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Começo séries de posts e não acabo, há perguntas que se faziam e já não fazem, antes punha um símbolo engraçado nos títulos (¶) e agora já não ponho... Que blogger mais indisciplinado eu sou...
Uma das séries começadas é aquela em que conto a estranha relação entre Andorra e os Lusíadas. Podem ir buscar o episódio n.º 1 e o episódio n.º 2 lá nos idos de 13 de Fevereiro, já lá vai quase um mês. Prometia no segundo episódio o seguinte:
Não percam as cenas dos próximos capítulos: o que contava a minha avó sobre quando foi a Andorra há muitos anos, o que nos aconteceu em Barcelona enquanto estávamos pendurados no teleférico e, last but not the least, o que raios tem isto a ver com os Lusíadas.
Antes de continuar e chegar ao ponto em que explico qual a relação entre tal minúsculo país e a obra maior da nossa literatura, deixem-me contar-vos então o que me contava a minha avó sobre o co-principado pirenaico.
A minha avó, lá para o final dos anos 70, decidiu ir em excursão até Itália.
Não sei se estão a ver bem isto: um grupo de paroquianos portugueses vai a Itália numa carrinha, atravessando fronteiras ainda bem guardadas, com passaportes, sem reservas de hotéis, com as estradas que havia.
A coisa parece-me bem capaz de ter dado uns episódios rocambolescos.
Ora, na viagem para Itália decide o grupo passar por Andorra, porque é já ali — e porque não?
Afinal é só um desvio dumas boas oito horas por estradas nunca dantes navegadas por tais portugueses em direcção a Roma para ver o papa.
Foi a grande viagem da vida da minha avó (até, ainda há dois anos, ter ido com o meu tio a Milão, mas isso fica para depois). Assim, contava todos os episódios aos netos que a quisessem ouvir (contava e conta, embora ultimamente tenha outras coisas para ocupar a cabeça).
O episódio andorrano foi este (conto como ela me contou): param a carrinha, vão a um supermercado e, quando entram, ouve-se uma voz no altifalante: "atenção, atenção, que estão a entrar portugueses".
A minha avó contava isto com um ar entre o divertido e o indignado que nunca mudou desde os anos 70.
Ora, pergunto eu, o que podemos pensar disto?
Não sei. A minha interpretação maluca é que já lá trabalhavam muitos portugueses e decidiram avisar que ali vinham conterrâneos, que como sabemos é sempre de avisar.
Outra interpretação será a de muitas horas a atravessar os desertos espanhóis, com o sol a queimar a paciência e a sanidade, e de repente já ouvimos coisas em português, quando o pobre andorrano está apenas a dizer: "atenção, equipa de limpeza à secção dos congelados". Ou, melhor, em catalão (corrijam-me quem souber melhor: "atenció, equip de neteja a la secció de congelats".
E é isto. Falta ainda dizer-vos o que nos aconteceu em Barcelona (não foi bonito) e o que tem isto tudo a ver com os Lusíadas.
Ora, continuando a saga de Andorra...
Não sei se conhecem os spaghetti westerns...
O giro destes filmes (além da possível qualidade dos mesmos) é que foram gravados na Europa... Por exemplo, em Espanha. Muitos dos desertos do Velho Oeste são, na realidade, antigos desertos ibéricos.
Por isso, amigos, atravessar a Península Ibérica em Agosto é atravessar os desertos onde o Clint Eastwood andava aos tiros há umas décadas.
É quente como o raio.
Mas, pronto, adiante.
Afinal, chegados a Andorra, ficaríamos mais frescos, certo?
Nem por isso. Andorra, em Agosto, não é propriamente um destino de neve.
Aliás, nem foi para isso que lá fomos. Fomos porque éramos malucos — e o casal amigo dos meus pais diziam que lá se faziam boas compras para motards, coisa que eles os quatro (meus pais e casal amigo) eram ou queriam ser nesses velhos tempos em que tinham 30 e poucos anos.
Depois, Andorra era parte das velhas histórias de família, porque a minha avó paterna tinha lá passado muitos anos antes e tinha-lhe acontecido daquelas coisas que os avós contam aos netos. Mas depois vemos isso, agora vamos voltar à nossa viagem a Andorra (que ainda há-de desembocar n'Os Lusíadas).
Pois bem, depois de dois dias (salvo erro) de viagem, vimo-nos num hotel em Andorra. Andorra é um país curioso. Parece um país a brincar, porque é tão pequeno. Podemos percorrer o país em pouco tempo — apesar de estar ali no meio das montanhas. É uma espécie de país em miniatura que, nesse mesmo ano (1993), perdeu todos os restos de feudalismo, ao transformar-se numa democracia moderna e independente (com a bonita excepção dos dois príncipes, que ao velho jeito feudal, continuam a ser os senhores de terras próximas: o chefe dos francos e o bispo da diocese ao lado — ou seja, o Presidente da França e o Bispo de Urgell).
Fonte: http://www.hoya.com.br/blog/descobrindo-andorra/
Passeámos muito, é certo, mas uma das coisas de que me lembro melhor é de estar nesse quarto e ligar a televisão e ver um programa qualquer da televisão andorrana.
Ora bem...
Não sei se os mais distraídos sabem disto, mas Andorra é um país independente, aliás mais antigo que Espanha, por exemplo.
Não só é independente, como a língua oficial não é nem o espanhol nem o francês, mas antes o catalão. Claro que quem souber espanhol safa-se bem, mas isso também pode ser dito do português, pois uma percentagem elevadíssima da população fala a nossa querida língua.
Ora, o que eu ouvi nesse programa, em 1993, foi a apresentadora a falar em catalão.
Não sei se já ouviram essa língua — para muitos portugueses, soará a algo parecido com o espanhol, e chega de investigar a coisa. É espanhol, ponto.
Mas não é, claro. Um madrileno perceberá tão bem um catalão a falar catalão como um português a falar português. Os catalães também falam espanhol, claro, mas quando falam catalão são polacos para os outros espanhóis — que, aliás, lhes chamam isso mesmo: polacos (em jeito de insulto).
O que se passa é o seguinte: o catalão falado tem uma sonoridade estranhamente portuguesa. Não compreendemos muita coisa, principalmente sem treino. Alguns falantes do catalão, além disso, falam com um sotaque muito castelhanizado, o que é normal, tendo em conta que as duas línguas interferem uma com a outra. Mas alguns catalães, a falar, soam a portugueses. Afinal, o catalão tem muito mais vogais do que o espanhol, o que também acontece com o português europeu (mas não com o português brasileiro).
Adiante: nos meus doze anos muito geeks (geeks no sentido de gostar de línguas e de inventar línguas), fiquei fascinado com aquilo. Tanto, que comecei a reparar naquela língua, a ler sobre aquela língua e a ficar um pouco obcecado pelo catalão — também muito por obra de ser teimoso e ter tido uma discussão com uma tia minha alguns dias depois de voltar sobre o facto de o catalão não ser um dialecto do espanhol.
Hei-de vos contar isso mais adiante. Para já, ficamos por aqui.
Mas continuemos a viagem: se entramos em Andorra pela fronteira espanhol, saímos por Pas de la Casa, na fronteira francesa. Foi a primeira vez que entrei em França e lembro-me de olhar fascinado para um castelo, com a tricolor a ondear altivamente. Chegámos a Bourg Madame, onde fiquei muito baralhado com as placas da estrada. Afinal, todos os lados pareciam dizer "Espagne". Havia Espanha por todos os lados.
E, de facto, se olharem para o mapa, é mesmo assim. Bourg Madame fica entalada entre Espanha e um enclave espanhol em França, chamado Llívia. Isto acontece por causa da história da Catalunha. Hei-de voltar a estes assuntos — mas por favor não fujam já do blog!
Não percam as cenas dos próximos capítulos: o que contava a minha avó sobre quando foi a Andorra há muitos anos, o que nos aconteceu em Barcelona enquanto estávamos pendurados no teleférico e, last but not the least, o que raios tem isto a ver com os Lusíadas.
Este post sobre Os Lusíadas lembra-me uma viagem que fiz há muitos anos.
À Índia?
Nem por isso. A Andorra…
Foi em 1993, tinha eu 12 anos. Os meus pais juntaram-se a um casal amigo e lá fomos. Há que dizer que os meus pais tinham, na altura, três filhos (agora têm quatro) e o casal amigo tinha dois filhos. Portanto, éramos…
(Deixem ver.)
(Ai, que esta gente dos livros não sabe contar.)
Éramos 9!
Numa carrinha de 9 lugares, sem ar condicionado.
Carrinha na qual atravessámos a Península Ibérica em pleno Agosto.
Já vos tinha dito que a carrinha não tinha ar condicionado?
Pois, exacto.
Acho que nem antes nem depois bebi tanta água como naqueles dias.
Pois bem, lá fomos. Seguimos até Andorra, o que foi uma aventura e tanto. Lembro-me de parar a meio e ficar a olhar para as estrelas. Afinal, no percurso que fizemos há pedaços de deserto sem nenhuma cidade há volta, onde podemos ver muito mais estrelas do que em Lisboa ou na pequena cidade onde vivíamos.
Por essa altura, também começava a minha mania de gostar de ir vendo as placas da estrada espanholas. Porquê? Por duas razões: porque são ligeiramente diferentes das placas portuguesas: e isso parecia-me curioso. Depois, porque iam dizendo as várias províncias e as várias comunidades autónomas por onde passávamos. Parecia um jogo: entrámos na Extremadura; agora Castela-La Mancha; agora Madrid; agora Aragão… E por aí fora.
Visitámos Madrid durante duas horas, às três da manhã e vimo-nos aflitos para sair. Mas lá saímos e seguimos por essa Ibéria fora, em direcção ao pequeno principado pirenaico…
(Continua…)
Cenas dos próximos capítulos: um país a brincar, como ver televisão em Andorra pode mudar a nossa vida para sempre, o que contava a minha avó sobre quando foi a Andorra há muitos anos, o que nos aconteceu em Barcelona enquanto estávamos pendurados no teleférico e, last but not the least, o que raios tem isto a ver com os Lusíadas.
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Caldea.jpg
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