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Ah, pois é...

Uma discussão foi tanto mais proveitosa quanto mais os participantes puderam aprender com ela. Significa isto que, quanto mais interessantes e difíceis tenham sido as questões levantadas, tanto mais eles foram induzidos a pensar em respostas novas, tanto mais terão sido abalados nas suas opiniões, pois foram levados a ver essas questões de forma diferente após a discussão – em resumo, os seus horizontes intelectuais alargaram-se. […]

 

Não devemos esperar que qualquer discussão crítica sobre um assunto sério, qualquer «confronto», alcance logo resultados decisivos. A verdade é difícil de alcançar. […]

 

As discussões sérias e críticas são sempre difíceis. […] Muitos participantes numa discussão racional, ou seja, crítica, consideram particularmente difícil ter de desaprender aquilo que os seus instintos lhe impõem (e aquilo que lhes é ensinado por todas as sociedades que debatem): ou seja, vencer. Pois o que têm de aprender é que uma vitória num debate não significa nada, ao passo que a mínima clarificação de um problema que se tenha – mesmo a mais pequena contribuição para uma compreensão mais clara da sua própria posição ou da de um opositor – constitui um grande sucesso. Uma discussão que se vence, mas que não ajuda na alteração ou na clarificação da vossa mente, nem que seja só um pouco, deverá ser considerada uma perda completa. […]

 

A discussão racional […] é modesta nas expectativas: é suficiente, mais do que suficiente, se sentirmos que conseguimos ver as coisas sob uma nova luz ou que até nos aproximámos um pouco mais da verdade.

 

K. Popper, O Mito do Contexto – Em Defesa da Ciência e da Racionalidade

Reparem neste início de post d'O Arrumadinho: 

 

"Só para acabar com este tema das praxes, queria acrescentar algumas coisas, em resposta a comentários aqui deixados. Como sempre, o que digo é apenas a minha opinião, [1] que não penso ser mais válida do que qualquer outra - é apenas a minha maneira de ver as coisas. [2] Respeito quem pensa de forma diferente, mesmo que discorde totalmente do que essas pessoas defendem."

 

Este discurso é típico — e necessário, porque uma das coisas que mais me irrita por essa internet é a forma violenta como todos andam a discutir, sem nunca saírem do casulo das suas próprias opiniões. Discutimos como se os outros fossem uns crápulas só porque não pensam como nós. Vamos lá ter calma...

 

Mas, vamos lá ver isto de forma um pouco mais fria.

 

Em relação à expressão [2], nada a dizer. Temos mesmo de respeitar os outros e o direito de expressarem as suas opiniões. Temos ainda de fazer o esforço de ouvir e considerar seriamente o que dizem, sem recusar à partida uma opinião que desconhecemos.

 

Em relação à expressão [1], aí já não concordo. Se temos determinada opinião, essa opinião não pode ser apenas expressão da nossa individualidade, como se fosse uma jóia ou uma roupa nova. Temos essa opinião porque achamos mesmo que é mais válida do que as opiniões concorrentes. Ou seja, ou bem que achamos que a praxe tem de ser proibida ou achamos que não — e normalmente temos argumentos racionais para sustentar a nossa opinião e devemos estar abertos a ouvir os argumentos dos outros e — aqui a porca torce o rabo todo — devemos estar disponíveis para mudar de opinião se, racionalmente, chegarmos à conclusão que devemos mudar de opinião — caso contrário, os nossos debates são uma conversa de surdos (bem, presumo que os surdos conversam tão bem ou melhor do que nós, mas, enfim, aqui fica a expressão corrente).

 

Sim, é verdade, isto não tem nada a ver com o que acontece quase sempre. Normalmente, uma pessoa arranja uma opinião e nunca mais a larga, como se aquela opinião fosse parte do seu ser e mudar de opinião fosse algo inconcebível — e normalmente um debate é visto como algo violento, porque os outros estão a tentar mudar a nossa querida opinião, já viram isto? ("Deixem-me lá sossegado com as minhas opiniões, por favor!")

 

Sim, não tem a ver com o que acontece, mas é o que acho que devia acontecer. É a minha opinião, lá está...

 

Não se enganem: respeitar a opinião dos outros não é dizer que essa opinião vale tanto como a nossa. Se calhar até vale mais (o outro pode ter razão). Mas se duas opiniões são incompatíveis, temos duas hipóteses: uma delas está errada ou estão ambas erradas. Mais vale procurarmos qual é o caso, em vez de dizermos que são ambas válidas (o que é válido é o direito de todos a expressarem a opinião, válida ou não — duas opiniões incompatíveis não podem ser ambas válidas).

 

Não se me expliquei bem... E se concordam...


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