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Ora, hoje vou escrever sobre aniversários dos miúdos. Porquê? Porque o Simão está mesmo quase a fazer anos e vai ter a sua primeira festa para amigos. Não que nos anos anteriores não tivesse tido festa, mas era uma festa para a família e para os nossos amigos.
Pois, agora, no quarto aniversário, a festa é outra e é mesmo dele: foram convidados os amigos dele, da escola. E assim entramos nesse quase calvário de festas que se espalham ao longo do ano. Sim, são vinte e tal miúdos: temos assim vinte e poucas festas. Nem vale a pena pensar em fugir a esta seringa: um dos miúdos tem uma festa para a turma toda e, claro, os outros não querem deixar de ter a sua. Há que dizer que não? Porquê?
E onde fazer a festa? Em casa? Houve pais de colegas do Simão que, sim, optaram por levar os colegas todos para casa. Mas a Zélia e eu imaginámos 20 e tal miúdos aos saltos no apartamento, os livros todos rasgados no chão, o nosso gato a ter um ataque de coração e (o horror! o horror!) o fim da festa, em que todos já foram e para limpar ficámos nós — e claro que optámos por procurar outro sítio qualquer.
Não sei se já repararam, mas os aniversários das crianças transformaram-se numa verdadeira indústria: há armazéns e armazéns por essas urbes fora preparados para aguentar com várias festas em simultâneo — isto para lá doutros locais que, a certas horas, se transformam em palcos para a criançada (o Oceanário e certos museus, por exemplo). Tudo depende das idades, claro — e da carteira dos pais.
Pois bem, alguns torcem o nariz, mas a verdade é que a coisa funciona: as crianças divertem-se, há bolo e cantoria, no fim está tudo limpo e é bastante seguro… E foi assim que escolhemos uma dessas fábricas de festas, que o Simão exigiu ver para nos dizer se estava bem. Foi lá e já não queria sair. Podia ser ali. Aliás, podia ser ali todos os dias…
O Simão já anda nisto das festas há uns meses. E há uma confissão a fazer: nem sempre ele gosta assim tanto da festa. Ou melhor, gosta, mas à distância.
Talvez ele tenha alguma coisa de tímido (como eu), mas ainda há poucas semanas lá ficou a brincar um pouco sozinho, sem se importar muito com as brincadeiras dos outros. Mesmo nas brincadeiras de conjunto, pediu-me para ir com ele. E assim vi-me a fazer um jogo de crianças em que devia andar ao pé-coxinho aos saltos por vários arcos coloridos sem pisar nenhum dos bonecos que lá tinham sido postos pela animadora. Isto, claro, com o Simão ao colo.
Os coitados dos bonecos nem sabiam o que os esperava. Só vos digo que as crianças sabem brincar melhor do que eu. A animadora da festa estava de boca aberta e lá ralhou comigo como se fosse uma criança que não sabe acertar com os pés no sítio certo… Bem, diga-se em minha defesa que os meus pés são um pouco maiores que os dos petizes.
Porquê aquela timidez? Não sei: todos temos os nossos dias. Enfim, nos últimos cinco minutos a timidez passa e agora o rapaz já não quer ir embora. Fala, gesticula, corre, brinca o suficiente para compensar as duas horas de timidez. E parece que, para ele, está bem assim: vai todo feliz para casa, depois de cinco minutos de verdadeira festa.
As festas têm os seus rituais, claro está. O bolo, a cantoria, as prendas… Sim, as prendas são uma obsessão: eles gostam mesmo de as receber (e quem não gosta?). Mas o mais engraçado é que nas festas já notei como os miúdos também gostam muito de dar a prenda ao rei desse dia. Pois, se as crianças são habitualmente um pouco invejosas e um pouco egoístas, nesse dia aprendem esse outro prazer.
Mas voltando aos rituais: há hábitos estranhos que aparecem vá-se lá saber de onde. Ainda há umas semanas, fomos à festa do meu sobrinho Martim, num dos tais armazéns, ali mesmo ao pé do aeroporto, o que tinha o encanto de, por entre os miúdos a gritar, nos deixar ouvir, de tantos em tantos minutos, um avião a passar. Pois, percebi que entre a geração dos oito anos (pelo menos naquela escola), depois de cantarem os parabéns, o miúdo que faz anos tem de ir para baixo da mesa e gritar.
Os miúdos riem-se e batem na mesa. Os pais franzem as sobrancelhas e olham uns para os outros, para tentar perceber se aquilo será normal. E parece que é! Será porque dá sorte? Não: é mesmo porque tem de ser.
Sim, eu sei que muitos acham que as crianças andam metidas nos computadores e iPads e outros que tais e já não brincam. Enfim, isso são pessoas que vêem uma criança a brincar com um iPad durante uns minutos e acham que as crianças passam a vida toda assim.
Ora, tretas! Pelo que vejo, as crianças brincam e não é pouco. E têm tantas actividades na escola e fora da escola que às vezes até acho que mais valia estarem mais tempo sossegadas a olhar para alguma coisa — mas isto já sou eu a provocar.
Sim, os putos brincam e saltam e, às vezes, lá passam o dedo pelo telemóvel — e desarrumam as aplicações dos pais ou mandam mensagens absurdas ou, como há dias me aconteceu, atendem o telefone sem dar cavaco a ninguém.
Não acreditam que as crianças de hoje em dia também brincam? Então, basta irem a um desses armazéns de festa e vê-los aos gritos e aos saltos, a correr (menos quando têm um ou outro ataque de timidez e querem que o pai vá andar ao pé-coxinho). Ou, aliás, podem sempre ir às escolas e ver como as crianças nunca deixaram de brincar.
E durante as festas, os pais fazem o quê?
Os pais põem a conversa em dia, olham (esses sim) para o telemóvel, vêm os aviões a passar, tomam café e, claro, tiram fotos sem parar. Todos tiramos tantas e tantas fotografias e, agora que não há os limites dos rolos, parece que nos perdemos num mar de gigabytes de imagens atrás de imagens. A maioria delas são terríveis: desfocadas, desenquadradas, sem lógica. Mas lá aparecem umas quantas que vale a pena imprimir e guardar.
Depois, claro, esquecemo-nos de as imprimir e temo-las apenas no telemóvel ou no computador — mas elas lá estão. Sim, sem qualidade de artista, mas a fazer-nos recordar essas festas. O Google, aliás, no programa Photos, lembra-se de vez em quando de nos mostrar as recordações das festas dos anos anteriores. E ficamos logo babados.
Digamos que as festas de aniversário, esse dia em que cada criança é o rei do mundo, são também uma espécie de marco da estrada, onde vemos como os nossos filhos mudam de ano para ano. No dia-a-dia, crescem tão devagar que nem notamos. Mas de ano a ano percebemos como tudo muda em tão pouco tempo. Eles e nós.
Para alguns dos que já tiveram filhos há muito ou nunca os tiveram, estas festas são todas iguais. E, sim, parecem iguais: são crianças. Aos gritos. A brincar.
Esta aparente banalidade engana bem: acontece o mesmo com os casamentos, com os baptizados, com os funerais, com os casais aos beijos no parque, com as casas por que passamos na cidade. Acontece isto com tudo, aliás: a vida dos outros parece-nos sempre igual a todas as outras e muito banal. Pensem no casamento: haverá festa mais igual, mais banal, mais formatada? E, agora, pensem no casamento do vosso melhor amigo: terá mesmo sido assim tão banal? As festas dos nossos nunca são banais, não é verdade?
Todos nós somos banais para quem nos vê de certa maneira — tal como, para dizer a verdade, quase ninguém é verdadeiramente banal a todo o momento. E, assim, digo-vos: cada uma destas festas repetidas em doses industriais são tudo menos banais para a criança que faz anos nesse dia. Esta é a festa dele, desta pessoa irrepetível, que ainda há pouco era um bebé a chorar como todos os outros e agora já tem as suas impaciências, os seus desejos, o seu olhar único, a sua maneira de rir, de adormecer, de nos pedir alguma coisa. É já uma pessoa inteira, com defeitos e qualidades e um olhar bem vivo a aprender como é isto de viver cada dia, de perceber o mundo — e de estar com os amigos, que é coisa para nos deixar felizes durante um bom bocado.
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