Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Já alguma vez preferiram ficar em casa a ler a sair à noite com os amigos?
Qual a coisa mais irritante que vos disseram sobre livros?
O blog tem sido um vício agradável, mas tem tido um efeito perverso: tenho tido menos tempo para ler...
Este fim-de-semana vou tentar recuperar — e como vou de viagem para a terra da minha mulher, não vou ter nem tempo nem ligação internética suficiente para actualizar aqui o meu companheiro de forma muito regular.
Mas para não vos deixar sozinhos, que já não passam sem estas manias (ironia, ironia...), vou programar o Sapo para ir lançando por aqui umas perguntas sobre livros.
Pode ser que alguém ache por bem responder.
Até segunda e bom fim-de-semana, com muitos livros!
Bolas, tenho vários posts começados e várias ideias que quero trazer para aqui, mas os dias são todos diferentes, e os assuntos aparecem e passam para a frente da fila, deixando os outros posts em estado de rascunho e a murmurarem "isto só neste país!", enquanto o post novinho em folha faz de conta que não é nada com ele e chega-se à frente para ser publicado.
Pois, o certo é que hoje não posso deixar de falar de neve. Não porque tenha visto neve a cair, porque não vi (aliás, como vou explicar, nunca vi tal coisa em Portugal). Hoje foi dia de granizo, que deixou Lisboa com uma cobertura branca que parece fazer mal aos dentes.
A coisa é estranha: chove, e todos resmungam. Cai qualquer coisa que parece neve, e até os jornalistas começam a brincar. (Ainda há pouco, na SIC, um jornalista perguntava a um trabalhador da Câmara se não achava isto giro, e o trabalhador, que tinha de ir limpar este granizo todo, fez aquele ar "este gajo é maluco" e disse: "sim, as pessoas acham giro"... "Pessoas", entenda-se, significa "esses gajos que não têm de limpar esta porcaria toda".)
Digamos que o granizo é a neve que temos, e este é o país que temos, e por isso vamos falar de neve que um post sobre granizo é bem menos interessante.
A minha relação com a neve é curiosa: quando era novo vi neve muitas vezes, mas neve caída, não propriamente neve a cair. Ou seja, fui muitas vezes com os meus pais à Serra da Estrela, essa montanha privativa dos portugueses, fiz muito sku, que ski não era para nós, mas ver a coisa em si a cair não vi. A neve, na minha cabeça, foi ficando coisa de filmes, de outros países, de fantasia — cai neve em Nova Iorque, talvez Londres, nos Natais dos filmes, com lareiras, um manto branco lá fora, e nós aqui a contar histórias, a ler um livro, abraçados debaixo das cobertas. Algo assim. Neve em Portugal, só a neve que alguém põe lá na Serra da Estrela.
Ora, quando tinha aí uns dez anos, fiz uma coisa rara: fui passear sem os meus pais — só para poder ver nevar. A minha avó paterna ia à Serra da Estrela (já não me lembro porquê), os meus pais tinham de ir passar o fim-de-semana a Leiria (também já não me lembro porquê) e como se avizinhavam dias de neve (segundo os senhores do tempo), pedi a todos (pais e avós) para ir à Serra, que Leiria já eu conhecia e bem — e lá nunca neva.
Lá fomos. Ficámos numa hospedaria de freiras, na Covilhã, se bem me lembro — e não me lembro de mais nada. A Covilhã é muito bonita, mas fui lá tantas vezes que não sei se alguma das memórias é dessa viagem específica.
Do que me lembro bem foi do que não aconteceu. E o que não aconteceu foi nevar...
Minto. Também me lembro muito bem dum telefonema dos meus pais.
— Então, filho, estás a gostar?
— Muito...
— Já viste nevar?
— Não.
— Ó... É pena. Olha, aqui em Leiria está a nevar.
Se eu dissesse asneiras aos dez anos ao pé dos meus avós, teria dito coisas muito feias.
Pois passaram anos e continei sem ver nevar.
Curiosamente, casei-me com uma rapariga que também nunca tinha visto neve a cair. Ora, levei a coisa para o romântico: nunca tínhamos visto nevar porque estava escrito nas estrelas que teríamos de ver nevar, pela primeira vez, os dois, juntinhos. Afinal, se até trabalhamos juntos, passamos férias juntos, vamos para o trabalho juntos, vamos para a Serra da Estrela juntos, etc., nem era preciso estar escrito nas estrelas: a estatística estava a nosso favor.
Mas as estrelas (e a estatística) são lixadas.
Tivemos um quase-quase quando um dia neva em Lisboa, aí há uns 7 anos (não me lembro bem e não tenho tempo para investigar agora). Pois as televisões diziam "está a nevar em toda a cidade" e só me apetecia telefonar e dizer "ó meus amigos, vejam lá bem o que dizem, porque em toda a cidade não está certamente, que estou a olhar pela janela, e neve é coisa que não está a cair, ok?" (Para ser rigoroso, o sítio onde moro não fazia (ainda) parte do concelho de Lisboa. Mas nunca pensei que a neve ligasse a esses preciosismos das divisões administrativas de Lisboa.)
Portanto, a coisa estava difícil. Tinha, no entanto, uma consolação: iria ver nevar junto da mulher da minha vida.
Eis se não quando tenho de ir com o meu irmão a Inglaterra. Isto em Outubro. Não sei se conhecem bem a meteorologia britânica para lá dos lugares comuns, mas não é habitual nevar em Outubro.
Excepto quando eu vou lá.
Fomos a Cambridge, fizemos o que tínhamos a fazer (há-de ser o tema dum próximo post) e estávamos a caminho de Londres, de comboio, à noite, quando começa a nevar.
Nos únicos dois dias da minha vida (dos últimos 10 anos) em que não estava com a minha mulher, depois de 28 anos sem ver nevar — vejo, por fim, caírem flocos de neve nas minhas mãos.
Saímos do comboio e fiquei que nem uma criança, num qualquer apeadeiro inglês, à noite, perante o olhar intrigado dos ingleses.
Telefonei à minha mulher, que ficou um pouco triste. Mas pronto, a vida é assim, há coisas (bem) piores.
Algum tempo depois, já com o meu irmão a viver em Inglaterra, fui visitá-lo. Aí, sim, a minha mulher viu nevar pela primeira vez. Sorri complacente, do alto da minha sabedoria de pessoa que já tinha visto nevar.
Nessa viagem acabei por ter de fazer algo que nunca pensei possível: conduzir a nevar ao contrário. Aliás, conduzir ao contrário, a nevar (maldita sintaxe!). Quem diria… Conduzir em Inglaterra é uma experiência e tanto, então com neve, não vos digo nem vos conto. Ou melhor: vou dizer-vos e vou contar-vos, mas não será hoje.
Anos passaram. Continuei sem ver nevar… em Portugal. E bastava passar a fronteira... Por volta de 2009, quando estava a passar umas semanas no Porto, por motivos profissionais, decidimos ir dar uma volta pela Galiza para descomprimir. Pois, estávamos nós na auto-estrada galega quando cai uma tal borrasca de neve e vento que os carros tiveram de parar todos. Voltámos a Portugal e o sol à nossa espera, que ver nevar no meu país é que não pode ser.
Portanto, ainda hei-de ver nevar pela primeira vez de mãos dadas com a minha mulher. Só tenho de especificar "em Portugal". É um romantismo mais patriótico. Enfim, o que tem de ser tem muita força, mesmo que bata leve levemente.
Fontes:
Foto 1: http://astropt.org/blog/2012/02/14/neve-em-lisboa-vagas-de-frio-o-que-aconteceu-ao-aquecimento-global/
Foto 2: http://www.wallpaperup.com/122085/5_centimeters_per_second_the_train_station_snow_japan.html#maximize
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.