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  1. Incerteza. Os terroristas odeiam as dúvidas. Quem duvida é já um inimigo. Não há lugar para hesitações, para discussões, para conversas. O que importa é acreditar, sem desvios e acima de tudo sem dúvidas. Odeiam ainda mais a incerteza: às vezes, não sabemos o que fazer, o que dizer, como viver. A incerteza é própria das sociedades que eles consideram decadentes, inundadas de pecado, de ideias diferentes, de vidas diferentes, de discussão daquilo que não deve ser discutido. Quem está com um refém de joelhos à frente, pronto a decapitá-lo, não tem dúvidas e odeia a incerteza que o impediria de fazer aquilo que vai fazer.
  2. Ambiguidade. Sim, às vezes, nas nossas sociedades complexas, deixamos coisas por dizer, ou somos amigos de pessoas com as quais não podíamos concordar menos, ou aceitamos entrar em templos de outras religões ou discutir certos assuntos com quem não tem nada a ver connosco. Às vezes, acreditamos de forma ambígua ou vamos mudando de opinião ao longo da vida. Por vezes, usamos histórias de forma metafórica, outras vezes não temos a certeza do que dizemos — e por aí fora. Não vem mal ao mundo por isso: aliás, se excluirmos a ambiguidade do mundo, ficamos com pessoas de mente formatada, prontas a matar para acabar com com a ambiguidade do mundo. Os terroristas odeiam quem aceita esta ambiguidade.
  3. Liberdade. Qual liberdade, qual carapuça: para um terrorista religioso, o que importa é a submissão a limitadas regras, que definem para sempre como há-de ser a vida de todos nós. Sim, temos uma vaga liberdade filosófica, em que podemos escolher seguir Deus ou arriscar a perdição. Tudo o resto é libertinagem. Para a mente  extremista, o valor que algumas sociedades dão à liberdade é prova do desconcerto do mundo. Mais do que liberdade, o que importa é submeter-nos ao exacto Deus em que os terroristas acreditam. Sem ambiguidades e sem dúvidas.
  4. Modernidade. As ideias dos terroristas são, por vezes, muito recentes. O actual terrorismo islâmico está muito relacionado com a força económica dos uaabistas, uma minoria religiosa da Arábia Saudita com uma interpretação do Islão muito radical e violenta, alimentada pela sede de petróleo do mundo. São, por isso, modernos, no sentido cronológico. Mas como todos os extremistas de todas as religiões, a sua ideologia implica umregresso às origens (muitas vezes a um mundo mitificado, que nunca existiu) e uma recusa quase total do mundo moderno. Para os terroristas, o mundo moderno (que eles chamam ocidental para melhor o poderem atacar e denegrir dentro das suas próprias sociedades) está irremediavelmente perdido, com as suas ideias de democracia, respeito por todos os seres humanos, liberdade, igualdade e outros valores que fazem tanto sentido na cabeça dum terrorista como a nós a ideia de matar para impor uma determinada crença.
  5. Humanidade. Sim, para os terroristas a humanidade é um valor secundário. Para os terroristas, o importante é Deus, a sua comunidade estrita dos seguidores de Deus e a sua tribo — nunca a humanidade inteira e muito menos cada um dos seres humanos. Os terroristas são literalmentebárbaros: sabem, racionalmente, que as suas vítimas são seres humanos, mas tratam-nos como animais, como se não sentissem, não tivessem direitos, não fossem, no fundo, iguais a eles. Nós próprios temos tendência para jogar o mesmo jogo: a partir do momento em que uma pessoa se torna terrorista, deixa de ser (na nossa cabeça) um ser humano — e tornamo-nos todos um pouco mais bárbaros. No entanto, o terrorista é também humano. Esta tendência para o tribalismo, para o simplismo bruto que nos faz matar (com alegria) quem não acredita no mesmo Deus — tudo isto faz parte da história da nossa espécie desde sempre. Por isso, convém proteger esta modernidade de tão má fama, que nos vai ajudando a controlar os nossos instintos, enfeitados de pura ideologia radical, tornando-nos um pouco mais humanos, mais tolerantes para com a ambiguidade, mais preparados para viver na incerteza e com menos medo da liberdade dos outros.

Este texto foi publicado anteriormente aqui.


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