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¶ Onde todos deixamos de trabalhar, onde todos nos enervamos sem sentido, onde todos pavoneamos vaidades ridículas, onde as discussões descem ao grau zero e tentam escavar ainda mais fundo, onde o pior de todos nós se expõe e se mostra num bonito fundo azul ensopado de porcaria.

§ Onde reencontramos amigos, onde ficamos mais perto de quem nos interessa, onde mantemos amizades mesmo em horas de trabalho, onde integramos a vida com aquilo que gostamos, onde ficamos a saber mais, a ver mais, a ler mais, a viver mais — e a viver melhor. Onde, no fundo, somos aquilo que sempre fomos, mas de forma mais intensa.

Tenho pena de não ler mais livros brasileiros. O pouco que li da literatura desse monstro além-Atlântico foi maravilhoso. Hei-de vos falar disso.

 

Agora, o que não percebo é o horror de alguns portugueses a ler em português do Brasil — ou sequer a aceder a sites em "brasileiro". 

 

Ainda agora, li uma queixa duma gentil utilizadora facebookiana porque tinha acedido a um site norte-americano, que a tinha redireccionado para uma versão em português — ou melhor, em português do Brasil. 

 

Sim, o site norte-americano devia ter, num mundo ideal, as duas versões: português europeu e português brasileiro. Mas, não tendo, decidiu que devia orientar os portugueses para a versão em português. Ai, o horror!

 

A portuguesa queixosa escreveu uma carta à dita empresa, alegando que:

 

a) É ofensivo para um português ser redireccionado para um site em português do Brasil.

 

b) O português do Brasil e o português de Portugal são muito mais diferentes do que o inglês americano vs. inglês britânico.

 

c) Tendo de escolher, o site devia ser sempre em português europeu, porque é a "raiz" e a "fonte" do outro português.

 

Compreendo a dor, mas deixem-se de lamúrias que, aos olhos dos estrangeiros, só mostram pequenez. Pois:

 

a) Percebo que queiramos uma versão na nossa própria variante e, se a empresa estivesse a agir directamente em Portugal, seria um erro crasso publicar textos em "brasileiro" (até porque os portugueses são, de facto, ultra-sensíveis a esta questão). Mas achar ofensivo (!) que uma empresa norte-americana nos redireccione para um site em português (mas não no exacto português que preferimos) é um pouco exagerado.

 

b) Em termos linguísticos, o português de Portugal e o português do Brasil são duas variantes da mesma língua, com diferenças que não são assim tão incomparáveis às diferenças entre o inglês britânico e o inglês americano. A grande diferença é que há muito mais contacto entre os dois ingleses. Aliás, as duas normas cultas (portuguesa e brasileira) estão muito mais próximas, na escrita, do que poderíamos pensar, como é fácil perceber lendo um livro de ciências sociais em português do Brasil, por exemplo (vejam o exemplo abaixo, dum livro brasileiro sobre, exactamente, as diferenças entre as duas variantes — se ignorarem os tremas, o blurb passaria por texto português de Portugal...). 

 

c) Ora, nisto da raiz e da fonte... Tanto nós como os brasileiros partimos duma base comum, e ambos os lados mudaram a língua — há quem diga que nós até fomos mais longe nas mudanças: por exemplo, no som "chchch" na leitura do "s" final das sílabas, que Camões dizia "ssss". Andarmos a discutir onde está a fonte rapidamente descamba em discussões sobre a pureza e a propriedade da língua, e acabamos todos a ter de dizer que falamos galego.

 

Nós somos portugueses, falamos português — e a nossa língua é muito mais do que a nossa variante europeia. É tudo o que está dentro dessa grande língua, de que devemos estar orgulhosos. Não se ofendam tanto — e leiam mais, em português dum e doutro lado. Só temos a ganhar — e nada a perder.

 

 

 

Já aqui falei de Stephen Fry, esse génio do humor inglês. Há uns tempos, li esta autobiografia magnífica, que nos transporta pelos bastidores de alguns programas que todos nós adoramos — e de repente também nós nos sentimos a estudar em Cambridge, a humorar em Edimburgo, a falar descontraidamente com Emma Thompson, a participar nas gravações de Chariots of Fire.

 

 

Por falar em Emma Thompson, e já que estamos quase nos óscares, fiquem com este episódio, em que um jornalista pergunta a Kim, um amigo comum, o que acha do óscar de Emma (em 1992):

 

 

 

Pronto, não é bem umas Levis dentro dum livro.

 

O que se passa é que ando, às vezes, a folhear os livros aqui de casa, à procura de tema para este blog, e no outro dia encontrei uma factura dumas Levis de há 11 anos. Dentro de Mrs. Dalloway, que andava a ler por esse Abril antigo. Foi mais ou menos pela altura que relatei neste outro post.

 

Ora, uma factura dumas Levis. Que interesse poderá ter isto? 

 

Para vocês, provavelmente, nenhum. Mas para mim, tem muito.

 

Foi a minha compra maluca dessa altura. Umas Levis por 18 contos! (A factura já vem em euros, mas na altura em não pensava em euros e registei o valor em contos; hoje já não sei bem quanto é 18 contos.)

 

Nunca mais fiz tal maluqueira com uma peça de roupa.

 

Ainda por cima, umas Levis meio rasgadas, e sujas de propósito (ai, maluco), que levaram a minha avó a declarar que me podia lavar as calças se eu precisasse (ai, rebelde). 

 

Fui comprá-las com amigas minhas, que queriam empinocar-me para ver se convenciam uma outra amiga que eu era um bom partido, apesar do ar de caladinho caixadóculos enfiado em livros — e convenceram-me que as calças eram um bom investimento, pois ficam-me especialmente bem. 

 

Ora, essa outra amiga, quando me viu armado com essas roupas novas, incluindo as tais Levis, fez a maior cara de WTF que já vi na vida. Não foi por aí. 

 

Mas não deitei as calças fora, claro. Foi o momento em que comecei a perceber que vestir-me sem ser apenas para tapar as partes pudendas poderia ter algum interesse. Foi um grande ano, esse, em que houve muito disparate e muita infantilidade, mas que ainda hoje me parecem dias tirados dum livro ou dum filme qualquer.

 

É muito estranho isto: quando queremos dizer que houve uma altura da vida em que nos sentimos especialmente vivos, dizemos "parece um livro" ou "parece um filme". O que será que isto diz dos livros e dos filmes?

 

Fico-me por aqui. As Levis aqui continuam, impecáveis, 11 anos depois. Sempre foi um bom investimento.

Ainda no domingo passado um comentador deste blog ao vosso dispor escarnecia dos estrangeirismos, o que é normal e se calhar, vai-se a ver, até é saudável. Não sei. Por mim, acho interessante até fazer água na boca a forma como as línguas não viram as costas umas às outras e andam por aí a fazer o amor até em títulos de blog como, por exemplo, o magnífico híbrido anglo-francês (e, no fim de contas, português) Mood du Jour. Ah, bliss...

publicado às 15:20

Meus amigos, não sei se já vos tinha dito, mas não gosto muito do acordo ortográfico. Porquê? Porque foi imposto numa altura em que praticamente toda a população sabe ler e escrever e, por isso, é muito mais "violento" do que a reforma de 1911 (embora imponha muito menos alterações), porque não serve para nada — e porque tem alguns defeitos científicos. Depois, na realidade, defendo que a ortografia não deve ser regulada por lei, à semelhança do que acontece em línguas como o inglês. Deverá ser regulada de forma convencional, como o foi até ao século XIX. Regular a ortografia por lei só serve para nos chatear a cabeça, sem qualquer vantagem.

 

Mas, atenção: o acordo é apenas uma reforma entre muitas que se fizeram no português e nas outras línguas vizinhas. Não é o bicho-papão que muitos querem fazer crer e, acima de tudo, não é uma imposição do Brasil a Portugal (a ortografia brasileira também muda: perde um acento, por exemplo — o trema). Por isso, custa-me que as pessoas que são "do meu campo" (contra o acordo) caiam em exageros, como dizer que o acordo leva a "corte de raciocínio", que "ficámos aleijados", que leva a uma "descida do nosso nível cultural", que vamos ficar "deficientes linguísticos" (tudo incluído no artigo do Público de Maria Alzira Seixo). Tudo isto é um exagero, porque não ficamos mancos de raciocínio (profissionalmente, tenho de escrever de acordo com o AO e não sinto qualquer dificuldade acrescida de raciocínio), não ficamos deficientes linguísticos, não descemos o nosso nível cultural ao escrever de acordo com o Acordo. Simplesmente, mudamos de ortografia sem razão e sem grande sentido, o que não é coisa pouca.

 

Não gosto do Acordo Ortográfico, mas também não acho que tudo valha na corrida retórica para dizer mal do dito.

 

Adenda: Não sei se sabem, mas a ortografia imposta por lei nunca impõe nada em relação a blogs e quejandos. Na nossa vida privada, podemos escrever como quisermos. Até podemos escrever com erros, vejam lá! Ou na orthographia mais antiga...

A primeira é a incontornável Lello, no Porto. Deixo-vos com um panorama a 360º. 

 

Fonte: http://www.360portugal.com/Distritos.QTVR/Porto.VR/vilas.cidades/Porto/a5_lello.html

 


 

A outra é mais vagarosa, ali para os lados de Alcântara, a Ler Devagar:

 

Fonte: http://pocketcultures.com/2013/02/06/lx-factory-in-lisbon/

publicado às 11:12

Ainda não vos falei aqui dum livro quase inevitável para alguém como eu: As Cidades Invisíveis de Italo Calvino.

 

Enquanto não chegamos a essas invisíveis, fiquemos pelas visíveis, como esta Nova Iorque, fotografada por Serge Semenov, que encontrei aqui (este último link vale muito a pena). 

 


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