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Esqueçam as previsões: tanto quanto sei, 2017 pode correr de tantas formas que nem vale a pena andar por aí a sofrer. Há-de morrer gente famosa, vão acontecer mais coisas do que imagina a mente humana e o mundo, quanto sei, até pode acabar. Bem, pelo menos que dure mais um dia para não estragar a festa de mais logo à noite.

 

E 2016? Há duas narrativas: correu mal ao mundo, mas correu bem a cada um de nós (é o que mais oico por aí). Não me vou pôr a fazer esse tipo de avaliações. Não sei se o ano me correu bem: houve coisas muito boas e coisas muito más e, no meio, o assim-assim em que passamos os dias.


Quanto ao mundo… Bem, se olharmos para os títulos das notícias o mundo já devia ter acabado. Mas só os ingénuos acham que o estado do mundo se vê nas notícias. Os títulos dos jornais dizem pouco sobre o estado do mundo e muito sobre o estado das nossas excitações. O mundo está mal? Com certeza que está. Pior do que em 2015? Tenho dúvidas.

Bem, deixemos isso. Pensemos antes nos momentos de felicidade, que é coisa mais concreta e definida. Há muita coisa que nos traz felicidade: as horas com um livro na mão, uma canção ouvida ao adormecer, um bom filme. E a felicidade complicada e difícil que as outras pessoas nos trazem. Lembro-me de ter lido numa tarde de Agosto, enquanto o meu filho brincava com os primos e eu estava deitado com a Zélia num relvado no Parque da Serafina e encontrei um parágrafo do livro Soldados de Salamina, de Javier Cercas, que não posso citar por não o ter comigo, mas em que Miralles recordava os amigos mortos na II Guerra dizendo que nunca saberão a felicidade que é ter o filho de três anos a chegar ao quarto de manhã e dormir mais um pouco ao pé dos pais. Naquela tarde de sol, enquanto o meu filho brincava ali, aquele livro triste deu-me uma felicidade imensa. E pronto, depois há a felicidade dos beijos e do calor do corpo e da alegria matreira daquilo que se faz e não se diz. Misturo muito as coisas? A nossa vida é uma grande salganhada.

(Lembrei-me agora: de certeza que a citação dos Soldados de Salamina está por aí. Fui ao Google e lá está este arremedo quase lamechas num livro muito pouco sentimental e muito bom:

«Desde que terminó la guerra no ha pasado un solo día sin que piense en ellos. Eran tan jóvenes… Murieron todos. Todos muertos. Muertos. Muertos. Todos. Ninguno probó las cosas buenas de la vida: ninguno tuvo una mujer para él solo, ninguno conoció la maravilla de tener un hijo y de que su hijo, con tres o cuatro años, se metiera en su cama, entre su mujer y él, un domingo por la mañana, en una habitación con mucho sol…»)

A felicidade nos livros, na música, nas pessoas… — e nos pés do Éder. Sim, tudo isto foi desculpa para chegar àquele momento de felicidade inesperada, aleatória, inútil e saborosa que 2016 nos deu: o golo do Éder e, mais ainda, o apito final do árbitro nessa final.

Sim, aquele golo e aquela história que ali encaixava, o país que esperou 12 anos para ganhar aquilo que uns gregos lhe roubaram, foram um momento de felicidade para milhões. Muitos reclamam que não é felicidade como deve ser, que futebol é só futebol, que… mas o que querem? Lembro-me desse momento em que o árbitro apitou para o fim do jogo e eu e a Zélia saltávamos como crianças, com o Simão a perguntar o que foi o que foi e não vou ser capaz de deixar 2016 sem um sorriso. Houve felicidades maiores neste ano de memória incerta?

Claro que sim. Mas daquelas que se partilham e que nos mandam para a rua gritar, esta foi a maior.

O Éder e a felicidade em bruto… Não é a maior felicidade do mundo, mas é uma felicidade despida, sem mas nem meio mas. Sim, não fizemos nada para a merecer, desaparece num instante, mas foi capaz de, ali durante dez minutos, pôr adversários aos saltos juntos, casais desavindos aos beijos, um pedreiro e um ministro a rir felizes e juntos, os portugueses quase todos aos saltos porque um homem feliz marcou um golo ao calhas — e tudo isso ainda nos deixa um sorriso nos lábios quando nos lembramos. Tem lógica? Não. Mas é tão bom!

Bem, desejo-vos muitos pontapés do Éder para 2017. (E se o mundo acabar, paciência.)

publicado às 17:42



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