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A morte e o sexo são aquilo que não conseguimos agarrar com as palavras e aquilo que nos arrelia a mente quase todos os dias. Somos animais, já todos sabemos. Mas somos animais que, de repente, há uns milhões de anos, descobriram qualquer coisa de diferente.

 

O quê? Não consigo explicar muito bem. Talvez seja aquilo a que chamamos, hoje, de "consciência", outros chamaram durante muito tempo "alma", ou talvez até seja algo tão mais simples como a capacidade de falar. Porque se calhar foi nesse momento em que alguém disse alguma coisa também percebemos (nós, a humanidade) que éramos conscientes. 

 

Porque somos conscientes e bastante inteligentes, começámos a sonhar com mais qualquer coisa; começámos a imaginar que não éramos apenas animais, mas outra espécie de seres — seres com consciência (ou alma, se quiserem). Conscientes de existirmos, não aceitámos e recusámos e ignorámos durante milénios que fôssemos apenas animais como os outros. Só muito depois, no final do século XIX, redescobrimos essa verdade primordial: somos animais — mas entretanto o estrago estava feito: já tínhamos inventado uma humanidade para lá da nossa animalidade.

 

Onde entra neste arrazoado a morte e o sexo? O sexo é uma necessidade animal. A morte é uma consequência da nossa animalidade. Não somos deuses, nem essencialmente diferentes dos animais à nossa volta. Mas inventámos palavras, e inventámos também conceitos e ideias para sublimar, ou transformar, ou amaciar o sexo e a morte: o amor, o casamento, a religião, a imortalidade, Deus e tudo o resto.

 

Começámos a querer ser mais do que animais, e com esse querer transformámo-nos, de facto, em algo mais do que animais.

 

Mas estes seres humanos que são mais do que animais também morrem e também fodem. (Desculpem o palavrão, mas os palavrões são uma tentativa nossa de chegar mais perto dos grunhidos dos animais que éramos e somos. As palavras normais dificilmente conseguem. Por isso, as cenas de sexo na literatura são quase sempre ridículas. Por isso caímos nos mais constrangedores lugares-comuns quando alguém morre.)

 

E já pensaram bem no sexo e na morte? (Eu sei que já, a pergunta é retórica.) Já viram alguém morrer? Já sentiram a dor de ter um familiar ou amigo a morrer ao vosso lado? Por outro lado, conseguem reproduzir por palavras o que é o sexo? O estar na cama (ou em qualquer outro lado) com outra pessoa, conhecida ou amada ou desconhecida, nesses gestos animais e íntimos e ridículos para quem vê de fora e outra coisa qualquer para quem está envolvido na coisa? As palavras não chegam e, no entanto, são o que temos se queremos preservar algo mais do que memórias instáveis, que morrem connosco.

 

Por ser algo a que não conseguimos dar a volta com a nossa mente, que não conseguimos domesticar totalmente, temos curiosidade pelo sexo; por isso, temos curiosidade pela morte. São desejos pornográficos e desejos mórbidos, mas estão lá: queremos ver, sentir, perceber aquilo que temos dentro de nós.

 

Por isso, escrevemos livros, inventamos canções, construímos cidades: para sermos mais qualquer coisa, para podermos viver, amar e foder, e no fim morrer, e não ser tudo apenas uma vida animal, sem sentido. Quase sempre continuamos sem perceber exactamente o sentido, ou embrenhamo-nos em sentidos que mais não são do que ilusões, mas tentamos. Pelo menos tentamos, e nisso já estamos em movimento, mesmo que não acertemos na direcção.

 

Já viram como nada disto parece fazer muito sentido? Como estes textos sobre o sexo e a morte acabam em lugares comuns, caminhos batidos? Parece que não há volta a dar. É mesmo assim. O que vale é que, neste par animalesco, há um que apetece — e outro que tentamos afastar, todos os dias, procurando alguns momentos de alívio, que é como quem diz, de felicidade.

 

 

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Death.jpg

Há quem diga por aí que no fundo a ciência é outra ficção. Lembro-me de estar num seminário na faculdade e o professor, que "até é amigo de muitos cientistas" (numa variação curiosa da confissão involuntária de qualquer racista: "eu não sou racista, porque até tenho amigos pretos"), dizer que a ciência (estamos a falar daquela ciência dura, a mecânica quântica, a teoria da relatividade, etc. e tal) é apenas um sistema ficcional, como a literatura, como a religião, porque no fundo não podemos saber nada.

 

Muito bem. Estas pessoas confundem um bocado as coisas. A ciência vai evoluindo. Muda de ideias. Não tem certezas por aí além. Mas vai aproximando-se da verdade, devagar, devagarinho. Porquê? Porque procura os próprios erros. Tão simples como isso.

 

Isto tudo porque vos queria falar dum livro empolgante como um qualquer policial, apesar de ser um livro de ciência. 

 

 

The Greatest Show on Earth, de Richard Dawkins. Um livro que explica quais são as bases que permitem aos cientistas propor a Evolução como teoria explicativa do surgimento dos humanos.

 

Para um português, para quem a questão é pacífica mesmo se for religioso, a forma como o livro combate os criacionistas é divertida: bolas, é como se tivéssemos um cientista de craveira mundial a escrever um livro a explicar porque razão não acredita em fadas ou no Pai Natal. 

 

O facto de haver esse movimento absurdo e anticientífico à solta pelos EUA só ajuda este tipo de autor, porque lhe dá a pica necessária para explicar a evolução. E nós só temos a ganhar com isso.

 

Quando li este livro, já lá vai algum tempo (não consigo lembrar-me quanto, mas aí uns dois anos), não conseguia parar de ler. Parava o carro enquanto a minha mulher ia buscar qualquer coisa, e punha-me a ler. Estava na cama e punha-me a ler. Estava no trabalho e fazia intervalos não para ir ao Facebook, mas para ler isto. Estive quase para ler no meio da Segunda Circular, mas não o fiz porque poria em perigo os meus colegas automobilistas (e se o fizesse teria de negar por aqui).

 

Garanto-vos que sabem muito menos do que pensam sobre o assunto. Vá, vão lá ler e desamparem-me a loja, que é fim-de-semana.

 

(Antes de terminar, a pergunta: se a ciência é apenas mais uma ficção, a Teoria da Evolução e a ideia de que Deus criou o Universo e os homens e todos os animais há aproximadamente 6000 anos são igualmente válidas, correcto?)

publicado às 16:58


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