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Já todos conhecemos esta mania de algumas pessoas. 

 

Dizemos, delicadamente: «Queria um café, se faz favor.»

 

Resposta: «Queria — ou quer?» — acompanhada de sorriso satisfeito, de quem apanhou o outro numa falta qualquer, não se sabe bem qual.

 

A lógica por trás da piada sem graça é esta: não podemos usar o imperfeito quando estamos a falar de alguma coisa que queremos, agora, no presente. Não é que os cultores da piada pensem nisto tudo assim tão explicadinho. Mas, na cabeça deles, «queria» só pode estar mal: é no passado, já passou. Se quer agora, diga «quero».

 

Pois, está bem.

 

Então, cá vai a novidade: as línguas são mais complicadas que as nossas lógicas da batata. As línguas são um conjunto de hábitos pouco arrumados e, neste caso, a forma como a língua portuguesa, sempre matreira, encontrou para expressar a delicadeza de um pedido foi usar o imperfeito em vez do arrogante presente do indicativo. Os linguistas até encontraram um nome para o fenómeno: «imperfeito de cortesia».

 

A língua é ilógica? Sim, mas, neste caso, ainda bem. Sempre é mais simpático assim.

 

Agora, vejam lá isto: muitos dos erros inventados de que tenho falado por aqui vão no mesmo sentido — alguém encontra uma irregularidade qualquer e apressa-se a corrigi-la, armado em mecânico da língua. Depois, sorri, com gosto, do erro que vê nos burros falantes de português.

 

«Saudades tuas — ou saudades de ti?» (Imaginem o sorriso de piada fácil.)

«Terramoto — ou terremoto

«À deriva — ou ao sabor da corrente

«Pelos vistos — ou pelo visto

. . .

 

E assim ficam, satisfeitos, com a lógica intacta e a língua em fanicos.

 

Se continuarem por aí fora a tentar arrumar a língua ainda acabam com o verbo «ser», que é tão irregular e tão ilógico, coitadinho. Boa sorte com isso e com essas batalhas muito úteis, não haja dúvida.

 

Sim, eu queria muito que parassem com a tal piada de café e também com essas ideias simplistas sobre o funcionamento da língua. Queria e quero. Obrigado!

 

(Uma versão desenvolvida e revista deste texto foi publicada há tempos no livro Doze Segredos da Língua Portuguesa.)



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