Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Tenho duas:
Assim, como? Sem certezas. É mais giro, mais interessante, mais excitante escolher um lado e defendê-lo com unhas e dentes, verve e retórica, argumentos bombásticos, à-partes acutilantes, ironias venenosas — sem estar na liça para chegar a conclusões, apenas para lutar, por desporto. Ora, este blogue não é assim. Defende algumas coisas, mas não quer defender um lado só porque sim. É um blogue que pode mudar de opinião. É um blogue que tenta descobrir e chegar mais perto da verdade, sem ser teimoso só porque sim. É um blogue ponderado — e haverá algo mais perigoso do que a ponderação, por esta esfera de excitação que são os blogues e companhia?
Este blogue tenta não ser simplista, mas gosta de procurar explicações simples e verdadeiras. Gosta de ir ao básico, se for preciso, e não estar enredado em discussões muito esmiuçadas, mas com pés de barro.
Acima de tudo, este blogue tenta ter menos certezas do que o habitual, porque hesitar em chegar a conclusões é uma higiene mental muito útil nestes ambientes bloguísticos de grandes certezas e grandes disparates. Este blogue poderá ter convicções, método, ideias próprias, e defender isto tudo com unhas e dentes se necessário for. Mas certezas absolutas? Dificilmente.
Mas também não é um blogue que caia na tentação de ter a certeza que nunca chegamos a lado nenhum. É um blogue que defende a ciência, o espírito crítico, a curiosidade intelectual (e a outra, se for preciso), a liberdade, a democracia, e outros valores mais ou menos vagos. E é um blogue que gosta muito de literatura — e que sabe como a ciência e a literatura nem sempre se dão bem (mas deviam). No fundo, é um blogue que quer chegar a algum lado, mesmo que não consiga.
É um blogue — vejam só — optimista (num sentido muito preciso, que mais tarde se explicará) — e um blogue que gosta de contrariar, para testar as ideias e ver se elas se aguentam. Um blogue estranho, portanto.
O interessante, aquilo de que todos gostam, é de blogues que pensem exactamente como cada qual. Não gostam de sair da zona de conforto, de atacar a sua própria forma de pensar. Muito menos gostam de blogues que não tenham uma agenda, para usar a expressão inglesa. Enfim, este blogue andará calmo, mas saberá defender aquilo em que acredita — sem nunca andar à procura de conflitos, porque o que este blogue quer, no fundo, é aprender, porque este blogue saiu duma mente curiosa.
É tão fácil cair na tentação de bater na ciência. A Sábado publicou um artigo quase humorístico sobre estudos científicos que defendem teses opostas (Sábado, n.º 486, pp. 70-72). Ou seja, a jornalista pega numa ideia comum muito difundida ("os cientistas hoje dizem uma coisa, amanhã outra — logo, não podemos confiar na ciência") e quer confirmá-la, divertindo os leitores à custa dos doidos dos cientistas. Estes, para quem lê o artigo, parecem baratas-tontas à procura de respostas, sem nunca as encontrar (o que até tem um fundo de verdade, mas não da forma que a jornalista pensa). Bater na ciência é fácil, porque a ignorância científica fica reconfortada ("afinal, não sou ignorante; estes cientistas é que não percebem nada").
Sim, é verdade que é possível encontrar estudos para todos os gostos. Por isso é que a verdadeira ciência obriga a estudos replicáveis, nunca se baseia num só estudo para chegar a conclusões, exige uma série de estudos de confirmação para que uma nova teoria seja aceite pela comunidade científica, sabe que há sempre estudos atípicos, há estudos bem-feitos e estudos mal-feitos, e por aí fora.
O que um jornalista poderia fazer era pegar num dos tópicos referidos neste artigo e analisar os vários estudos, perceber quais são os melhores, que meta-análises se fizeram, quais são as conclusões mais sólidas a que podemos chegar neste momento (se as houver), o que diz a comunidade científica sobre o assunto, quais as razões para estes resultados díspares, terá havido problemas nas experiências contraditórias, etc.
Podia até escrever um artigo semelhante, com estes exemplos, mas que explicasse por que razão estes resultados contraditórios aparecem e que métodos usa a ciência para progredir neste emaranhado. Porque a ciência consegue progredir. Quem a ignora (e faz gala disso) é que não sabe o que perde.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.