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Hoje estive na festa de anos dum filho duma amiga e havia crianças por todo o lado. Dos recém-nascidos aos maiorzinhos, lá estava a colecção de pequenos seres humanos a brincar, a zangar-se, a rir, a resmungar, a comer, a nadar… E é giro — tal como também é giro conversar com os pais e ver que os problemas são mais ou menos os mesmos, apesar de todas as divertidas diferenças.
Ora, na festa, enquanto estava sentado no meio da criançada, pus-me a pensar nas frases irritantes que todos os pais ouvem, mais cedo ou mais tarde. Nem sempre confessamos, porque temos mais que fazer do que andar a aborrecer os que nos tentam ajudar. Não dizemos, mas mordemos os lábios — e às vezes até mordemos a língua, porque percebemos que nós próprios já dissemos algumas destas frases a outros pais, antes de sabermos o que era doce.
Pois, aqui ficam algumas frases que irritam muitos pais (digo eu) — e ainda o que gostaríamos de responder mas não podemos.
Eh, pá! Se calhar tens razão e tiveste uma vida mais difícil do que a minha, mas comparar épocas assim sem mais nem menos não será precipitado? Se ainda por cima as coisas mudam de família para família, de terra para terra, de filho para filho… Pedia-te assim para parares com isso — principalmente se atirares a frase como crítica velada aos desabafos de circunstância: «Isto agora não custa nada e estás a exagerar!»
A verdade, meu caro, é que a vida dos outros é sempre mais fácil do que a nossa — porque a nossa temo-la de viver nós próprios e a dos outros é lá com eles. Não sei se me estou a explicar… Cada pai e cada mãe tem tudo para aprender e é sempre difícil. Se não for da cabeça é das pernas, mas dói sempre. Curiosamente, todos costumam que é muito bom — e isso não muda com o tempo. É o que vale.
Para lá da ironia de ver esta frase a sair da boca de quem também diz a frase anterior, a verdade é que no teu tempo (importas-te que te trate por tu?) nem todos os riscos estavam identificados e, sim, as crianças viviam de forma mais descuidada, mas também havia mais mortalidade infantil. E não estou a falar de pequenas diferenças estatísticas. Havia mesmo muito mais mortes de crianças, por vários motivos.
Por isso, sim, é importante não cair em exageros e aceitar que o risco faz mesmo parte da vida, mas certas protecções, certas ideias que muitos acham desnecessárias salvam vidas todos os dias. Basta pensar nas cadeirinhas dos carros ou nas protecções das escadas… O problema é que o efeito (muito) positivo dessas regras só se vêem quando olhamos para os números — é difícil saber quais as vidas que foram salvas.
Admito que no tal mítico «antigamente» as crianças brincavam e eram felizes, sim! Ora, hoje também brincam e muitas também são felizes — e no entretanto há menos mortalidade infantil.
Agora, aquilo que não muda é isto: a geração do meu filho, quando for velhinha, há-de virar-se para os netos e dizer «no meu tempo é que era bom!»
O segundo vem depois do primeiro. Menos quando são gémeos: aí é tudo ao mesmo tempo e imagino que seja o caos. Há ainda quem só tenha um filho. Outros têm três — ou mais. O mundo é assim.
Agora, aquilo de que tenho a certeza praticamente absoluta — e olha que tenho muito poucas certezas — é isto: nunca até hoje um casal teve um segundo filho porque alguém lhes sugeriu isso mesmo numa conversa qualquer. Imagina como seria:
— Ah, então o Joaquim hoje perguntou-me se não estamos a pensar no segundo filho…
— Pois foi, a mim também me veio com essa conversa!
— Bem, sendo assim, se calhar mais vale fazer a vontade ao homem! Não quero que ele se aborreça.
— Vamos a isto, então?
— Vamos, pois!
E pronto. Lá vem o segundo filho por culpa do Sr. Joaquim. (Talvez fosse boa ideia o homem ajudar nas despesas.)
Sim, eu sei. Lá em tua casa é tudo às direitas e o teu filho vai sair um primor. O meu, enfim, é o que se arranja. (Bem, pelo menos vai saber mexer em telemóveis.)
Agora a sério: há pessoas que vêem os filhos dos outros com um telefone nas mãos e acham logo que estão sempre com um telefone nas mãos. Bolas, o meu filho joga no telemóvel, mas é só às vezes. A maior parte do tempo corre e pula e gosta de fingir que é pirata e conversa e grita e às vezes tem uma energia que nos cansa a nós. E, sim, não me importo de lhe emprestar o telemóvel, até porque às vezes é bom vê-lo sossegar. Serei criminoso?
Também confesso o crime de achar isto engraçado: ele já sabe mexer no YouTube, escolhe os vídeos, diverte-se e pede-me para ver com ele os vídeos preferidos. Também já percebeu que pode instalar uns quantos jogos gratuitos.
Já sei, não devia. A vida é para ser toda passada a tocar guitarra ao ar livre num belo kumbaya! Mas, bolas, deixa lá o puto ver um vídeo.
Aqui, tenho de confessar: quase todos os culpados desta frase irritante dizem-na com a melhor das intenções. O problema é nosso, dos pais recentes. Quem teve um filho há pouco tempo está sempre extraordinariamente impaciente — impaciente com o mundo, porque o mundo lá fora importa um pouco menos. Durante esses meses iniciais, estamos concentrados no mundo mais pequeno que existe em nossa casa. O resto não importa.
As pessoas tentam ajudar e nós, pais ingratos, nem ouvimos nem queremos saber. E assim, como na história do Pedro e do Lobo, uma vez por outra, lá aparece uma ideia verdadeiramente útil e nós, afogados em tantos conselhos vindos de tantos lados e tão contraditórios, nem damos conta…
Por tudo isto, peço-te paciência para com os pais recentes: a paciência deles está toda concentrada no bebé. Mas não deixes de os ajudar, porque por mais voltas que o mundo dê, é mesmo preciso uma aldeia para que uma criança cresça bem e feliz. E a aldeia dos nossos filhos, aqui no meio das nossas cidades, são os amigos e a família — por mais frases irritantes que digam…
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