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... podemos sempre começar por alguns bons livros portugueses de Ciência.

 

Uma ideia é Curiosidade Apaixonada, de Carlos Fiolhais.

 

A colecção é (quase que diria "obviamente") a Ciência Aberta, da Gradiva.

 

(Num post futuro hei-de vos falar de Cosmos, um dos livros da minha vida.)

Sou pai dum menino e filho mais velho dos meus pais e, assim, de acordo com os últimos estudos (sobre a beleza dos progenitores das meninas e sobre a inteligência dos irmãos mais velhos) que andam por aí na boca do mundo, devo ser um bocado para o mal parecido e bastante inteligente. Alguns amigos meus concordarão e tendo a aceitar a primeira afirmação, mas quanto à segunda digo já que não concordo. 

 

Mas, sim, foram divulgados estudos em que parece haver uma correlação entre a beleza dos pais e o nascimento de meninas (pais mais bonitos, mais meninas) e outro em que surge uma correlação entre ser filho mais velho e ser inteligente.

 

Ora, não é preciso ir ver os estudos (mas façam-no, por amor de Deus), para dizer o seguinte:

 

a) Isto são estudos isolados. Estas verdades científicas, que são sempre provisórias, surgem através de estudos repetidos, depois de muita crítica e muita análise — um estudo isolado muito raramente quer dizer alguma coisa de muito sólido. Para um jornalista, claro, os estudos isolados são sempre mais interessantes, porque é sempre possível encontrar um estudo maluco que afirma qualquer coisa. Mas a ciência não se faz de estudos isolados, mas de muita paciência, muita hesitação, e estudos constantes ao longo de décadas. Se quiserem uma imagem desportiva, isto é como na ginástica olímpica, em que a nota final é a média das notas dos juízes, excluindo a nota mais baixa e a nota mais alta. Ora, o jornalismo de ciência, muitas vezes, concentra-se exactamente na "nota mais alta" dos vários estudos sobre determinada realidade.

 

b) Mesmo que tudo isto seja verdade, isto são análises estatísticas, provavelmente muito pouco significativas. Por exemplo (e não estou a ler o estudo) o estudo sobre os pais das meninas provavelmente diz algo do género: "no grupo de pais considerados 'belos' pelo grupo de avaliação há 53% de nascimentos de meninas, enquanto no grupo de pais considerados "feios" há 49%". Como vos disse, estou a inventar os números, porque o que interessa aqui é o princípio: estas minudências estatísticas não nos devem fazer dizer que, se tens uma filha, és bonito. Isso é estupidez.

 

Por outro lado, o facto de alguém conhecer um pai de um menino que é bom como o milho não invalida, de todo o estudo. Um caso é um caso, isto são estudos estatísticos. Este artigo diz, como se fosse uma crítica válida ao estudo, que o mesmo não explica como Gisele Bündchen, que ninguém acha feia, teve um filho. Ó amigos, o estudo é sobre tendências, não afirma propriamente que "mulheres bonitas só podem ter meninas". Há uma grande diferença entre "há uma tendência para X" e "só pode acontecer X".

 

(Já agora, a questão dos filhos mais velhos está já mais estudada do que a questão dos pais das meninas. Só para saberem...)

 

Mas, pronto, isto é uma das minhas manias: arrancar cabelos pela forma absurda como as pessoas entendem a ciência. A culpa não é das pessoas, mas eu tenho estas manias irritantes, para lá dos livros...

 

(Já agora, na pré-história deste blog, lembro-me de ter falado do assunto.)

 

E porque falámos da Gisele, pronto, fica aqui a parte gráfica deste post, para não ser completamente desinteressante:

 

 

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gisele_B%C3%BCndchen_2006.jpg

 

publicado às 16:29

Ora, vamos lá ver uma coisa: somos um país de emigrantes, e sempre fomos, pelo menos se considerarmos "sempre" uma palavra que abarca as últimas cinco décadas. Mas há diferenças, não só entre as gerações de emigrantes, como também entre as famílias que emigram e os interesses das famílias que emigram e as maluqueiras das famílias que emigram.

Pois se tive primos e tios que foram para as franças e canadás desta vida há uns quarenta anos, tenho agora um irmão que foi para as inglaterras de agora há uns cinco anos. O que se passa agora é que o pobre do emigrante nem sempre se consegue escapar a que às duas por três apareça a família toda à porta. Os meus pais já chegaram a fazer surpresa ao meu irmão, aparecendo por lá sem dizer nada. Isto já não é mesmo como antigamente.

Ora, numa dessas viagens em família a visitar o emigra privado cá de casa e sua esposa (já agora, um dia pode ser que conte a forma estranha como se casaram; fica para depois) — dizia, numa dessas viagens, que já foram muitas, fomos de carrinha de nove lugares por essa Europa acima, para os visitar em Cambridge e para, depois, irmos com eles a Paris. Há coisas piores na vida do que viagens destas — embora a gente duvide um pouco quando, já cansados, depois duma longa viagem até à fronteira entre Espanha e França, ali mesmo no meio do País Basco, aparece uma placa a dizer "Paris - 800 km", e sabemos que depois de Paris ainda temos muito até Cambridge, incluindo um canal inteiro da Mancha. O entusiasmo da viagem, nesse momento, é um aperto e um aconchegar do rabo ao banco, que isto ainda vai demorar. Muitos livros, muitos livros, e muito olhar pela paisagem fora.

 

Fonte: Google Maps

Adiante, portanto, que se faz tarde.

 

Fomos a Cambridge, lá estivemos algum tempo, dei as minhas voltas pelas livrarias da cidade (ah, bliss) e, sabendo que ia a Paris, chamou-me a atenção este livrinho, sujo autor não conhecia, mas que me aparecia recomendando com grande destaque na Waterstone's lá do sítio. Pego nele e compro.

 

Parisians, de Graham Robb. Garanto-vos que o livro é muito melhor do que possam imaginar antes de o ter lido. Garanto que vale a pena, mesmo para quem não gosta de livros sobre cidades e mesmo para quem não gosta de Paris.

 



Ainda antes de chegar a casa do meu irmão, estava agarrado ao raio do livro. Continuei agarrado enquanto púnhamos as malas no carro, continuei agarrado enquanto íamos pelas estradas inglesas fora e só não terminei o livro ainda antes de chegar à Mancha porque entretanto fez-se noite.

Foi nessa viagem de Cambridge para Paris que ficámos cinco horas à espera de lugar nos comboios do túnel da Mancha. Não nos lembrámos que, nas férias da Páscoa os ingleses invadem o Continente, e lá ficámos entretidos na carrinha, a amassar o tempo até podermos entrar no comboio.

 

Pois, com o atraso, só chegámos a França aí por volta das quatro da manhã e acertámos a chegada a Paris mesmo com a hora de ponta, com o sono a escorrer-nos nos olhos, o que me custou especialmente a mim, que me calhou a sorte de atravessar Paris a conduzir até chegar ao hotel marcado no dia anterior, que, digamos, não era exactamente no centro de Paris, mas numa estação de serviço numa auto-estrada lá por perto; é o que dá marcar coisas à última hora (quem conhecer as estações de serviço francesas há-de saber que a coisa não é tão escabrosa como possa parecer; poucos hotéis haverá em Portugal tão bem integrados num jardim maravilhoso como aquele hotelito de estação de serviço).

Portanto, lá fomos nós passear por Paris, e eu com o livro. Fomos encontrar-nos com um amigo do meu irmão para jantar em Montmartre, num restaurante de comida típica do sul de França, onde comi a melhor salada da minha vida, e eu com o livro (que tentei não sujar de salada). Subimos a Montmartre, e livro na mão — e vi-me a intercalar a leitura desta "comédia humana" parisiense com as vistas da própria cidade, ao entardecer. 

Vista de Paris de Montmartre, Vincent van Gogh

Passeámos por Paris, de noite, de dia, por metro, durante uns dois dias inesquecíveis. E foram inesquecíveis também porque fomos à Eurodisney e eu tinha aquele livro na mão...

 

Ora bem. Eu sei que o Louvre e tudo o resto é um milhão de vezes mais significativo do que a Eurodisney. Mas isto merece ser contado. Como vos disse anteriormente, tínhamos ido a Paris quando eu tinha 16 anos. Fomos, também nessa altura, à Eurodisney. Foi um espanto. Fiquei maravilhado com aquilo. Mas entre 1996 e 2011 muita coisa aconteceu, incluindo a passagem dum século e metade da minha vida até então (em 1996, nunca tinha ido à Fnac; não sabia para que faculdade iria estudar; pensava que ia estudar história, quando terminei noutras lides; o bairro onde vivo não existia; etc.). E, o que na altura foi um espanto, algo que nunca víramos, era agora uma série de filas intermináveis (férias da Páscoa, meus senhores!) para ver uma espécie de carrinhos de choque da Disney ou algo do género. Por exemplo, em 1996, achei os Piratas das Caraíbas uma coisa do outro mundo. Parecia mesmo que estávamos nas Caraíbas, à noite, quando lá fora ainda era dia. Agora, achei a coisa fraquinha, principalmente depois de passar duas horas numa bicha. Outro exemplo: a Casa Assombrada fez-me medo em 1996 e fez-me rir em 2011. Estão a ver a ideia...

 

Mas pronto, deu para estarmos todos, a falar como qualquer português, a discutir como qualquer família em viagem, e a ler, como qualquer família com um bibliólico no seu seio.

E, claro, no meio de milhares e milhares de turistas em filas absurdas, fui lendo o livro inglês sobre Paris, uma coisa magnífica como nunca pensei encontrar num livro sobre uma cidade. 

Começa com um jovem que descobre algumas verdades sobre a vida no Palais-Royal, às mãos duma prostituta, que nunca adivinharia que estava a mostrar o mundo ao futuro imperador dos franceses. Continua com a história da rua que se afundou nas profundezas de Paris e do homem que salvou a cidade de implodir. Há rainhas perdidas pelas ruas em tempos de revolução, pedras da calçada que são parte da história, as primeiras fotografias da cidade, que nos transportam para um amanhecer do século XIX, grandes engarrafamentos de dois ou três carros num boulevard, e muito mais. Temos Marcel Proust no o metro, Sarkozy nos subúrbios, de Gaulle a escapar a assassinos, o TGV e muito mais que não cabe num resumo perdido num humilde blog de livros em Portugal — é um livro de história, ou de viagens, ou sobre pessoas, um livro de "não ficção" que usa todos os recursos da ficção, para nos prender a uma cidade sem percebermos bem como. 

Este livro surpreendeu-me e deixou-me apaixonado por uma Paris que encontrei numa livraria de Cambridge, lida em inglês. Isto das purezas culturo-linguísticas nunca foi para mim... 

Portanto, em comparação à viagem de há quase vinte anos, nesta outra viagem, Paris teve outro sabor, não só porque tinham passado tantos anos, mas porque nós éramos outras pessoas, e, no meu caso, porque tinha aquele livro na mão — e também, já agora, porque levava a minha mulher comigo, e Paris em casal (mesmo com a família em redor) é muito diferente do que Paris vista por um adolescente solitário (mesmo com a família em redor). Ou seja, nesta Eurodisney do século XXI, já com sabor de coisa velha, enquanto famílias e famílias continuavam parados numa fila interminável, eu passeava por Paris, entre várias épocas, visitando Paris como nunca o poderia fazer passeando pelas próprias ruas. 


Meus amigos que dizem que gostam mais de viver do que de ler — vejam lá se compreendem isto duma vez por todas: quem anda sempre com um livro atrás vive mais, porque preenche esses vazios que encontramos todos os dias com mais vida, mais ruas, mais histórias, mais pessoas. Não sei se os livros nos fazem viver melhor; mas fazem-nos, certamente, viver mais.


O meu irmão e a minha cunhada voltaram para Cambridge e nós seguimos para sul. Esse foi o momento mais complicado. Muitas pessoas choram essas separações regulares nos aeroportos. Nesse dia, foi num bairro indistinto das franjas de Paris, perto do metro (o metro mais perto do hotel), onde os deixámos, para seguirem até à estação de comboio e partir para Inglaterra. Talvez aquela rua nunca tenha visto uma cena dessas: uma família portuguesa a despedir-se num "até à próxima" que cada vez mais portugueses sabem quanto custa. Mas, pronto, Paris sempre foi muito portuguesa e também sempre foi um pouco da nossa família. Limpas as lágrimas, lá seguimos, para os nossos respectivos países, uma família portuguesa, com certeza.


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