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Ando a ler o livro Lingo, de Gaston Dorren. É um livro ideal para quem gosta de línguas — e também para quem gosta de viajar e quer ver a Europa com outros olhos.
No final de cada capítulo, o autor escolhe uma ou duas palavras que faltam na língua inglesa. Vai buscá-las à língua descrita nesse capítulo.
Não são palavras intraduzíveis — porque palavras impossível de traduzir, quanto a mim, não existem. (Não me venham com o exemplo batido da «saudade»!) Todas estas palavras podem ser traduzidas — só que temos de usar mais palavras.
Mas, sim, há línguas que conseguem explicar um determinado conceito só com uma palavra e outras que gastam linhas e linhas para dizer a mesma coisa. Porquê? Boa pergunta.
Pois, hoje, quero mostrar-vos algumas dessas palavras, recolhidas por Gaston Dorren no livro de que vos falei.
Escolhi cinco palavras que nos podem ajudar a ter um 2016 melhor do que 2015.
Aqui ficam cinco palavras que fazem falta ao português:
Ora, aqui está. Desejo-vos um 2016 cheio desse prazer das coisas simples, que acabe melhor do que o esperado e que tenha um ou outro momento em que possam estar, com a vossa cara-metade, numa bonita sitooterie.
O meu irmão Diogo já me avisou que eu uso demasiado a palavra «delicioso». Quando ele me disse isso, não acreditei. Mas, depois, fiz uma procura no blogue e sairam-me três páginas de artigos onde uso a palavra. Raios.
Bem, hoje lembrei-me novamente da palavra «delicioso» ao ouvir uma alemã a falar português.
Deixem-me lá contar: hoje estive na conferência «30 anos de Português na UE», no Museu do Oriente, organizada pelas instituições europeias.
Pois, a certa altura uma funcionária alemã (cujo nome não consegui registar a tempo) decidiu contar as suas aventuras na língua portuguesa, o que muito divertiu o público. Acabou por dizer várias expressões portuguesas que acha engraçadíssimas — e que nós quase nem notamos.
Aqui ficam cinco dessas expressões, que rabisquei furioso enquanto as ouvia (muitas passaram-me):
É no que dá pôr-me a ouvir a nossa língua pela mente duma alemã. Tudo se torna menos familiar, menos habitual e por fim — como acontece quando repetimos uma palavra comum muitas vezes — estranho e delicioso. Por momentos, ouvimos essa palavra como se fosse a primeira vez.
Será também aí que reside um dos grandes prazeres de aprender línguas: a estranheza da língua dos outros é sempre imensa — e há momentos em que até a nossa língua nos aparece como uma estranha invenção que não é de ninguém em particular, mas de todos nós — até duma alemã que a aprende em adulto — e que vamos desfiando pelos séculos, pela boca e pela escrita.
E, já agora, feliz Dia Europeu das Línguas!
Falámos dos Doze Segredos da Língua Portuguesa, de tradução, de teatro — e da Joana d’Arc reencarnada numa árvore. No fim, até a Gisele Bündchen apareceu. Foi o É a Vida Alvim.
Primeira parte
Segunda parte
Já estou de volta das férias há umas boas duas semanas — e que semanas, meu Deus! — e mesmo assim ainda tenho histórias para vos contar. É assim uma espécie de truque para parecer que ainda estou de pés na água e cabeça na areia…
Pois bem — esta história tem que se lhe diga.
Então é assim: a certa altura, lá nas férias, fomos almoçar em Santiago de la Ribera, uma pequena terreola que foi uma estância balnear que deve ter estado na moda ali por volta de Agosto de 1984. Enfim, não faz mal: foi uma espécie de viagem no tempo.
A praia é virada para o Mar Menor, uma lagoa de água um pouco turva por causa da areia que é de origem vulcânica (dizia um dos cartazes de aviso que por lá vi). Pois a verdade é que a água é tão quente, mas tão quente que ficamos com a sensação que o vulcão está prestes a entrar em erupção…
Bem, a temperatura da água sentimo-la depois, quando fomos molhar os pés. Ao almoço, limitamo-nos a olhar para o mar, que ali estava, à nossa frente — e lá muito ao fundo, no horizonte, a chamada Manga del Mar Menor, uma pequena faixa de areia entre o Mar Menor e o Mediterrâneo que foi cilindrada sem piedade com prédios, prédios e mais prédios. No primeiro dia de férias tínhamos lá ido e fugido a sete pés… É daquelas paisagens que até são engraçadas vistas assim de muito longe. É como olhar para o mar e ver ao fundo um recorte citadino a surgir como uma miragem. Nada mal — mas à distância.
Pois bem, o certo é que descobrimos um barco ao pé do restaurante que fazia a ligação entre Santiago e uma zona da Manga que até tinha o seu quê: uma ponte levadiça, umas praias simpáticas — e acima de tudo uma festa com piratas no barco. Só que já estava mesmo em cima da hora, ainda não tínhamos almoçado e dissemos ao Simão que ficava para o dia seguinte.
Enquanto o barco se afastava, fiquei a olhar e a imaginar como seria essa singela viagem com crianças vestidas de piratas. Não demorei mais do que uns bons 10 segundos nesse sonho acordado: fiquei só a olhar, a ver o mar e, ao sol de Agosto, a imaginar-me no barco — porque não tinha mais nada em que pensar naquele momento e porque tinha acabado de dizer ao meu filho que no dia seguinte era isso mesmo que faríamos. O barco passa ao pé de ilhas, havia aviões a fazer acrobacias ali mesmo ao pé, o sol apetecia e sentia o sal na boca. Ah, as férias…
Pois, no dia seguinte não fomos. Ali perto havia praias menos turvas, areias mais douradas, sítios por descobrir. Ele não se importou, até porque acabámos por descobrir um barco bem maior, com piratas a sério e tudo (mas isso fica para outro dia).
Agora, o curioso é isto — e esta lengalenga toda serviu para chegar a esta conclusão: no fim das férias, comecei a pensar nos dias todos que ali passáramos e a memória misturou-se de forma perigosa: lembrava-me dos sítios onde realmente tinha ido — e da viagem de barco que nunca fiz! (Para não falar dos livros que li e dos filmes que vi — mas essas misturas já são bem menos estranhas e muito saborosas.)
Sim, é verdade. A memória é mesmo muito manhosa. Neste caso, não fez mal: eu sabia, conscientemente, que nunca tinha andado naquele barco e mesmo que de repente me convencesse que tinha mesmo viajado de barco naqueles dias não vinha mal ao mundo. Mas não deixa de ser perturbador: lembro-me de estar a afastar-me da costa com o meu filho vestido de pirata ao lado e a minha mulher a olhar para o horizonte. A sério que me lembro! Ora, mas não sou o único. Admitam lá: quantas vezes não confundimos tudo e inventamos memórias — e algumas delas bem mais consequentes que uma viagem numa tarde de Verão que nunca existiu? Se alguém me disser que nunca lhe aconteceu tal coisa é que por anda muito enganado por este mundo…
É outro dos temas que começa a ser recorrente neste blogue (mas nada posso fazer, estas ideias vêm até mim e eu tenho de lhes pegar pelos cornos): todas as maneiras como nos enganamos a nós próprios. Lembramo-nos do que nunca fizemos, esquecemo-nos do que nos aconteceu, imaginamos salpicos na cara que nunca sentimos. O antídoto é só um: perceber que somos muito falíveis, que nos enganamos todos os dias — e desconfiar um pouco da nossa cabeça.
Bem, se a memória é perigosa e a imaginação delirante, a verdade é que também é por isso que criamos livros, filmes, quadros e canções: a nossa cabeça não se limita ao que nos acontece. Vai sempre mais à frente. Aí temos a origem da arte e de tanto do que torna a vida bem mais interessante do que seria se vivêssemos apenas com o que temos à nossa frente. Mas aí temos também a origem de muitos dos enganos com que nos matamos uns aos outros…
Ui, que frase tão séria para um post de piratas e tardes de Verão, não é? Admito que sim. Fiquem com esta outra música, capaz de vos acordar as memórias lá bem escondidas nas catacumbas da nossa mente — e também estávamos num verão azul no Sul de Espanha:
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