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A beleza do Rio

16.08.16

BELEZA-RIO.jpg

 

 

Será benéfico para uma cidade e para um país organizar os Jogos Olímpicos? Não sei. Talvez não.

 

Mas parece-me estranho que, quando falamos destes jogos, tanta gente insista na pobreza do Brasil como se isso fosse impedimento para olhar com algum interesse para os jogos. Muitos partilham fotos das favelas como se tivessem descoberto hoje mesmo que elas existem...

 

Claro que é preciso lembrar aquilo que está mal no Brasil, as tremendas desigualdades e problemas sociais. Mas o curioso é que o Brasil é daqueles países que não se preocupam em esconder seja o que for. Afinal, muito do bom cinema brasileiro é sobre isso. Há canções e literatura e novelas sobre a pobreza. Os brasileiros não escondem nada, mostram tudo — e ainda fazem arte da boa sobre o assunto.

 

Ora, o que me intriga é a razão por que esta insistência aparece agora, quando não apareceu em Londres, em Pequim e em todas as outras cidades olímpicas, nenhuma delas perfeita ou sem as suas desigualdades.

 

Por que razão é o Brasil especial nisto? Por que razão tantos detestam ver alegria e beleza no Brasil como se fosse o único país com contradições e problemas? Serão especialmente gritantes nesse país? Bem, não me parece que sejam mais graves que as existentes, por exemplo, em Pequim. Mas, lá está: há países mais empenhados em esconder o que não interessa...

 

O que se passa (digo eu) é que muitos de nós estamos habituados a ver os outros países com uma ou duas palavras na cabeça. Espanha? Touros. França? Torre Eiffel. Londres? Rainha. Brasil? Favelas. Ora, isto é uma visão um pouco redutora do mundo.

 

Aproveitem para ver as cerimónias sem os simplismos do costume. Afinal, a cerimónia de abertura até foi bastante inteligente: referiu a escravatura (que outro país teve coragem para isso?), mostrou o cimento das cidades, ensinou o mundo que a história da aviação tem muito que se lhe diga, etc., etc.

 

Mas não se esqueceu do fundamental: a beleza do mundo, que o Brasil tem de sobra. Desde a dança, o parkour, a Gisele, o próprio Rio visto de cima, Elza Soares e luz, muita luz, a terminar na estranha chama feita de espelhos.

 

(O Carnaval? Também lá estava, claro. Mas como prova da maneira como vemos os outros de forma muito simplificada, ouvi alguns amigos a queixarem-se de aquilo ser «só Carnaval», quando as escolas de Samba terão estado dentro do estádio uns bons 15 minutos em 4 horas de cerimónia...)

 

Foi uma cerimónia bonita. Não chegou aos calcanhares de Londres e de Pequim? Talvez não. Mas não faz mal. O realizador da cerimónia sabe que há coisas mais importantes do que isto.

 

Sim, o mundo é um caldo de contradições: os jogos são um excesso, um custo talvez desnecessário numa cidade que o mundo já conhece. Mas estão aí e podemos tirar deles a beleza que existe e que também passa pelas ruas do Rio.

Uma empresa que queira chegar aos clientes na língua certa não deve limitar-se a ir à Wikipédia ver qual a língua oficial do país em questão. Não só pode acabar por ferir susceptibilidades regionais (assim de repente, lançar uma campanha de marketing em ucraniano na Crimeia pode não ser a melhor opção, principalmente por estes dias), como podem acertar na língua, mas errar na versão da língua.

 

Assim, uma empresa chinesa que decida entrar no mercado brasileiro e contrate tradutores portugueses vai acabar por ter problemas — as duas normas do português estão mais próximas do que julgamos ao nível da escrita, mas não deixa de ser impossível escrever um texto neutro, ou seja, que possa ser usado dos dois lados do Atlântico sem acabar por ser considerado estranho por um dos lados.

 

Da mesma forma, contratar redactores ou tradutores brasileiros para escrever textos dirigidos aos portugueses é um erro de palmatória. O português é uma só língua — mas quem quer vender produtos num mercado não pode achar que essa língua é igual em todo o lado: nenhuma língua é uniforme, e no caso das línguas internacionais, é costume a própria norma da língua ter variantes marcadas (como é o caso do inglês, do espanhol, do francês...).

 

Isto são conselhos para as empresas. Não desvalorizem a relação emocional não só com a língua, mas também com a forma local de falar a língua: seja no Brasil, em Portugal, em Angola ou até numa parte específica de cada um desses países.

 

 

Para os utilizadores e para os leitores de literatura, o meu conselho é outro: tenham menos medo das outras versões da língua. Leiam mais, de tudo. (Vejam, a esse propósito, o post O português do Brasil aleija os portugueses?)

Já que hoje tivemos uma "invasão brasileira", por vias do destaque na página principal do Sapo, vou falar de dois livros brasileiros.

 

Há uns bons anos fui pela primeira vez ao Brasil — pela primeira e, até hoje, única. Uma das coisas que achei muito curiosas foi estar enfiado num avião durante nove horas e ser recebido com um portuguesíssimo "BEM-VINDO" à chegada. 

 

Foi uma viagem onde, ao contrário de outros destinos, me pude deliciar pelas livrarias, que são muitas e bem fornecidas. 

 

Nessa viagem comprei — e li, para preocupação dos meus pais, que achavam estranho andar de livro debaixo dos olhos no meio duma praia tropical — este livro divertidíssimo, em que Sherlock Holmes vai até aos trópicos e vê os miolos esturricar, perdendo a capacidade de resolver os casos que lhe dão para as mãos.

 

 

Há muito menos tempo, li, também do Jô Soares, As Esganadas. Aí, temos um detective português no Brasil — e as diferenças linguísticas dentro da nossa língua são parte do humor da obra. Fiquem só com este pedaço, em que percebemos que quem é o Esteves, o tal detective:

 

Tenho pena de não ler mais livros brasileiros. O pouco que li da literatura desse monstro além-Atlântico foi maravilhoso. Hei-de vos falar disso.

 

Agora, o que não percebo é o horror de alguns portugueses a ler em português do Brasil — ou sequer a aceder a sites em "brasileiro". 

 

Ainda agora, li uma queixa duma gentil utilizadora facebookiana porque tinha acedido a um site norte-americano, que a tinha redireccionado para uma versão em português — ou melhor, em português do Brasil. 

 

Sim, o site norte-americano devia ter, num mundo ideal, as duas versões: português europeu e português brasileiro. Mas, não tendo, decidiu que devia orientar os portugueses para a versão em português. Ai, o horror!

 

A portuguesa queixosa escreveu uma carta à dita empresa, alegando que:

 

a) É ofensivo para um português ser redireccionado para um site em português do Brasil.

 

b) O português do Brasil e o português de Portugal são muito mais diferentes do que o inglês americano vs. inglês britânico.

 

c) Tendo de escolher, o site devia ser sempre em português europeu, porque é a "raiz" e a "fonte" do outro português.

 

Compreendo a dor, mas deixem-se de lamúrias que, aos olhos dos estrangeiros, só mostram pequenez. Pois:

 

a) Percebo que queiramos uma versão na nossa própria variante e, se a empresa estivesse a agir directamente em Portugal, seria um erro crasso publicar textos em "brasileiro" (até porque os portugueses são, de facto, ultra-sensíveis a esta questão). Mas achar ofensivo (!) que uma empresa norte-americana nos redireccione para um site em português (mas não no exacto português que preferimos) é um pouco exagerado.

 

b) Em termos linguísticos, o português de Portugal e o português do Brasil são duas variantes da mesma língua, com diferenças que não são assim tão incomparáveis às diferenças entre o inglês britânico e o inglês americano. A grande diferença é que há muito mais contacto entre os dois ingleses. Aliás, as duas normas cultas (portuguesa e brasileira) estão muito mais próximas, na escrita, do que poderíamos pensar, como é fácil perceber lendo um livro de ciências sociais em português do Brasil, por exemplo (vejam o exemplo abaixo, dum livro brasileiro sobre, exactamente, as diferenças entre as duas variantes — se ignorarem os tremas, o blurb passaria por texto português de Portugal...). 

 

c) Ora, nisto da raiz e da fonte... Tanto nós como os brasileiros partimos duma base comum, e ambos os lados mudaram a língua — há quem diga que nós até fomos mais longe nas mudanças: por exemplo, no som "chchch" na leitura do "s" final das sílabas, que Camões dizia "ssss". Andarmos a discutir onde está a fonte rapidamente descamba em discussões sobre a pureza e a propriedade da língua, e acabamos todos a ter de dizer que falamos galego.

 

Nós somos portugueses, falamos português — e a nossa língua é muito mais do que a nossa variante europeia. É tudo o que está dentro dessa grande língua, de que devemos estar orgulhosos. Não se ofendam tanto — e leiam mais, em português dum e doutro lado. Só temos a ganhar — e nada a perder.

 

 

 

Meus amigos, não sei se já vos tinha dito, mas não gosto muito do acordo ortográfico. Porquê? Porque foi imposto numa altura em que praticamente toda a população sabe ler e escrever e, por isso, é muito mais "violento" do que a reforma de 1911 (embora imponha muito menos alterações), porque não serve para nada — e porque tem alguns defeitos científicos. Depois, na realidade, defendo que a ortografia não deve ser regulada por lei, à semelhança do que acontece em línguas como o inglês. Deverá ser regulada de forma convencional, como o foi até ao século XIX. Regular a ortografia por lei só serve para nos chatear a cabeça, sem qualquer vantagem.

 

Mas, atenção: o acordo é apenas uma reforma entre muitas que se fizeram no português e nas outras línguas vizinhas. Não é o bicho-papão que muitos querem fazer crer e, acima de tudo, não é uma imposição do Brasil a Portugal (a ortografia brasileira também muda: perde um acento, por exemplo — o trema). Por isso, custa-me que as pessoas que são "do meu campo" (contra o acordo) caiam em exageros, como dizer que o acordo leva a "corte de raciocínio", que "ficámos aleijados", que leva a uma "descida do nosso nível cultural", que vamos ficar "deficientes linguísticos" (tudo incluído no artigo do Público de Maria Alzira Seixo). Tudo isto é um exagero, porque não ficamos mancos de raciocínio (profissionalmente, tenho de escrever de acordo com o AO e não sinto qualquer dificuldade acrescida de raciocínio), não ficamos deficientes linguísticos, não descemos o nosso nível cultural ao escrever de acordo com o Acordo. Simplesmente, mudamos de ortografia sem razão e sem grande sentido, o que não é coisa pouca.

 

Não gosto do Acordo Ortográfico, mas também não acho que tudo valha na corrida retórica para dizer mal do dito.

 

Adenda: Não sei se sabem, mas a ortografia imposta por lei nunca impõe nada em relação a blogs e quejandos. Na nossa vida privada, podemos escrever como quisermos. Até podemos escrever com erros, vejam lá! Ou na orthographia mais antiga...

Este é um livro que já devia ter lido todo:

 

 

Enquanto Lisboa Arde, o Rio de Janeiro Pega Fogo, Hugo Gonçalves

 

E digo-vos que ia todo embalado, mas um dia vou a casa dos meus pais e esqueço-me dele em cima da mesa da sala. 

 

Depois, outros livros meteram-se pelo caminho e o dito vai ficando para trás.

 

Mas o erro é meu. O livro é uma surpresa absoluta. Deixa-nos aterrados perante a beleza da linguagem, que não está para purismos lusitanistas, mas mistura o português do Brasil e o português de Portugal de maneira a deixar aterrados os puristas da língua portuguesinha e a deixa maravilhados quem gosta mesmo da nossa infame língua.

 

Vejam só este pedaço:

 

E isto não é nada.

Sobre a questão da língua:
Enquanto escritor, é uma graça ter duas versões da mesma língua. Mais ou menos como dormir com duas irmãs ao mesmo tempo: tantas são as possibilidades.
Meu Deus, perdoai-nos, que este livro é um pecado. Dos bons.

publicado às 16:00

Gostam de literatura brasileira?

 

Pelos vistos, há um brasileiro que está a dar o meu email pessoal para se inscrever em várias coisas, talvez porque tenha o nome parecido ou igual ao meu. Vi-me envolvido em negócios petrolíferos e tenho sido convocado para muitas reuniões do Partido Trabalhista.

Em relação aos negócios, já consegui convencê-los que não percebo nada de petróleo. Mas está difícil deixar de ser militante do PT.

Vicissitudes duma língua comum...

publicado às 16:13


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