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O giro em relação à surpresa que este livro me provocou é que já o tinha lido... E mesmo assim...

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publicado às 19:52

Não sei se conhecem as Sombras de Alguém.

 

É um blog no Tumblr descrito simplesmente como: "isto é uma colecção de rolos perdidos que tenho encontrado dentro de máquinas antigas e de negativos que tenho descoberto na feira da ladra…"

 

As fotos são magníficas, não pela qualidade fotográfica (obviamente), mas pelo mistério que encerram: quem são estas pessoas? que local é este? quando foi isto tirado?

 

De repente, somos lançados para as memórias vagas doutra pessoa, com uma sensação parecida com aquela que nos vem ao corpo quando um som, um cheiro ou uma paisagem nos acordam um tempo qualquer que já não sabemos bem qual é.

 

[Sombras de Alguém]

 

publicado às 15:00

Há muitas pessoas que não gostam de ouvir a expressão "o comer". 

 

Estão, obviamente, no seu direito. Aliás, convém perceber que a expressão não é nada bem-vista em certos círculos sociais e incentivar o seu uso pode levar a situações embaraçosas. É uma questão de etiqueta — e todos sabemos como, muitas vezes, a etiqueta é irracional.

 

A questão é outra: quem não gosta da expressão acusa quem a usa de estar a cometer um erro linguístico. Ora, o prevaricador estará, no máximo, a cometer um erro social (talvez enquadrado no estudo da pragmática), mas não um erro linguístico.

 

"Então mas 'comer' é um verbo: não podemos usar como substantivo!"

Não só nada impede as palavras de saltarem classes gramaticais, como esse fenómeno é muito comum, sem levantar qualquer questão. Reparem nas frases:

- "O saber não ocupa lugar."

- "O teu olhar é lindo."

"Saber" e "olhar" são verbos transformados em substantivos — tal como "comer" na expressão "o comer está na mesa".

 

"Tudo bem, mas se temos a expressão 'a comida', é um erro inventar outra expressão para dizer a mesma coisa."

A língua tem muitos casos de sinónimos ou palavras de significado parecido. "Saber" também tem significado semelhante a "sabedoria" e ninguém se importa. Por que razão havemos de impedir o uso de palavras só porque existem outras palavras com significado parecido? Teríamos de apagar dos dicionários uma enormíssima percentagem de palavras.

 

"Está errado e pronto! E cada vez oiço mais, infelizmente!"

O que acontece não é que cada vez se oiça mais esta expressão: há é cada vez mais contacto entre vários grupos sociais e, assim, todos estamos mais expostos à variação linguística — que, na realidade, tem vindo a diminuir ao longo das últimas décadas, devido à maior escolarização e a esses maiores contactos sociais.

 

Quanto a dizer que está errado e pronto, é habitual no comentário aos usos linguísticos dos outros. Mas é um comentário, este sim, errado. Uma coisa é o gosto pessoal de cada um e ninguém é obrigado a gostar desta ou daquela expressão — outra coisa é apontar o dedo a um suposto erro só porque sim.

 

"Só mostra o facilitismo que grassa por aí!"

A acusação de facilitismo nos debates linguísticos é muito... facilitista. Neste caso, não há qualquer facilidade em usar "o comer" em vez de "a comida". Há até um aumento das opções em termos de vocabulário, com uma maior dificuldade na escolha...

 

"Então porque tanta gente diz que está errado?"

Não sei explicar, mas tenho uma teoria: há expressões que ferem os ouvidos de algumas pessoas, como "funeral", "vermelho" e outras que tais, supostamente sinais de uma certa origem social. Ora, no caso de "o comer", quem tem esta sensibilidade demasiado apurada encontrou alguns pseudo-argumentos linguísticos contra o uso da expressão. Esses argumentos e ideias espalharam-se através de conversas, comentários, etc. — e acabámos por ter de lidar com o mito de que "o comer" é um erro linguístico. Não é um erro linguístico: é, como disse acima, um possível erro social, se a expressão for usada em meios sociais que a abominam.

 

Por isso, vamos todos respirar fundo. "O comer" não faz mal a ninguém. Pode ser, apenas, um pouco desagradável, por falta de hábito de quem ouve.

 

Tratem da fama e do comer,

Que amanhã é dos loucos de hoje!

— Álvaro de Campos, “Gazetilha”

 

Às vezes leio enquanto como.

 

Pronto, está dito.

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Às vezes (não devia, mas pronto) vou pequeno-almoçar perto do escritório, em vez do saudável pequeno-almoço matinal em casa, antes de sair. Mas não interessa. O problema é quando, por vezes, saio de casa com um livro e levo-o para o tal pequeno-almoço. Estou com a minha mulher à frente, mas todos sabem que um casamento saudável implica alguns momentos de silêncio comum, um folhear de revista ali, uma leitura acolá, um olhar para o telemóvel aqui, sob o olhar muito crítico de senhoras com um balão de pensamento por cima da cabeça onde vemos escrito "ai, estes jovens, sempre a olhar para o telemóvel". Portanto, estou com a minha mulher à frente, mas começo a folhear um livro (isto passou-se ontem).

 

Neste caso, o livro é o que vai abaixo, não nesta edição, mas sim noutra, de papelaria, que li há muitos anos. 

 

Começo a ler vagamente, e de repente, é como se tivesse caído num precipício. Endireito-me na cadeira, atento mais na página, começo a ler com atenção.

 

O raio do livro é mesmo muito bom. De repente, estou a sorrir perante as invectivas contra a "cidade branca" que um distraído cineasta julgou ver em Lisboa, estou a sorrir ainda mais com o tigre inexistência da Mauritânia, estou deliciado a percorrer as apertadas ruas resvés o caminho-de-ferro de Entrecampos, a olhar para um edifício duma fundação habituada a engenharias fiscais, com uma sede pós-modernista que muito deu que falar na Lisboa da altura, tudo salpicado com muita ironia e apartes que não me deixavam largar o livro.

 

Deixo o pequeno-almoço para trás. A minha mulher termina e olha para mim. Eu continuo a ler. Ela levanta-se e paga. Eu continuo a ler. Ela olha para mim com cara de preocupação.

 

Lá tenho de cortar com o vício e levantar-me. Há que trabalhar. E custa tanto, com o livro ali ao lado, a chamar por mim.

 

Por isso, amigos, vão por mim: não levem livros para o trabalho. A bem da produtividade nacional! 

 


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