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Maria do Rosário Pedreira, no seu extraordinário blogue Horas Extraordinárias, avisa-nos para a falta de «qualidade» das leituras de hoje em dia.
A verdade é que, ainda que, em virtude da democratização do ensino, haja mais gente a ler, isso não significa que leia com o mesmo «grau qualitativo», nem com a mesma necessidade quotidiana que tinham os leitores antigos, que podiam gastar duas horas por dia a ler, sentados na sala, autores como Faulkner ou Balzac, enquanto os actuais, nessas duas horas de leitura, estarão simultaneamente a ver os e-mails que recebem, a ouvir música, a consultar o YouTube, a mandar mensagens (e por isso não estarão a ler com a mesma atenção dos pais e avós, ou seja, não estarão a reter do livro o que aqueles retiveram).
Aceito esta perspectiva, mas gostava de matizá-la:
Ou seja, tento fugir de comparar o que não é comparável: famílias que tinham biblioteca há algumas dezenas de anos (pouquíssimas, à escala do país) com todas as famílias de classe média de hoje em dia, muito mais numerosas. Para pensarmos com clareza, imaginemos o país de há 50 anos (todo ele) e o país de hoje. E imaginemos ainda, se conseguirmos, a atenção que muitos avós iletrados davam aos livros com a atenção que os seus netos lhes dão. (Que esses avós tenham percebido o valor daquilo que não tinham é prova da sabedoria dessas gerações.)
Sim: às vezes, lemos a correr e estou certo que a tecnologia pode ser uma grande distracção. Mas não é impossível ler muito e bem nos tempos que correm — e não me parece tão óbvio assim que as gerações «de antigamente» lessem melhor, no seu conjunto, do que as gerações mais novas.
(Se bem que me apetecia ter mais tempo para ler, é bem verdade.)
Artigo publicado anteriormente em www.certaspalavras.net.
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