Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Este é um livro que já devia ter lido todo:
Enquanto Lisboa Arde, o Rio de Janeiro Pega Fogo, Hugo Gonçalves
E digo-vos que ia todo embalado, mas um dia vou a casa dos meus pais e esqueço-me dele em cima da mesa da sala.
Depois, outros livros meteram-se pelo caminho e o dito vai ficando para trás.
Mas o erro é meu. O livro é uma surpresa absoluta. Deixa-nos aterrados perante a beleza da linguagem, que não está para purismos lusitanistas, mas mistura o português do Brasil e o português de Portugal de maneira a deixar aterrados os puristas da língua portuguesinha e a deixa maravilhados quem gosta mesmo da nossa infame língua.
Vejam só este pedaço:
Enquanto escritor, é uma graça ter duas versões da mesma língua. Mais ou menos como dormir com duas irmãs ao mesmo tempo: tantas são as possibilidades.
Não sei se conhecem Jorge Buescu. Se não conhecem, corram a conhecê-lo.
É um professor de Matemática, o que em certos ambientes é suficiente para matar o ambiente e deixá-lo com a reputação de rastos. Mas não tão quadrados. A matemática é, na realidade, muito interessante.
Leiam, para começar, este livrinho que já vai para 11 anos:
Com um estilo leve, mas rigoroso, o autor explica-nos alguns mistérios comuns, que são esclarecidos pela ciência, como o tal mistério do Bilhete de Identidade.
Não me vou alongar muito a puxar-vos para este livro, mas posso contar-vos que ele me deixou, há 10 anos, com a pulga atrás da orelha em relação a Karl Popper. Afinal, o filósofo da ciência é muito importante para perceber o que é a ciência:
Com este bocadinho de texto, tive de encomendar logo este calhamaço:
O resumo do calhamaço é impossível de fazer, mas se quiserem ficar também com a pulga atrás da orelha, convém saber que a ciência não anda a tentar provar seja o que for, mas sim a testar teorias, ou seja, a tentar falsificá-las.
O conceito é complexo e não deixa de ter os seus problemas, mas está relacionado com um princípio mais genérico do pensamento racional: quando temos determinada ideia, se queremos mesmo chegar mais perto da realidade, em vez de procurar os casos que confirmam a nossa teoria, devemos procurar os casos contrários, para ver se as nossas ideias se aguentam. Devemos testar o que pensamos.
Já agora, para os mais intelectualmente maladros, vejam bem o que está por baixo do pobre Popper e digam lá se não está com umas companhias duvidosas em termos científicos...
Há pessoas que acham que tudo é chato. Chatíssimo. Sempre que começamos a falar dum assunto que achamos interessante, começam a suspirar e a dizer que isso não interessa nem ao Menino Jesus, nem ao Pai Natal, nem a Zeus nem a qualquer outra divindade, incluindo eles próprios, que têm sempre um gosto divino.
O que não percebem é que pessoas interessantes costumam achar quase tudo interessante. Até, por exemplo, um estudo sobre a plantação do arroz no nordeste da China — desde que permita aprender muito mais sobre a China e sobre a biologia das plantas e sobre alguma coisa que não se sabia antes.
Os que acham que tudo é chato são os grandes chatos desta vida.
Todos nós temos muita qualidade na boca. É qualidade para aqui, qualidade para ali, o que importa é a qualidade, a quantidade nem por isso, os que ligam à quantidade não sabem o que é realmente bom, e por aí fora numa avalanche de amor pela qualidade.
Mas, ora bem... Primeiro, todos estamos convencidos que sabemos perfeitamente bem o que é a qualidade.
Na realidade, há qualidade para todos os gostos — e, permitam-me o atrevimento, a melhor maneira de garantir que encontramos aquilo que nós achamos bom (ou seja, a melhor forma de encontrar qualidade) é garantir a quantidade.
Em segundo lugar, a quantidade é uma forma testada de obter qualidade.
Vou tentar ser mais explícito. Países ou línguas com grande quantidade de pessoas, de leitores, de escritores irão produzir — quase por mera necessidade estatística — um bom número de escritores (ou o que se quiser) de qualidade.
E esta qualidade, que nasce do caldinho de quantidade, acabará por ser aproveitada por todos — por toda a imensa quantidade de gente.
Assim, um país como Portugal, que fala uma língua falada, tecnicamente, por 200 milhões de pessoas, mas que para os efeitos práticos se reduz aos nossos queridos 10 milhões (porque andamos todos de costas voltadas na tão badalada e tão ignorada lusofonia), acaba por ter uma limitação quantitativa ao surgimento de muita qualidade.
Não há uma relação absoluta entre quantidade e qualidade, obviamente — mas a quantidade é uma das melhores formas de conseguir a tal qualidade que todos procuram.
Também por esse motivo há tantos bons escritores em espanhol, em inglês, em francês, em alemão, em italiano, e menos noutras línguas. Se juntarmos as línguas menores, claro que vamos conseguir um bom número de bons escritores. Mas o magma de escritores em grande quantidade das grandes línguas permite garantir que vamos ter obras-primas em grande... quantidade.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.