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Não sei se tem perdão, mas quando viajo de avião tento fazê-lo de forma não muito cara. Calha assim voar na Ryanair, o que põe em polvorosa quem percebe de aviões, mas nada posso fazer: é barato e leva-nos onde queremos. E o certo é que a viagem para Londres é rápida e indolor, pelo menos se o avião não cair. Para quê pagar mais 200 euros só para comer um mau almoço? Sim, eu sei, há outras considerações nisto tudo. Mas pronto, repito isto: espero que me possam perdoar.
Pois tudo para dizer que a tal companhia do Ryan tem umas regras muito apertadinhas quanto às bagagens. E, sim, uns gramas a mais podiam deixar-nos com uma multa tão cara como o próprio bilhete. Assim, nada de abusar da roupa e muito menos desse pesadelo que são os livros (pesadelo no sentido de peso).
Vim então visitar o meu irmão a Cambridge. E vim na Ryanair. E trouxe um só mísero livro. Que horror, não é? Uma semana, um livro?
Ora, claro que não. Porque se o livro veio sozinho para Inglaterra, há-de ir bem acompanhado para Portugal. Calculámos tudo (eu e a Zélia) para ter espaço para os livros no regresso.
E ainda a semana vai a meio e já tenho uma pilha de livros na estante do meu irmão prontos para transporte para Portugal na bagagem dum singela família que reza aos deuses para que os gramas não ultrapassem os caprichos das balanças do aeroporto.
E o bom é que ficaram baratíssimos. Alguns destes custaram 2 libras… O mais caro terá sido 9 libras. No total terei gastado umas 25 libras para sete livros. Não é mau!
A minha cunhada Sofia pergunta-me se os vou ler todos: não faço ideia. Mas já vão todos com uma ou duas dentadas — e um deles até já vai bem comido.
Ah, e que prazer foi entrar numa livraria com seis andares… Numa cidade como Cambridge há muitas outras, todas apetitosas, mas esta enche-me as medidas de leitor de tão completa que é. Há mesas tão específicas que fico com a cabeça a andar à roda: a mesa dos romances policiais de Cambridge; a mesa dos livros para ajudar a decidir se o Reino Unido há-de ficar ou sair da União Europeia; a mesa dos livros para perceber melhor a economia dos últimos 10 anos; estão a ver a ideia.
Ora, em viagem, os livros vou escolhendo-os ao sabor das capas, do dinheiro que acho que devo gastar, do interesse do título, do folhear das páginas. Os livros que quero mesmo comprar vêm pela Amazon ou encontro-os nas livrarias lá da terra. Por exemplo, dos livros ingleses, ando há algum tempo a querer The Buried Giant, de Kazuo Ishiguro, eThe Noise of Time, de Julian Barnes. Ora, já peguei neles uma ou duas vezes nestes dias, mas não os trouxe. Isto porque quando viajo, gosto de ir pelos meus dedos, rezando à deusa chamada Serendipity.
E foi assim que, entre livrarias antigas, outras de desconto, acabei com a pilha que vos mostrei acima. Prometi a mim mesmo que ficava por aqui, mas ainda tenho aqueles dois debaixo de olho. Mas esses talvez fiquem para comprar em Lisboa, que a Ryanair não perdoa — e ainda tenho de levar três livros que uma amiga me pediu para um amigo dela (a malta dos livros é uma máfia, ah pois é).
Uma americana compra livros à distância a uma livraria inglesa nos anos 50 e 60. Por carta. Torna-se amiga do livreiro. E nada disto é ficção, neste livro que recolhe essas mesmas cartas. Veio a ser uma peça de teatro e um filme de 1987 com Anne Bancroft e Anthony Hopkins. Se o ler e se a vontade assim o ditar, dir-vos-ei o que achei. Para já, encontro muitos nomes de livros no meio daquelas páginas. Água na boca, água na boca…
Deste já aqui vos falei e parei de ler porque estava a concordar demasiado com o autor. Tenho de me acalmar e lê-lo com mais vagar e mais espírito crítico. É um livro cruel para todos os puristas da língua. Saem com as orelhas a arder. (Foi escrito por um antigo purista, entretanto curado de tal mal.)
Já que o elogiei tanto, fica aqui um pequeno reparo: o título baseia-se num trocadilho muito rebuscado. O autor explica-o no texto, mas por ser tão difícil de apanhar, muitos tenderão a achar que é apenas um erro intencional («accidence» em vez de «accidents»), dando munições aos tolos que acham que os linguistas e todos os que se tentam afastar da visão purista e simplista da língua são, de alguma maneira, a favor dos erros (tanto que até os põem na capa só para irritar). Nada de mais errado, claro. Mas tendo em conta a forma simplista como muitos puristas vêem a língua, não me admiro que pensem isso deste livro. Ou talvez já seja eu a pensar demasiado…
Já conhecia contos de Roald Dahl para adultos e já vi, claro, o filme. Mas nunca tinha lido a Matilda em livro. Encontrei-a enquanto estava com o Simão no andar dos brinquedos e livros infantis da Waterstone’s. É um livro deliciosamente incorrecto (começa com o autor a imaginar-se professor e a arranjar formas de insultar os alunos nas avaliações) e malandro como só as crianças sabem ser (e Roald Dahl, claro está). É possivelmente a defesa da leitura mais implacável que conheço. Não consigo parar de ler. A Matilda é a heroína de todos os que vivem entre livros num mundo que não gosta de ler. E dá para rir sem parar.
Um livro de divulgação histórica sobre a Europa por volta do ano 1000. Entre reis, cavaleiros e muita guerra e aventura, esta é uma História a sério, escrita de forma empolgante, pelo menos a julgar pela pequena dentada que lhe dei. Mais veremos lá para frente.
Nada tenho a declarar. Talvez um dia, se me apanharem.
Este é um livro sobre balonismo (!). Sim, eu sei, é um tema incrivelmente específico. Mas, às vezes, os temas específicos levam-nos a descobrir perspectivas sobre o mundo e sobre a História que nos seriam invisíveis se nos mantivéssemos no geral e naquilo que nos interessa à partida. O folhear do livro levou-me a apostar nele, no espírito de sorte e azar que estas coisas implicam. Veremos.
Há muitos muitos anos, li estes contos por imposição universitária. Agora, apeteceu-me lê-los numa outra versão, em prosa e em inglês actual, reescritos por Peter Ackroyd. «When the soft sweet showers of April reach the roots of all things…» Sim, as traduções também servem para isto: manter os clássicos de há muitos séculos bem próximos dos leitores de hoje em dia.
Agora, uma confissão: ao contrário do que vos disse no início, trouxe mais do que um livro para cá. Trouxe várias dezenas.
Mas não menti: só trouxe um livro em papel. Tenho as tais dezenas de outros livros no telemóvel. Aliás, um dos dois livros que estou a ler de fio a pavio por estes dias está em formato electrónico.
Para quê andar com volumes atrás, se não me importo de ler no telemóvel? Acho sinceramente que o livro em papel tem vantagens que compensam as dores de costas de os transportar, o pó que temos de limpar e tudo o mais. O livro é também um delicioso objecto, que apetece folhear e mordiscar. Não vai desaparecer. Só que não temos de nos impedir o melhor de dois mundos: papel nuns casos, pixeis noutros. Nada nos obriga a ter de escolher.
Agora que é um prazer ler e falar do que lemos, lá isso é. E não acham que um dos maiores prazeres de viajar é ler, misturando de forma imprevisível as memórias dos sítios por onde passamos com as memórias dos livros que lemos?
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