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Ora, parece que o Acordo Ortográfico entra em pleno vigor daqui a poucas horas.
Enfim, como em tudo, há quem diga que é mesmo assim e quem diga que nem pensar! Que é tudo uma grande patranha!
Por mim, fico a olhar e a pensar: o Acordo foi um grande disparate — mas foi assinado e, acima de tudo, foi implementado, bem ou mal, no sistema de ensino e no Estado.
Ora, sendo a ortografia desgraçadamente regulada por lei (não devia!) — a verdade é que a nossa ortografia passa a ser, oficialmente, a do Acordo. Neste momento, não me parece possível voltar atrás.
Mas, reparem: estamos a falar do que é oficial. Ou seja, estamos a falar do Estado e das relações com o Estado.
No sector privado, não há obrigatoriedade de usar o Acordo — embora haja um grande incentivo a partir do momento em que o Estado deixa de aceitar a ortografia de 1945.
Já na nossa vida pessoal, é como sempre foi: podemos usar a ortografia que quisermos.
O que irá acontecer?
Provavelmente, nós — que aprendemos a ortografia de 1945 — continuaremos a usar as duas ortografias, uns caindo inevitavelmente perante a força da nova ortografia, outros ficando teimosamente a usar a antiga.
Os mais novos irão usar a nova ortografia com tanta naturalidade como nós usamos a antiga — e verão "acção" e "actor" como algo tão diferente como "pharmacia".
E não há muito mais a fazer ou a dizer.
Talvez possa ainda fazer uma previsão: os nossos filhos, daqui a umas décadas, quando lerem algumas reacções à nova ortografia, ficarão surpreendidos com a violência da linguagem.
Afinal, parece que o Acordo põe em causa qualquer coisa como a "alma" da língua — e é uma Barbárie, uma Mentira, um Engodo, uma Perversidade (tudo assim, em maiúscula, claro). Os insultos abundam. Há quem não queira ler nada que esteja escrito com a nova ortografia, com medo de ser infectado. Há quem defenda que a única ortografia que aceita é a de Camões — esquecendo-se que Camões escrevia com uma ortografia muito diferente...
Respiro fundo. É complicado olhar para aqueles que defendem algo parecido com aquilo que defendo (o Acordo não serviu e não serve para nada) e ficar tão triste com os argumentos.
Adiante. Lembremo-nos apenas que Fernando Pessoa usou a ortografia anterior a 1911 até aos Anos 30 e não consta que tenha sido preso. Por isso, descontraiam-se e, sempre que puderem, usem a ortografia que preferirem — mas usem-na bem, já agora.
... têm aqui uma proposta um pouco diferente do habitual.
Se ninguém se entende sobre as vantagens e desvantagens do Acordo Ortográfico de 1990 — e não vamos falar de quais são as tais vantagens e as tais desvantagens — todos podemos concordar que não há acordo ou consenso em relação a esta matéria. O que fazer a partir daqui?
Há quem defenda que devemos voltar atrás e recuperar a ortografia de 1945. Outros defendem a manutenção da ortografia de 1990, ou porque concordam com o Acordo ou porque acham que o esforço de voltar atrás já não vale a pena.
Há, no entanto, outra solução: revogar, pura e simplesmente, toda a regulamentação legal relativa à ortografia.
Reparem: a lei não define a pronúncia das palavras, não define a sintaxe das frases, não define o vocabulário. Não é necessário que defina a ortografia oficial — aliás, muitas línguas há em que a lei nada diz sobre as características da língua (basta pensar no inglês).
Alguns ficarão com medo: então, e depois? Deixamos de saber escrever?
Claro que não! Não aconteceria nada de dramático. A comunidade linguística tem mecanismos para chegar a convenções ortográficas, que iriam evoluindo naturalmente, como acontece com a sintaxe, o vocabulário e a pronúncia.
Neste caso, teríamos uma dificuldade não habitual: partiríamos para a "selva ortográfica" (estou a ser irónico...) com duas ortografias que, libertas da discussão jurídica, estariam em luta permanente pela preponderância na sociedade em geral. O Estado também teria de decidir que ortografia usar no sistema de ensino — ou deixaria a decisão para as escolas (como já faz, de facto, no caso das universidades). Não viria daí nenhum drama — rapidamente chegaríamos a conclusões e, mesmo que não chegássemos, cada um usaria a ortografia preferida.
Haveria desvantagens? Só para quem tem aquela mentalidade uniformizadora que não admite variações ou não compreende como a linguagem humana funciona, de facto. Para estas pessoas, a língua é sempre imposta de cima para baixo. De resto, não me ocorrem desvantagens de maior.
Revogue-se a ortografia de 1990. E a de 1945. E a de 1911. Que a ortografia fique entregue às universidades, às escolas, às academias, às editoras, às empresas — e a quem escreve, em geral.
Meus amigos, não sei se já vos tinha dito, mas não gosto muito do acordo ortográfico. Porquê? Porque foi imposto numa altura em que praticamente toda a população sabe ler e escrever e, por isso, é muito mais "violento" do que a reforma de 1911 (embora imponha muito menos alterações), porque não serve para nada — e porque tem alguns defeitos científicos. Depois, na realidade, defendo que a ortografia não deve ser regulada por lei, à semelhança do que acontece em línguas como o inglês. Deverá ser regulada de forma convencional, como o foi até ao século XIX. Regular a ortografia por lei só serve para nos chatear a cabeça, sem qualquer vantagem.
Mas, atenção: o acordo é apenas uma reforma entre muitas que se fizeram no português e nas outras línguas vizinhas. Não é o bicho-papão que muitos querem fazer crer e, acima de tudo, não é uma imposição do Brasil a Portugal (a ortografia brasileira também muda: perde um acento, por exemplo — o trema). Por isso, custa-me que as pessoas que são "do meu campo" (contra o acordo) caiam em exageros, como dizer que o acordo leva a "corte de raciocínio", que "ficámos aleijados", que leva a uma "descida do nosso nível cultural", que vamos ficar "deficientes linguísticos" (tudo incluído no artigo do Público de Maria Alzira Seixo). Tudo isto é um exagero, porque não ficamos mancos de raciocínio (profissionalmente, tenho de escrever de acordo com o AO e não sinto qualquer dificuldade acrescida de raciocínio), não ficamos deficientes linguísticos, não descemos o nosso nível cultural ao escrever de acordo com o Acordo. Simplesmente, mudamos de ortografia sem razão e sem grande sentido, o que não é coisa pouca.
Não gosto do Acordo Ortográfico, mas também não acho que tudo valha na corrida retórica para dizer mal do dito.
Adenda: Não sei se sabem, mas a ortografia imposta por lei nunca impõe nada em relação a blogs e quejandos. Na nossa vida privada, podemos escrever como quisermos. Até podemos escrever com erros, vejam lá! Ou na orthographia mais antiga...
... à dimensão do nosso pequeno blog livresco: 80 pessoas partilharam isto no Facebook!
O acordo, pelos vistos, provoca sempre isto. A favor ou contra, todos gostam de falar do assunto.
O jantar foi perfeito e estavam quase a tirar as cuecas quando ela descobriu que ele não achava o acordo ortográfico uma coisa tão grave assim. O pobre teve de sair com os sapatos na mão e a vontade no corpo. Há noites assim.
Há uns tempos largos, noutro poiso internético, em que se falava de português e outras coisas desusadas dessas, atrevi-me a deixar algumas notas para ajudar a corrigir alguns erros ortográficos comuns (também caio nessas tentações). Uma dessas notas era a seguinte: os dias da semana escrevem-se com minúscula. Assim: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sábado, domingo. Só no caso de dias específicos, como o Domingo de Páscoa ou a Sexta-feira Santa, usamos maiúsculas.
Isto é coisa fácil, de prontuário, e nem é um erro grave por aí além.
O giro foi a reacção de um comentador, que começou aos gritos (ou seja, COMEÇOU A ESCREVER ASSIM) a dizer que não aceitava o novo acordo ortográfico, que era contra, que era isto e aquilo — continuando com um arrazoado sem fim.
Expliquei calmamente que a regra exposta não tem nada a ver com acordo ortográfico, pois os dias da semana já se escreviam em minúsculas antes do dito acordo.
Nada feito. A partir do momento em que se falou do assunto, a questão das minúsculas passou a ser secundária. Começou a corrida a ver quem chega primeiro ao insulto mais extremado ou ao argumento mais radical contra a tal coisa cujo nome nem vou repetir.
Como o título indica (e não gosto de enganar), este post não é sobre o acordo ortográfico. É sobre esta surdez estranha de que algumas pessoas sofrem: no meio de qualquer discussão, não ouvimos os outros, não tentamos perceber os outros, tentamos apenas martelar a nossa opinião, da forma mais radical possível, usando de toda a retórica possível e de muito pouca racionalidade, que é palavra feia para muitos dos acesos comentadores da nossa internet lusitana.
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