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As notícias sobre a recomendação de Guterres como novo secretário-geral das Nações Unidas foram muitas e em várias línguas. Encontrei um curioso texto no El País («Otro triunfo de la diplomacia portuguesa») em que a competência dos diplomatas portugueses é elogiada de tal maneira que, na pena dum português, seria um texto constrangedor.
Um dos parágrafos pareceu-me muito curioso (o negrito é meu):
Pero hay otra cualidad, no menor, que permite a este pequeño país distinguirse en el mundo: su educación lingüística. No hay dirigente portugués que no hable inglés y español, por lo menos. El citado Barroso, como Guterres o como los actuales dirigente del país, el presidente Rebelo de Sousa y el primer ministro Costa, se mueven con total comodidad en los escenarios internacionales gracias a su don de lenguas. No necesitan intérpretes para hablar con Merkel, Hollande o Teresa May. En seis meses, Rebelo de Sousa ha departido cara a cara con más dirigentes internacionales que Rajoy y Zapatero juntos en sus años de Gobierno. Esa cercanía, esa afabilidad con todos, sin prepotencias y sin menosprecios, al final acaba dando sus frutos.
Parece-me haver aqui uma generalização que, lá por nos ser muito simpática, não devemos encarar sem algum cepticismo. Mas vamos assumir que sim, que os portugueses têm um à-vontade com as línguas em grau muito superior aos espanhóis. Tenho uma ideia, não mais do que uma teoria malpensada, que me leva a sugerir isto: os espanhóis exageram na importância diplomática que dão à sua língua. Sim, o espanhol é falado em muitos países, é uma língua muito importante nos E.U.A., é a segunda (ou talvez a primeira) língua europeia mais falada no mundo. Tudo isso é verdade, mas não se traduz em importância diplomática. E para mudar isso há que saber falar outras línguas…
Nós por cá também gostamos de ir atrás de declarações sobranceiras sobre a importância da língua, como sabemos. Mas também é verdade que a nenhum líder português lhe passa pela cabeça exigir aos outros líderes mundiais que saibam português. Ficamos contentes se souberem alguma coisa, mas não achamos que é sua obrigação. Ora, talvez se dê o caso de muitos líderes espanhóis, embebedados pelo discurso superlativo com que falam sempre da sua língua, estejam mesmo convencidos que os outros líderes mundiais têm de saber espanhol.
Bem, e será que deviam saber? Como sempre digo, isto de aprender línguas, ainda por cima uma língua como o espanhol, só faz é bem. Mas a realidade, para já, é esta: o inglês e o francês são as línguas da diplomacia. A força do número de falantes de cada língua conta muito menos do que se pensa. Assim, o político ou diplomata espanhol que não saiba falar bem outras línguas nos corredores da política internacional acaba por ter mais dificuldades em defender o seu país. É caso para dizer: será que defende mais o seu país quem inventa um mundo inexistente em que a sua língua é muito mais importante do que é na realidade — ou aquele que sabe mover-se no mundo de hoje, talvez semeando alguma coisa do mundo que gostava de ter?
Enfim, é uma reflexão perigosa, porque começa numa generalização, passa por uma teoria muito minha e talvez acabe muito longe da realidade. Mas se houver algum fundo de verdade nisto tudo que acabei de escrever, também pode explicar a confusão que muitos espanhóis sentem perante a defesa por parte de alguns dos seus concidadãos das línguas minoritárias de Espanha. Então mas por que razão não querem falar uma das línguas mais importantes do mundo? A verdade é que querem sim senhor: falam espanhol e também a sua língua. E por vezes ainda o inglês, o francês, etc. Surpresa, surpresa: saber uma só língua não é uma vantagem em sítio nenhum do mundo. Um galego que saiba espanhol e galego já vai um passo à frente…
Bem, dito tudo isto, tenho de afirmar o óbvio: o espanhol é uma língua importantíssima e, para vos dizer a verdade, uma das minhas paixões neste mundo das línguas e das culturas. E também admito: se acima me queixo da forma como muitos espanhóis imaginam uma importância diplomática que a sua língua não tem, também me custa ver como tantos fora de Espanha desvalorizam essa mesmo língua. Basta pensar nos E.U.A., onde a segunda língua do país é vista por muitos como uma língua estrangeira, alimentando discursos xenófobos sob a capa do patriotismo americano. E basta pensar na recusa de muitos portugueses em saber mais sobre a língua e a literatura dos vizinhos, para lá do portunhol de praia. Temos tanta e tão boa literatura aqui ao lado e não queremos saber…
Mas este texto vai neste sentido: a convicção legítima da importância da sua língua não deve servir para encerrar os falantes de espanhol num triste mundo monolingue. Na diplomacia, por exemplo, isso dá mau resultado, como reconhece o El País. E não é só na diplomacia: na vida do dia-a-dia, na literatura, na cultura, no comércio…
E fica aqui uma pista para outro dia: os ingleses e os americanos são outros dos povos que sofrem deste triste monolinguismo, uma espécie de preço a pagar pela importância internacional da sua língua…
Este problema nós por cá não temos — isto, claro, segundo o El País. Agora também não quer dizer que não tenhamos muito a aprender no que toca às línguas. Oh, se temos!
Descubra no irmão gémeo deste blog: Entre Línguas.
Os falantes de determinada língua estabelecem uma relação tão forte entre os sons e os símbolos que são usados para os representar na escrita que se torna, por vezes, difícil perceber como podia ser doutra maneira.
Por exemplo, há portugueses que julgam ver no som "nh" uma qualquer característica que obriga a que o som seja representado por duas letras (um dígrafo). Ora, mesmo aqui ao lado, temos os espanhóis a escrever "ñ" e a considerar este "eñe" como uma letra autónoma.
Já os catalães usam "ny" para o mesmo som. Os galegos usam "ñ" na ortografia oficial, havendo uma ortografia diferente, apoiada por alguns movimentos e universidades, que usa o português "nh".
Quanto ao mirandês, quem tratou de estabelecer uma ortografia única optou por "nh", à portuguesa.
O som "nh" tem tantas variantes porque não existia em latim. As línguas latinas acabaram por ter de se desenvencilhar sozinhas para inventar uma forma de o escrever.
Não só neste caso, mas em tudo o que toca à ortografia, estamos a falar de escolhas: por vezes, são escolhas que se vão acumulando ao longo de séculos, muitas vezes feitas pelos tipógrafos que pela primeira vez tiveram de passar a escrito manuscritos de autores que usavam opções diferentes conforme a página, outras vezes são opções conscientes e feitas de forma sistemática por uma pessoa ou por um grupo de pessoas encarregues de estabelecer um ortografia para uma língua. Casos há ainda que estas escolhas se tornam letra de lei, como acontece com o português, que é regulado por leis e tratados internacionais (um dos quais tem criado a polémica que todos conhecemos).
No entanto, mesmo quando inscrita na lei, a ortografia é sempre uma convenção. Teoricamente, uma língua (que é um fenómeno, à partida, oral) poderia adaptar-se a qualquer sistema de escrita. É possível escrever português em cirílico, por exemplo: bastaria estabelecer um conjunto de regras que fizessem a correspondência entre sons e letras (estas regras podem ser mais ou menos complexas; línguas há em que a relação é quase unívoca, como o espanhol, enquanto outras têm uma relação que, à primeira vista, é anárquica, como o inglês).
Seja como for, a ortografia e em especial os símbolos que distinguem cada língua acabam por ganhar tal força na mente e no coração dos falantes que, só por si, representam e simbolizam toda uma cultura.
O "ñ" é um símbolo do espanhol e da cultura espanhola, os catalães sentem o "ç" como algo que os distingue dos restantes espanhóis (o Barça é Barça e não Barza, se repararem bem) e nós, portugueses, andamos às voltas com a perda ou salvamento de algumas consoantes.
Estes símbolos especiais permitem ainda distinguir línguas, mesmo quando não conseguimos lê-las. O português, por exemplo, é inconfundível com o seus conjuntos de cedilha e til:
Já o catalão, para além da cedilha e do "ny", tem este símbolo estranho entre os dois "ll":
http://ca.wikipedia.org/wiki/L%C2%B7L
Já me aconteceu usar o termo "espanhol" e ter alguém a corrigir-me, como se tivesse dito um grande disparate: afinal, devia saber que se diz "castelhano". Também já ouvi um espanhol a declarar alto e bom som que a sua língua é a espanhola e nunca diria que fala "castelhano", espanhol esse que parecia bastante indignado com o uso da palavra "castelhano".
A questão é simples, mas, como em tudo, há quem goste de complicar. A língua oficial em Espanha (e em vários outros países) tem dois nomes: "espanhol" e "castelhano". Ambos se referem à mesma língua e são sinónimos. Ponto final.
Enfim, os pontos finais raramente são completamente finais... Afinal, os termos "espanhol" e "castelhano" são usados em situações diferentes, embora nunca percam a sua relação de sinonímia. Assim, Espanha usa preferencialmente o termo "espanhol" nas suas relações com o exterior (por exemplo, através da acção do Instituto Cervantes). No território espanhol, o termo "castelhano" é usado, muitas vezes, como forma de contrapor o espanhol às outras línguas de Espanha. A própria Constituição Espanhola chama "castelhano" à língua que declara oficial em toda a Espanha (co-oficial com outras línguas nalgumas regiões).
Nos outros países "hispanohablantes", as várias constituições escolhem, de forma aparentemente aleatória, uma ou outra denominação da língua. O uso real do nome pela população varia de país para país:
Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%A9mi
Como podemos ver no mapa acima, nas regiões espanholas onde também existe outra língua oficial, usa-se preferencialmente o termo "castelhano" — isto se exceptuarmos os independentistas, que dirão "espanhol" com prazer, pois é a língua duma Espanha com a qual não se identificam. Todos os outros preferem "castelhano" porque sabem que é apenas uma das várias línguas espanholas.
Já conheci catalães que nunca diriam "espanhol" para se referirem à língua de Espanha — mas também conheci uma mexicana que nem conhecia o termo "castelhano" para se referir à língua que falava. Também nos E.U.A., onde o espanhol é a segunda língua, com uma tradição de séculos, praticamente ninguém usa o termo "castelhano".
Já a Real Academia Espanhola, assumindo que ambos os termos são correctos e sinónimos, recomenda o uso do termo "espanhol".
Para resumir: em Portugal, podemos usar ambos os termos. Se querem um conselho, prefiram "espanhol", que sempre é mais comum e mais claro... Mas nem por sombras se lembrem de corrigir alguém porque prefere "castelhano" a "espanhol".
Ora, tenho aqui uns quantos posts em gestação, sobre Mário de Carvalho, sobre uma viagem a Andorra, sobre a minha paixão absurda pela Catalunha, sobre um livro que me ofereceram em Barcelona, sobre mais livros da minha vida e ainda sobre outras coisas, mas enquanto não sai nada, continuo a sessão de strip tease literário, com uma segunda foto muito íntima, de mais um pedaço das minhas estantes.
Como vêem, a coisa é um pouco caótica. Não é que não tenha tentado organizar tudo por autores, ou línguas, ou temas — mas pouco tempo depois, já há muita coisa fora do sítio, livros que vão em fuga para outros lugares, novos livros que chegam e vão para as estantes vazias, mudanças de casa em que a organização se mantém nalgumas zonas, mas perde-se noutras — enfim, as estantes são uma espécie de sedimentos geológicos de tentativas de organização passadas, e lá vou vendo também, nessa forma orgânica de desorganizar as minhas estantes, o meu percurso de leituras e quase leituras e livros por ler.
Nesta segunda foto, o que temos? Temos muita Espanha, pelos vistos... Ali o Cervantes (comprado num El Corte Inglés há muitos muitos anos, em Badajoz, se não estou em erro, para não acharem que é tudo caramelos do outro lado da fronteira), com Vásquez Montalbán a encimar a coisa, com a grande escritora catalã Mercé Rodoreda ali no meio, com o seu espelho partido, ou seja, em catalão, Mirall Trencat.
A minha biblioteca rebela-se um pouco e põe ali um Camões de Oliveira Martins só para nacionalizar um pouco a coisa, para além de colocar, na base de tudo, um livro de gestão urbana aqui da urbe.
Os outros livros que por aqui estão, hei-de chegar a eles.
Vamos em frente, que há muito para escrever por este blog.
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