Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Pensem no país de há 50 anos. Estávamos em 1964, dez anos antes do 25 de Abril. Pensem no país dessa altura. Um país em plena guerra, um país que ainda não tinha tombado para as cidades, um país que estava a começar a aquecer em termos económicos mas que, em comparação com o Portugal de hoje em dia, era um país do terceiro mundo. Escolham 100 jovens de 20 anos aleatoriamente nesse país rural de 1964.
Agora imaginem o país há 100 anos. Estávamos em 1914. A república tinha sido implantada havia quatro anos. Ainda não tínhamos passado por toda a Primeira República, pelo Estado Novo... Estávamos a entrar na Primeira Guerra Mundial. O país de então é praticamente inimaginável para um português de hoje. Escolham, também aleatoriamente, 100 jovens de 20 anos desse país ruralíssimo ede 1914.
Agora imaginem o país de hoje, no meio da crise e de tudo o que sabemos. Mas imaginem mesmo. E escolham 100 jovens aleatoriamente.
Destes três grupos aleatórios (insisto no aleatório e insisto que estamos a falar do país por inteiro, não as suas cidades ribeirinhas), qual lerá mais livros?
a) Os 100 jovens de 1914?
b) Os 100 jovens de 1964?
c) Os 100 jovens de 2014?
Mas sou malandro e retropublico esta nota
Devemos ter especial cuidado e aplicar um cepticismo mais rigoroso nos seguintes casos:
a) Quando a história ou notícia parece confirmar aquilo que achamos ou os nossos preconceitos.
b) Quando a história ou notícia é extraordinária ou muito improvável à partida.
O que costumamos fazer é o contrário: quanto mais extraordinária for a história, mais fácil é acreditar nela. Quanto mais confirmar a nossa visão do mundo, mais fácil é acreditar nela.
Se fizermos o contrário, se desconfiarmos especialmente daquilo em que é fácil acreditar, acaberemos com uma visão mais próxima da realidade. E, mesmo assim, desconfiem sempre!
Meus amigos: agora chegou a moda de gritar contra quem diz o suposto disparate "espaço de tempo". Ora, considerar o tempo um espaço é uma metáfora muito normal. É natural devido à forma como a nossa mente está construída. Podem ler How the mind works de Steven Pinker para perceber isso. A língua é assim: tem metáforas, tem inovações, tem formas diferentes de dizer a mesma coisa. Ainda bem!
Entreabro a porta do quarto do meu filho à noite e fico a olhar um pouco para ele, a dormir. É difícil escrever o que sinto. É qualquer coisa de físico, inscrito em mim depois de milhões de anos de evolução da nossa espécie. Mas isto, claro, são pensamentos abstractos que tenho depois desse momento, em que entro, vejo se está tudo bem, olho só mais um bocadinho, e depois saio, encostando a porta devagarinho. O que sinto é uma mistura de emoções: felicidade (palavra tão banal), medo (palavra demasiado simples), alguma força — e ainda qualquer coisa parecida com contemplação. Ou melhor, se calhar é melhor dizer doutra forma: quando estamos em contemplação ou sentimos felicidade noutros contextos, talvez isso seja, na realidade, uma imitação do sentimento bem mais primordial que nos aparece quando olhamos para o nosso filho a dormir sossegado. E pronto, um parágrafo inteiro e não disse nada que reflectisse um terço que fosse do que senti quando espreitei o meu filho a dormir e logo fechei a porta.
Uma das coisas que acho mais inacreditáveis nas imensas teorias da conspiração que por aí andam é a competência que presumem nos governos e instituições que, supostamente, nos andam a enganar a todos. Os governos não têm essa capacidade de controlo, meus amigos... Basta pensar que os EUA não conseguiram fingir que tinham encontrado armas de destruição massiça no Iraque; não conseguiram impedir as estrondosas fugas de informação de Snowden, etc.; não conseguiram criar a tempo e horas um site funcional para o novo sistema de seguros de saúde criado por Obama; e por aí fora.
Aliás, se pensarmos bem, os governos em geral tem dificuldade em governar, e se todos os políticos gostam de estar no poder, a melhor forma de o fazer seria governar bem, certo? Da mesma forma, a União Europeia tem dificuldade em manter-se unida e até o Reino Unido não sabe se será unido muito mais tempo.
Ora, tendo em conta tudo isto, há quem acredite que consigam criar conspirações manhosas para espalhar químicos pelo ar sem que as companhias aéreas se apercebam e ninguém venha cá para fora contar o que viu; há quem acredite que o 11 de Setembro foi fruto duma conspiração; há quem acredite que as vacinas são uma conspiração mundial...
Não: os governos mundiais não têm capacidade para tanto... Já agora, leiam este artigo interessante sobre como anda toda a gente a tentar improvisar e a fingir que tem a situação sob controlo. Não temos. Ninguém tem.
É verdade: as hipóteses de cada um de nós ser assassinado ou morrer numa guerra são hoje muito menores do que há 50 anos, do que há 100 anos, do que há 500 anos.
Se não acreditam, leiam:
Para quem não tem tempo para 800 páginas, têm aqui um artigo do mesmo autor.
Para quem objecções à partida ("a violência hoje é de outro tipo!"), leia as perguntas e respostas.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.