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Este último dia de Agosto tem sempre um sabor um pouco amargo. É como as tardes de domingo: ainda não é segunda-feira, mas o peso da dita já se sente nos ombros. Pois é: ainda não é Setembro, mas as férias acabam, as praias esvaziam-se, a rotina volta. Pois hoje, para comemorar o fim do mês, deu-me para falar de felicidade. Coisa aborrecida, não?

 

Li há uns tempos no El País que a felicidade são quatro coisas: conversas, música, actividade física — e sexo. Nada contra, mas faltava o óbvio quinto elemento: livros. Enfim, a felicidade é que uma pessoa quiser — mas lá que esses cinco elementos têm a sua importância, têm sim senhor (alguns deles até se podem misturar com muito proveito: a música, então, vai bem com tudo).

 

Bem, concorde ou não com o psicólogo citado pelo El País, a verdade é que as férias sabem tão bem porque podemos fazer tudo aquilo de que gostamos sem grandes interrupções (sim, eu sei bem, quem tem filhos deixa de poder fazertudo o que quer a todo o momento — mas os filhos trazem um outro tipo de felicidade que não é chamada para este post)

 

Durante as férias, podemos aproveitar os dias à procura dessa felicidade concreta — nadar, correr, conversar, ouvir, amar. E ler, ler mesmo muito, sem intervalos. Pronto: convém comer. E dormir. Mas o tempo é imenso e as páginas dos livros passam quase sem darmos por elas, enquanto o nosso filho descobre como é bom nadar e estar ao sol.

 

Custa quando chega ao fim? Claro que sim. Mas reparem numa coisa: tudo o que disse acima não precisa de acabar no dia 31 de Agosto. Sim, teremos menos tempo. Mas a felicidade do quotidiano também implica arranjar tempo para ouvir música, beijar, correr ao fim da tarde, conversar com aqueles de quem gostamos. E ler.

 

Nesta guerra, o tempo será sempre uma espécie de inimigo — e é desesperante quando temos dias em que quase não conseguimos respirar, quanto mais ler & amar & conversar & correr. Mas desistir não vale a pena: com alguma sorte e muita arte, lá encontramos pequenas ilhas nos nossos dias para estas felicidades bem concretas.

 

É isso que vos desejo no regresso ao dia-a-dia. E, confessem lá, Setembro também tem os seus encantos. Lembro-me bem, quando era mais novo, de sentir o cheiro dos livros novos da escola e sorrir (os meus pais, a olhar para a conta, é que sorriam menos). Em Setembro, era o tempo de me reencontrar com os amigos. E continua a ser bom voltar com força e recomeçar. Pois, assim seja: um bom regresso a casa, ao trabalho e, se for o caso, às aulas — com boas conversas, uma corrida à beira-rio, algum amor, muita música e muitos livros.

 

Amanhã vou-vos contar um segredo das minhas férias: confundi a Grécia com Portugal! Amanhã, quer dizer: se tiver tempo. Bom fim de Agosto!

A beleza do Rio

16.08.16

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Será benéfico para uma cidade e para um país organizar os Jogos Olímpicos? Não sei. Talvez não.

 

Mas parece-me estranho que, quando falamos destes jogos, tanta gente insista na pobreza do Brasil como se isso fosse impedimento para olhar com algum interesse para os jogos. Muitos partilham fotos das favelas como se tivessem descoberto hoje mesmo que elas existem...

 

Claro que é preciso lembrar aquilo que está mal no Brasil, as tremendas desigualdades e problemas sociais. Mas o curioso é que o Brasil é daqueles países que não se preocupam em esconder seja o que for. Afinal, muito do bom cinema brasileiro é sobre isso. Há canções e literatura e novelas sobre a pobreza. Os brasileiros não escondem nada, mostram tudo — e ainda fazem arte da boa sobre o assunto.

 

Ora, o que me intriga é a razão por que esta insistência aparece agora, quando não apareceu em Londres, em Pequim e em todas as outras cidades olímpicas, nenhuma delas perfeita ou sem as suas desigualdades.

 

Por que razão é o Brasil especial nisto? Por que razão tantos detestam ver alegria e beleza no Brasil como se fosse o único país com contradições e problemas? Serão especialmente gritantes nesse país? Bem, não me parece que sejam mais graves que as existentes, por exemplo, em Pequim. Mas, lá está: há países mais empenhados em esconder o que não interessa...

 

O que se passa (digo eu) é que muitos de nós estamos habituados a ver os outros países com uma ou duas palavras na cabeça. Espanha? Touros. França? Torre Eiffel. Londres? Rainha. Brasil? Favelas. Ora, isto é uma visão um pouco redutora do mundo.

 

Aproveitem para ver as cerimónias sem os simplismos do costume. Afinal, a cerimónia de abertura até foi bastante inteligente: referiu a escravatura (que outro país teve coragem para isso?), mostrou o cimento das cidades, ensinou o mundo que a história da aviação tem muito que se lhe diga, etc., etc.

 

Mas não se esqueceu do fundamental: a beleza do mundo, que o Brasil tem de sobra. Desde a dança, o parkour, a Gisele, o próprio Rio visto de cima, Elza Soares e luz, muita luz, a terminar na estranha chama feita de espelhos.

 

(O Carnaval? Também lá estava, claro. Mas como prova da maneira como vemos os outros de forma muito simplificada, ouvi alguns amigos a queixarem-se de aquilo ser «só Carnaval», quando as escolas de Samba terão estado dentro do estádio uns bons 15 minutos em 4 horas de cerimónia...)

 

Foi uma cerimónia bonita. Não chegou aos calcanhares de Londres e de Pequim? Talvez não. Mas não faz mal. O realizador da cerimónia sabe que há coisas mais importantes do que isto.

 

Sim, o mundo é um caldo de contradições: os jogos são um excesso, um custo talvez desnecessário numa cidade que o mundo já conhece. Mas estão aí e podemos tirar deles a beleza que existe e que também passa pelas ruas do Rio.

 

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Hoje estive na festa de anos dum filho duma amiga e havia crianças por todo o lado. Dos recém-nascidos aos maiorzinhos, lá estava a colecção de pequenos seres humanos a brincar, a zangar-se, a rir, a resmungar, a comer, a nadar… E é giro — tal como também é giro conversar com os pais e ver que os problemas são mais ou menos os mesmos, apesar de todas as divertidas diferenças.

 

Ora, na festa, enquanto estava sentado no meio da criançada, pus-me a pensar nas frases irritantes que todos os pais ouvem, mais cedo ou mais tarde. Nem sempre confessamos, porque temos mais que fazer do que andar a aborrecer os que nos tentam ajudar. Não dizemos, mas mordemos os lábios — e às vezes até mordemos a língua, porque percebemos que nós próprios já dissemos algumas destas frases a outros pais, antes de sabermos o que era doce.

 

Pois, aqui ficam algumas frases que irritam muitos pais (digo eu) — e ainda o que gostaríamos de responder mas não podemos.

 

1. «Ah, no meu tempo era mais difícil!»

Eh, pá! Se calhar tens razão e tiveste uma vida mais difícil do que a minha, mas comparar épocas assim sem mais nem menos não será precipitado? Se ainda por cima as coisas mudam de família para família, de terra para terra, de filho para filho… Pedia-te assim para parares com isso — principalmente se atirares a frase como crítica velada aos desabafos de circunstância: «Isto agora não custa nada e estás a exagerar!»

 

A verdade, meu caro, é que a vida dos outros é sempre mais fácil do que a nossa — porque a nossa temo-la de viver nós próprios e a dos outros é lá com eles. Não sei se me estou a explicar… Cada pai e cada mãe tem tudo para aprender e é sempre difícil. Se não for da cabeça é das pernas, mas dói sempre. Curiosamente, todos costumam que é muito bom — e isso não muda com o tempo. É o que vale.

 

2. «Ah, no meu tempo não havia cá esses cuidados todos…» 

Para lá da ironia de ver esta frase a sair da boca de quem também diz a frase anterior, a verdade é que no teu tempo (importas-te que te trate por tu?) nem todos os riscos estavam identificados e, sim, as crianças viviam de forma mais descuidada, mas também havia mais mortalidade infantil. E não estou a falar de pequenas diferenças estatísticas. Havia mesmo muito mais mortes de crianças, por vários motivos.

 

Por isso, sim, é importante não cair em exageros e aceitar que o risco faz mesmo parte da vida, mas certas protecções, certas ideias que muitos acham desnecessárias salvam vidas todos os dias. Basta pensar nas cadeirinhas dos carros ou nas protecções das escadas… O problema é que o efeito (muito) positivo dessas regras só se vêem quando olhamos para os números — é difícil saber quais as vidas que foram salvas.

 

Admito que no tal mítico «antigamente» as crianças brincavam e eram felizes, sim! Ora, hoje também brincam e muitas também são felizes — e no entretanto há menos mortalidade infantil.

 

Agora, aquilo que não muda é isto: a geração do meu filho, quando for velhinha, há-de virar-se para os netos e dizer «no meu tempo é que era bom!»

 

3. «Então e o segundo filho?»

O segundo vem depois do primeiro. Menos quando são gémeos: aí é tudo ao mesmo tempo e imagino que seja o caos. Há ainda quem só tenha um filho. Outros têm três — ou mais. O mundo é assim.

 

Agora, aquilo de que tenho a certeza praticamente absoluta — e olha que tenho muito poucas certezas — é isto: nunca até hoje um casal teve um segundo filho porque alguém lhes sugeriu isso mesmo numa conversa qualquer. Imagina como seria:

 

— Ah, então o Joaquim hoje perguntou-me se não estamos a pensar no segundo filho…

— Pois foi, a mim também me veio com essa conversa!

— Bem, sendo assim, se calhar mais vale fazer a vontade ao homem! Não quero que ele se aborreça.

— Vamos a isto, então?

— Vamos, pois!

 

E pronto. Lá vem o segundo filho por culpa do Sr. Joaquim. (Talvez fosse boa ideia o homem ajudar nas despesas.)

 

4. «Ah, eu lá em casa nunca lhe dou o telefone para as mãos…»

Sim, eu sei. Lá em tua casa é tudo às direitas e o teu filho vai sair um primor. O meu, enfim, é o que se arranja. (Bem, pelo menos vai saber mexer em telemóveis.)

 

Agora a sério: há pessoas que vêem os filhos dos outros com um telefone nas mãos e acham logo que estão sempre com um telefone nas mãos. Bolas, o meu filho joga no telemóvel, mas é só às vezes. A maior parte do tempo corre e pula e gosta de fingir que é pirata e conversa e grita e às vezes tem uma energia que nos cansa a nós. E, sim, não me importo de lhe emprestar o telemóvel, até porque às vezes é bom vê-lo sossegar. Serei criminoso?

 

Também confesso o crime de achar isto engraçado: ele já sabe mexer no YouTube, escolhe os vídeos, diverte-se e pede-me para ver com ele os vídeos preferidos. Também já percebeu que pode instalar uns quantos jogos gratuitos.

 

Já sei, não devia. A vida é para ser toda passada a tocar guitarra ao ar livre num belo kumbaya! Mas, bolas, deixa lá o puto ver um vídeo.

 

5. «Porque é que não fazes [assim] ou [assado]?»

Aqui, tenho de confessar: quase todos os culpados desta frase irritante dizem-na com a melhor das intenções. O problema é nosso, dos pais recentes. Quem teve um filho há pouco tempo está sempre extraordinariamente impaciente — impaciente com o mundo, porque o mundo lá fora importa um pouco menos. Durante esses meses iniciais, estamos concentrados no mundo mais pequeno que existe em nossa casa. O resto não importa.

 

As pessoas tentam ajudar e nós, pais ingratos, nem ouvimos nem queremos saber. E assim, como na história do Pedro e do Lobo, uma vez por outra, lá aparece uma ideia verdadeiramente útil e nós, afogados em tantos conselhos vindos de tantos lados e tão contraditórios, nem damos conta…

 

Por tudo isto, peço-te paciência para com os pais recentes: a paciência deles está toda concentrada no bebé. Mas não deixes de os ajudar, porque por mais voltas que o mundo dê, é mesmo preciso uma aldeia para que uma criança cresça bem e feliz. E a aldeia dos nossos filhos, aqui no meio das nossas cidades, são os amigos e a família — por mais frases irritantes que digam…

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