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Vejam a lista aqui.

publicado às 12:46

Não sei se repararam, mas este blog levou com um tufão em cima em termos de visitantes e comentários há duas semanas, por causa do destaque na página principal do Sapo dum post sobre o português do Brasil

Um blog tão quietinho, enfiado nos seus livros, de repente vê-se no meio duma tempestade blogueira mais forte que a nossa Stephanie de há umas semanas atrás.

Pronto, não vamos exagerar. Viu-se no meio dum vento moderado em termos de blogs. Mesmo assim, houve de tudo, pessoas ofendidas, pessoas que argumentaram (felizmente), quem tivesse concordado, quem começasse a insultar porque não gostou do que outros disseram. O blog sentiu-se, de repente, um exemplo do que é a internet polémica que anda por aí fora...

Mas não interessa. O que me interessa agora chamar para aqui é um comentário dum leitor que se sentiu a pergunta do título como sendo "discriminatória". O título era: “O português do Brasil aleija os portugueses?"

Tudo começou quando fiz o disparate de reagir a um comentário que me parecia preconceituoso e redutor em relação aos portugueses denominando tal comentário de “tacanho” — e ainda expressei a minha estranheza por ver um comentário “anti-português” escrito com todos os “c” e “p” da ortografia portuguesa. Parecia uma trollada dum português a tentar fingir-se brasileiro a atacar os portugueses (sim, há malucos para tudo por essa internet fora). 

Bem, disse, então, o tal leitor assim atacado: "Tacanho é o título da "matéria". Discriminatório, inclusive. Provocativo, também. O português do Brasil "aleija" os portugueses? Seria qual o sentido da mutilação."

Ora, respondi-lhe que a pergunta era irónica…

Respondeu-me de novo o leitor: "Ironia com brasileiros não são difíceis de distinguir na vida real em Portugal. Inclusive na acadêmica. Mas, quando o público destinatário é mais letrado, os portugueses gostam muito de falsear a discriminação com um tom dissimulado. Talvez resultado do complexo paroquial no cotidiano luso. Antigos cidadãos de primeira classe, não é fácil descer para o segundo andar da pirâmide social."

Ou seja, o leitor achava que eu estava a ser dissimuladamente irónico com os brasileiros. Nada mais longe do post original, como é fácil perceber lendo-o. Disse-lhe: "Chegou a ler o post original? Era dirigido à ultra-sensibilidade dos portugueses e é descabido achar que é um ataque aos brasileiros. Leia o post com atenção e perceberá a ironia do título. Não tente encontrar ofensas onde elas não existem."

O leitor talvez tenha ido então ler o texto e respondeu: "Finalizo: não há ofensa, de fato. Nem tampouco ironia. Deboche? Estaria eu, erroneamente, a exagerar. Deve conhecer o sentido de "reversibilidade em psicologia". Se não. Pergunte. Ou aceite a minha sumária explicação: pôr-se no lugar do outro. Last, but not least: Quem escreve e publica deve ter em conta que o destinatário é que é o juiz do texto. Conforme-se, ou escreva e guarde. Mostre aos amigos. Não se exponha à crítica.”

Ou seja, se eu quero escrever para o público, tenho de comer e calar no que toca aos comentários dos leitores. E, sim, se calhar eu não tinha ofendido ninguém, mas ironia é que não estava lá, porque ele não tinha visto, o leitor é ele, o leitor é que manda, ponto final.

Bem, comi, mas não calei. Respondi:  “Sim, o destinatário é o juiz do texto — e por vezes o juiz não percebe o que tem à frente. Os comentários também são passíveis de julgamento... Neste caso, num texto dirigido contra os portugueses que se sentem ofendidos com textos noutra variante do português, achar que há aqui sobranceria anti-brasileira é um erro de interpretação. Ao leitor não basta dizer "eu acho que é assim". Convém ler com atenção e tentar não assumir o que no texto não está. A pergunta do título tem de ser vista no contexto do texto do post — e não é, de todo, sobranceira ou ofensiva ou o que for: é uma pergunta irónica, no sentido: "porque se chateia tanto em ler em português do Brasil? Será que aleija?" E a resposta é óbvia: claro que não aleija. Por isso, a ofensa retratada no texto não tem sentido. Achar-se ofendido com o título é cair em erro semelhante ao do episódio retratado no post…"

(Depois ainda houve mais umas respostas, mas já em tom cordial.)

A questão é esta: será que, uma vez publicado um texto, temos de aceitar todas e quaisquer interpretações?

Bem, quem escreve, em geral quer ser compreendido (nem sempre, mas faz de conta), e deve ficar preocupado se os leitores interpretarem tudo ao contrário. A culpa será, provavelmente, do texto e do seu autor. Não vamos entrar na atitude de quem anda ao contrário na auto-estrada e diz: “estes gajos estão todos em contra-mão!”

Mas, por outro lado, não podemos achar que um leitor pode interpretar o que bem entender dum texto. O leitor deve tentar perceber o texto — digamos que o texto tem dois lados e há um esforço a fazer de ambos os lados. Há que ter um mínimo de boa-fé ao ler os outros.

Ora, por essa internet fora, a tendência é, muitas vezes, interpretar os textos da forma mais insultuosa possível. Se vemos um post que não reflecte a nossa exacta opinião, partimos logo para a indignação, para as respostas inflamadas, para o dedo em riste, sem fazer o mínimo esforço para compreender os argumentos do texto. Não damos uma segunda ou terceira oportunidade — para dizer a verdade, por vezes nem a primeira oportunidade é oferecida ao texto. Basta ver quem escrever, ler o título ou uma linha e meia, e tiramos logo as conclusões necessárias para ficarmos indignados.

Acho mesmo que andamos viciados em indignação — o que só pode ser negativo, porque precisamos da indignação bem forte para aquilo que, de facto, a merece.

O leitor acima referido, quando viu o título acima, supôs logo que seria um insulto aos brasileiros — porque acha que é isso que vai encontrar num blog português. Interpretou o post da pior forma possível — e quando lhe disse isso, afirmou que o leitor é soberano, e pronto.

O leitor é soberano, sim senhor, mas convém ser um soberano esclarecido e, quiçá, democrático — deve dar oportunidade à leal oposição de se exprimir.

Se não quiser chegar a algum ponto de encontro entre a sua leitura e o texto real, vai acabar por ver coisas onde elas não estão, vai sentir-se insultado quase sempre, vai inventar um mundo bem diferente da realidade.

O que proponho é que demos oportunidade aos outros: ou seja, que partamos para a leitura de textos na internet com menos pedras na mão e considerando a vaga hipótese de os outros não terem escrito seja o que for para nos insultar a nós pessoalmente.


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