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Reparem neste início de post d'O Arrumadinho: 

 

"Só para acabar com este tema das praxes, queria acrescentar algumas coisas, em resposta a comentários aqui deixados. Como sempre, o que digo é apenas a minha opinião, [1] que não penso ser mais válida do que qualquer outra - é apenas a minha maneira de ver as coisas. [2] Respeito quem pensa de forma diferente, mesmo que discorde totalmente do que essas pessoas defendem."

 

Este discurso é típico — e necessário, porque uma das coisas que mais me irrita por essa internet é a forma violenta como todos andam a discutir, sem nunca saírem do casulo das suas próprias opiniões. Discutimos como se os outros fossem uns crápulas só porque não pensam como nós. Vamos lá ter calma...

 

Mas, vamos lá ver isto de forma um pouco mais fria.

 

Em relação à expressão [2], nada a dizer. Temos mesmo de respeitar os outros e o direito de expressarem as suas opiniões. Temos ainda de fazer o esforço de ouvir e considerar seriamente o que dizem, sem recusar à partida uma opinião que desconhecemos.

 

Em relação à expressão [1], aí já não concordo. Se temos determinada opinião, essa opinião não pode ser apenas expressão da nossa individualidade, como se fosse uma jóia ou uma roupa nova. Temos essa opinião porque achamos mesmo que é mais válida do que as opiniões concorrentes. Ou seja, ou bem que achamos que a praxe tem de ser proibida ou achamos que não — e normalmente temos argumentos racionais para sustentar a nossa opinião e devemos estar abertos a ouvir os argumentos dos outros e — aqui a porca torce o rabo todo — devemos estar disponíveis para mudar de opinião se, racionalmente, chegarmos à conclusão que devemos mudar de opinião — caso contrário, os nossos debates são uma conversa de surdos (bem, presumo que os surdos conversam tão bem ou melhor do que nós, mas, enfim, aqui fica a expressão corrente).

 

Sim, é verdade, isto não tem nada a ver com o que acontece quase sempre. Normalmente, uma pessoa arranja uma opinião e nunca mais a larga, como se aquela opinião fosse parte do seu ser e mudar de opinião fosse algo inconcebível — e normalmente um debate é visto como algo violento, porque os outros estão a tentar mudar a nossa querida opinião, já viram isto? ("Deixem-me lá sossegado com as minhas opiniões, por favor!")

 

Sim, não tem a ver com o que acontece, mas é o que acho que devia acontecer. É a minha opinião, lá está...

 

Não se enganem: respeitar a opinião dos outros não é dizer que essa opinião vale tanto como a nossa. Se calhar até vale mais (o outro pode ter razão). Mas se duas opiniões são incompatíveis, temos duas hipóteses: uma delas está errada ou estão ambas erradas. Mais vale procurarmos qual é o caso, em vez de dizermos que são ambas válidas (o que é válido é o direito de todos a expressarem a opinião, válida ou não — duas opiniões incompatíveis não podem ser ambas válidas).

 

Não se me expliquei bem... E se concordam...

Bolas, fiquei a sentir-me um bocado mal com o post anterior. Não quero que pensem que me andei a armar em chico-esperto com um senhor de 70 anos. Sim, às vezes ficava irritado com as opiniões dos meus avós, mas quem não fica? É normal. Eles também não parecem gostar por aí além de algumas opiniões "de agora". É mais do que natural.

 

O facto de ter um avô que me perguntava coisas só mostra a inteligência do avô, e diz pouco da esperteza do neto. Afinal, é melhor fazer boas perguntas do que balbuciar umas respostas mal amanhadas. 

 

E o meu avô lá ia fazendo boas perguntas: porque não caem os astronautas cá em baixo, porque não falamos todos a mesma língua, etc. e tal. O que só mostra como era inadequada a educação "de antigamente" para responder à curiosidade dos alunos — e como essa curiosidade não morre mesmo 70 anos depois. 

 

Ora, o meu avô, se faz perguntas, também conta imensas histórias. Já pensei, aliás, fazer um blog só com as histórias que o meu avô conta. Como não há tempo para tudo (nem para o que já se faz), vou aproveitando este canto dos livros para isso.

 

Uma das histórias mais deliciosas é esta (espero não estar a acrescentar muitos pontos — e espero ainda mais não estar a retirar muitas vírgulas):

 

Durante a II Guerra Mundial (sim, quando ouvimos os avós, até parece que estamos a mergulhar num filme), caíam por vezes alguns aviões americanos na costa portuguesa. Ora, numa dessas quedas, o piloto safou-se e foi resgatado pela população da freguesia do meu avô, que tem umas quantas praias. Levaram o americano, assustado (e provavelmente molhado) ao café mais próximo, para que pudesse comer. 

 

Parece-me tipicamente português: o que se faz a um piloto americano que aparece numa praia? Leva-se para o café. Pode ser que até goste de dominó.

 

Enfim, dominó não jogaram, mas perguntaram-lhe o que queria. Imagino a cara do americano com um círculo de portugueses dos anos 40 a perguntarem-lhe: "mas o que é que o senhor quer?" "Apetece-lhe o quê?" "Vai um bagacinho?" "Isso o homem quer é um bife!" — e por aí fora.

 

Foram-lhe oferecendo coisas, que o americano, por uma razão ou outra, ia recusando. Não queria nada. Nem vinho, nem bife, nem água.

 

Até que aparece o doido da terra e diz: "o homem quer é um galão." 

 

Todos se calam, o dono do café tira um galão, e o americano olha-o com olhos de agradecimento profundo, bebendo o leite com café bem quente como se fosse o maior desejo da vida dele.

 

É isto.

 

Pronto, o meu avô conta isto melhor do que eu. 

 

Mas já perceberam o que se ganha em conversar muitas vezes com os nossos avós...

 


 

E agora, uma imagem para ilustrar o post.

 

O problema é que não encontrei uma imagem dum avião americano despenhado numa praia portuguesa durante a II Guerra Mundial.

 

Pela internet fora, só um avião alemão... Enfim, é melhor do que nada. Aqui fica:

 

Fonte: http://diasquevoam.blogspot.pt/2006/01/praias-e-guerra.html

 

publicado às 18:01

Uma vez fui visitar Conímbriga com o meu avô e os meus pais. A viagem foi curiosa, mas já sabemos que visitar ruínas romanas exige sempre alguma concentração: é preciso um trabalho de imaginação para reconstruir na nossa cabeça o que ali estava — e o que ali estava era uma civilização de há 2000 anos (ia dizer "atrás", mas ainda levava uma traulitada). Uma viagem em família não é o ambiente ideal para essa reconstrução mental e para chegarmos àquele clique em que pensamos, bolas, havia aqui gente que tinha uma sociedade inteira e sólida e, entretanto, tudo acabou e veio a Idade Média e tudo e tudo...

 

(Isto faz-me lembrar a viagem de finalistas da faculdade, à Tunísia, em que fui com uma turma que não era formalmente a minha, por razões que agora não vêm ao caso, e, na visita a Cartago, ficámos boquiabertos com aquilo — porque aquilo era quase nada... Talvez volte um dia a falar dessa mítica viagem.)

 

Portanto, lá fomos até Conímbriga. Lembro-me de pouco mais, mas lembro-me duma conversa com o meu avô, que devia ter uns 70 anos por essa altura.

 

Perguntava-me o meu avô como era possível aos historiadores saberem seja o que for sobre aquela gente que por ali andava — afinal, como ele explicava, na vila dele nem a geração dos avós dele (meus tetravós) tinha registos completos... Perguntava-me a mim, porque, supostamente, eu era um gajo muito sabido de História (o meu sonho entre os 10 e os 17 anos era ser historiador). Lá balbuciei umas explicações, mas era difícil em poucos minutos dizer fosse o que fosse sobre o método da História, sobre o Império Romano, etc. e tal.

 

Agora, não me interpretem mal: o meu avô é uma pessoa inteligentíssima. E com esta pergunta mostra um cepticismo bastante saudável. Mas fez a escola primária nos anos 30, e não me venham com histórias: antigamente é que não era bom.

 

(Não me interpretem mal também noutra coisa: hei-de vos contar várias conversas com o meu avô em que parece que ele pergunta e eu tento responder. Mas, não se esqueçam, a questão é que eu tive a oportunidade de seguir pela escola fora, também por causa do meu avô, e há coisas um pouco mais teóricas em que me sinto mais à vontade. Mas nem por sombras sinto que sei mais do que o meu avô que tem hoje 85 anos. É impossível. Podemos não saber das mesmas coisas, mas 85 anos são melhores do que muitos anos de leituras para se saber coisas que só nessa altura saberemos o quão importantes são.)

 

Ora bem, isto agora enrolei-me um bocadinho, mas vocês percebem. Adiante.

 

Na mesma viagem, mas já de regresso, falamos sobre as idades das pessoas. Digo ao meu avô que hoje vive-se, em média, mais anos do que "antigamente", seja lá isso quando for.

 

O meu avô franze a testa: "Então, mas na Bíblia falam de pessoas com 800 e 900 anos."

 

Ups.

 

Eis-me perante o Grande Choque de Gerações. 

 

Tento dizer que isso seria simbólico, ou algo assim. Quase que me atrevo a dizer que o Adão, se calhar, vamos lá ver, pois bem... Se calhar é uma espécie de história. Resposta do meu avô: ou se acredita ou não se acredita. A Bíblia é para se acreditar, ponto final.

 

Fiquei calado, confesso. Em Portugal, ao contrário dos E.U.A., nunca me pareceu que a religião fosse impeditiva de as pessoas acreditarem nos factos científicos. Afinal, lembro-me de ter Religião e Moral na escola e de ter uma professora que nos explicou a evolução darwiniana não para "dizer mal", mas para provar que o Antigo Testamento só podia ser metafórico, mas nunca literal, porque a ciência já tinha demonstrado que a Bíblia não era uma descrição literalmente verdadeira.

 

Com esses professores assim tão desempoeirados (se calhar fui eu que tive sorte), esqueci-me que, do fundo do sistema de ensino do Estado Novo, foram educadas gerações habituadas a um ambiente em que a Bíblia era uma Verdade absoluta e sagrada. Antigamente não era mesmo nada bom... (Também, há que dizer em abono da verdade, aprenderam outras coisas válidas. Mas isso agora não vem ao caso.)

 

Reparem: o meu avô tem o instinto céptico que o leva a duvidar dos achados arqueológicos de Conímbriga. Mas há ideias que são sagradas, também porque estão envolvidas numa série de recordações (as missas, a catequese, a escola de há muitos anos) que implicam uma ligação emocional forte a essas ideias. 

 

Não pensem, aliás, que esse problema é exclusivo da geração dos nossos avós. É muito fácil todos nós cairmos em certos engodos: a astrologia, a homeopatia e essas interpretações literais de textos religiosos (e um grande et caetera). É tão fácil porque estamos pouco alerta para os erros dessas ideias. São ideias que sabem bem, são confortáveis, parecem fazer sentido e as pessoas que nos explicam estas coisas são muito simpáticas e, por vezes, importantes para a nossa vida. Confiamos nelas. Toda a vida acreditámos e, por vezes, parece que não acreditar é trair não essas ideias mas as pessoas que no-las transmitiram.

 

Já a ciência parece ser uma coisa mais fria e um pouco desmancha-prazeres. (Ah, mas pode não ser...)

 

Enfim, não há muito a dizer nem a fazer quanto a estes desencontros geracionais. O meu avô de 85 anos há-de ter mais sabedoria do que eu para lidar com situações como estas — e o certo é que nunca deixámos de falar, mesmo com esta barreira que outros acham intransponível.

 

(E se estão a rir-se da ingenuidade do meu avô, pensem em quantos amigos vossos acreditam nos horóscopos e parem lá de rir, se faz favor.)

 

E lembrem-se que teremos todos muita sorte se, aos 85 anos, ainda tivermos vontade de aprender.

 

 

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Conimbriga.jpg

 

publicado às 15:20

Lembram-se quando, no início do ano (parece que já foi há tanto tempo!), vos contei que comprei o romance 1984 pela segunda vez?...

 

Achei que seria engraçado dar-vos a conhecer a minha primeira edição, que tinha para aqui para o meio das estantes. 

 

Uma é uma edição inglesa, outra americana. Para lá da leitura do romance em si, vou divertir-me a tentar perceber as diferenças. 

 

Sim, eu sei, parece que não tenho mais nada para fazer. Mas tenho, e não é pouco. Só que um geek dos livros precisa de ter algo para entreter a cabeça...

 

 

 

Mesmo ao lado, porque a minha biblioteca é um pouco caótica, mas por vezes os livros do mesmo autor lá se encontram à esquina, encontrei isto:

 

 

 

Não faço ideia há quantos anos comprei isto.

 

publicado às 12:30

Conhecem boas livrarias na zona oriental de Lisboa?

 

publicado às 12:13

Nunca li a Guerra e Paz, mas uma vez comprei um exemplar em inglês, da Penguin (da famosa colecção de que já vos falei) só porque me pareceu ter a melhor relação quantidade de palavras / preço possível numa loja em Portugal...

 

 

 

 

E, pronto, agora é uma questão de ler. Também comprei há pouco tempo: foi só há 15 anos...

publicado às 08:50

Como não tenho mesmo tempo para tudo, acabei de programar não a semana inteira, mas uns quantos posts para amanhã. Assim, garanto que tenho a cabeça bem concentrada no trabalho, que se avizinha muito e complicado, como quase sempre à segunda-feira. 

 

Desta forma, sei o que vai ser o dia de amanhã. Isto nem o vosso melhor astrólogo consegue!

 

Preparem-se para ouvir falar da Guerra e Paz e de como era possível comprar 1300 páginas por 410$00 no final do século passado (esta forma de representar o dinheiro já parece tão antiga, e no entanto vivemos tantos anos com ela...). Vamos visitar Conímbriga. Vamos falar da Bíblia — e ainda das conversas com o meu avô, do sistema educativo do Estado Novo e ainda de aviões americanos despenhados nas praias de Portugal durante a II Guerra Mundial.

 

Espero que gostem. Vou agora deixar-vos sozinhos com o blog, vejam lá se levam a passear, que um dia inteiro sem o dono ainda é capaz de o deixar desorientado. Obrigado!

 

(E, agora, ao trabalho.)

 

publicado às 00:12


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