mais ideias, dá-nos mais mundo, dá-nos mais palavras. Como os livros, aliás (e não só…).

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publicado às 10:13

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Faz-me muita confusão a imensa gente que por aí anda a dizer que os pais de hoje em dia tratam demasiado bem os filhos.

 

Parece que os ditos filhos ficam mimados. Antigamente é que era bom: os pais mal ligavam aos filhos e eles cresciam fortes e saudáveis. Ah, belos tempos...

 

Depois, vamos a ver, e antigamente os filhos eram mais fortes e saudáveis... mas só os que sobravam! Porque os outros morriam... 

 

A mortalidade infantil era uma coisa aterradora de tão frequente que era.

 

Culpa dos pais? Claro que não.

 

Culpa de muita coisa, incluindo do facto de haver tanta família sem condições para ter um só filho e que acabavam por ter nove ou dez.

 

Hoje, temos poucos filhos e todos põem as mãos na cabeça! 

 

É egoísmo? Não, meus amigos: queremos é tratar os filhos o melhor possível. Sabemos que a vida custa (apesar de até custar menos do que nesses belos tempos). 

 

(Não encarem isto como uma crítica à geração dos meus avós: é um elogio, porque, apesar de todas as dificuldades, conseguiram educar a geração dos meus pais.)

 

Para essa gente que nos acusa de tudo e mais alguma coisa, parece que o ideal será ter o maior número de filhos possível e tratá-los mal, porque só assim se faz uma nação rija e forte. Será isso?

 

Tretas, é o que é. Tratar bem é sempre melhor. E, sim, tratar bem implica dizer «não» e tudo o mais, mas isso faz parte.

 

Os pais de hoje em dia não nasceram com defeito, deixando de saber como se educa os filhos. Mas também não nascemos ensinados. Talvez seja verdade que, às vezes, tenhamos alguma tendência para protegê-los em demasia. Sabemos que não há pais perfeitos. E tudo o mais. Mas talvez fosse bom preocupar-nos em encontrar e resolver os problemas de maus tratos e deixar em paz os pais que exageram nos bons tratos. Que todos os problemas fossem esses...

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Quando vamos pôr o meu filho à creche, costumamos ir a ouvir O Homem que Mordeu o Cão. Ora, rimo-nos muito, a minha mulher e eu. Pois hoje de manhã pus o podcast do Homem que Mordeu o Cão no telefone e o meu filho desatou-se a rir só ao ouvir a música...

 

publicado às 00:31

Estava a passear, distraído, numa livraria, com o meu filho no carrinho. Dei-lhe um livro para o distrair. Quando dei por ele, estava a comer uma página.

Não sou regular, mas uma vez por outra lá compro a Ler. Desta feita, foi por causa de Mário de Carvalho, de quem gosto mesmo muito. Comprei-a na Fnac, no sábado passado, enquanto os meus pais (que nos tinham vindo visitar), andavam a tentar ver se o meu filho dava os primeiros passos no chão pouco perigoso da livraria (ainda se pode chamar a Fnac de livraria?). Bendita alcatifa!

 

O meu filho lá começa a dar as primeiras passadas, mas gosta mais de cantar e de folhear livros, o que até me parece adequado tendo os pais que tem (o cantar é todo dela, que eu quando abro a boca para a música, só sai tragédia).

 

(Já agora, lembram-se do post sobre como descobri um dos melhores autores portugueses num livro de Português do 8.º ano?)

 


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