Este post vai ser um pouco armado ao intelectual. Mas, cá vai disto: a cultura é a capacidade de ver mais coisas no mundo. Agora, explico com exemplos concretos. (Continuem, porque, na minha imparcial opinião, vale a pena.)
Fui a Oxford pela primeira vez enquanto estava a ler Todas las Almas, de Javier Marías. (Isto não serviu apenas para dizer “olhem só, até leio autores espanhóis que ninguém conhece”, até porque muita gente conhece o senhor — e, depois, todos nós desconhecemos coisas que os outros acham essenciais, por isso, quem sou eu…)
Seja como for, a questão é que o romance se passa em Oxford. Enquanto andava pelas ruas, fui encontrando lugares do livro que estava a ler — e, confesso, vi muito mais coisas do que veria se não estivesse a ler aquele livro. Depois de sair de Oxford, acabei o livro e as últimas páginas passavam-se numa cidade que eu já conhecia. Esta mistura entre ficção e realidade foi um prazer muito particular. Imaginem o que é sair dum café museu e ver, do outro lado da rua, a montra à frente da qual, na noite anterior, o narrador do livro que tinha na mão encontrara uma das raparigas da história. O livro ficou mais real e Oxford ainda mais interessante. A coisa também funciona com filmes, teatro, música — e até quadros, esculturas e outros que tais. A variedade é grande, mas cada um tem as suas preferências.
Continuando: esta contaminação foi um exemplo extremo daquilo que acontece muitas vezes. Quando vamos pela primeira vez a uma cidade sobre a qual já lemos muito e na qual se passam muitos filmes que vimos, é um pouco como se voltássemos a ler e a ver esses filmes — e é também uma forma de vermos a cidade com mais atenção. Por outro lado, ler sobre cidades que conhecemos é continuar lá e aumentá-las — parece que nunca de lá saímos. (Podemos ainda ter memórias de sítios onde nunca fomos — tenho saudades de Tóquio.)
Ou seja, a cultura é uma forma de viver mais (não necessariamente de viver melhor — isso é outra história). Quem acha que a cultura é uma forma de fugir da vida não percebeu nada.
Imaginem uma pessoa que não gosta de ler, não gosta de cinema, não gosta de música — ou então gosta de tudo isto, mas nada que seja inglês. Agora imaginem que essa pessoa vai pela primeira vez a Londres. Aparentemente, encontra a mesma cidade que uma pessoa interessada, mas, no fundo, não vê quase nada. Acha tudo muito «chato», porque Londres não passa duma cidade, com mais ou menos edifícios, mais ou menos história, mais ou menos museus, mais ou menos pessoas. O mundo parece chato àqueles que são chatos — e as pessoas interessantes parecem aborrecidas aos verdadeiramente desinteressantes. (Escusado será dizer que a divisão entre uns e outros está nos olhos de quem divide, mas isso agora não vem ao caso.)