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Vamos supor — um supônhamos, portanto — que tenho um amigo que nunca por nunca roubaria um livro duma livraria ou duma biblioteca. E que esse amigo ia ao IKEA e encontrava um livro em inglês muito bom, sobre culturas europeias. E que começava a ler na loja, enquanto a família escolhia móveis. E continua a ler por aí fora, até estar a ler no sofá, em casa, por acaso comprado no IKEA?
Isto, no fundo, é roubar, certo? Terá perdão, esse meu hipotético amigo?
(Diz-me ele que o livro é, de facto, muito bom.)
A famosa loja de móveis sueco-holandesa-internacional comporta em si vários mistérios: é IKEÁ ou IKÂIA? É o IKEA ou a IKEA? Será o IKEÁ, a IKÂIA, o IKÂIA ou a IKEÁ?
Há ainda outros mistérios, que encontramos quando nos vemos com um sofá cama que tivemos de comprar de urgência para poder dormir numa casa ainda sem cama e chegamos a casa, à meia-noite, e descobrimos que o maldito sofá não vem com livro de instruções. É mais difícil montar o dito do que encontrar o Wally em Nova Iorque em noite de fim de ano!
Mas o maior mistério de todos é este: afinal, donde vêm aqueles livros todos? São edições inteiras de romances, livros de poesia e livros de referência em sueco. Percebo a necessidade de encher as Billies, mas houve um dia em que contei quase 1000 exemplares do mesmo romance pelas prateleiras fora da loja de Alfragide. Ainda tentei aproveitar as infindáveis voltinhas atrás das setas no chão para ler um pouco, mas ao segundo parágrafo já estava perdido. Não saber sueco não ajuda.
Ora bem: o autor (cujo nome não me lembro) estará convencido que vendeu milhares de livros e é famosíssimo, quando o seu romance adorna estantes das lojas do IKEA pela Europa fora?
Será que o IKEA é uma espécie de empresa de caridade para escritores pouco vendidos?
Por que raios compram tantos exemplares do mesmo livro?
Se calhar isto até dava assunto para um policial nórdico, daqueles com título do tipo Mulheres que Odeiam Homens que Amam Estantes Billy?
Não sou regular, mas uma vez por outra lá compro a Ler. Desta feita, foi por causa de Mário de Carvalho, de quem gosto mesmo muito. Comprei-a na Fnac, no sábado passado, enquanto os meus pais (que nos tinham vindo visitar), andavam a tentar ver se o meu filho dava os primeiros passos no chão pouco perigoso da livraria (ainda se pode chamar a Fnac de livraria?). Bendita alcatifa!
O meu filho lá começa a dar as primeiras passadas, mas gosta mais de cantar e de folhear livros, o que até me parece adequado tendo os pais que tem (o cantar é todo dela, que eu quando abro a boca para a música, só sai tragédia).
(Já agora, lembram-se do post sobre como descobri um dos melhores autores portugueses num livro de Português do 8.º ano?)
Nas generalizações absurdas, os europeus têm um prazer sibilino em generalizar a estupidez no caso dos americanos (como, aliás, já se disse por aqui).
Há uns tempos, descobriu-se que 25% dos americanos não sabiam bem se era a Terra que rodava à volta do Sol ou o contrário.
"Ai, esses ignorantes medievais" — apressaram-se logo a dizer alguns anti-americanos habituais.
Mas, vai-se a ver, na Europa ainda são mais os respondentes que não sabem bem à volta de que astro andamos todos...
Não fiquem já aí todos chocados com isto. Não comecem, acima de tudo, a acusar os jovens disto e daquilo. Não tenho os dados, mas se fôssemos destrinçar isto por gerações, tenho a certeza que não seriam os famosos jovens a sair-se mal na fotografia... Aliás, reparem lá nos números: estes europeus que não sabem nada de astronomia não serão os idosos perdidos pelas aldeias do interior dos 28 países, que não chegaram a tempo da explosão na formação científica e cultural dos últimos 50 anos (para lá das elites das grandes cidades, que sempre tiveram essa formação)?
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