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Anda sempre tudo muito preocupado com o contraste ou confronto ou lá o que é entre ciência e literatura (mais preocupados, claro, os literatos que os cientistas, mas adiante). Eu que sou da área da literatura mas não passo sem ciência (não praticando, porque não me arrogo ao título de cientista, mas lendo e conhecendo e tendo uma curiosidade que não sei bem donde vem) — dizia: eu que sou da literatura, acho que esta luta é estranha. Nem as duas actividades estão próximas, nem estão propriamente em confronto. Não costumo ler romances para saber mais sobre o universo...

 

Para mim, a ciência serve para saber mais.

 

Já a literatura. serve para viver mais.

 

Acho que é simples, embora, claro, seja uma simplicidade enganadora.

 

Só para dar mais um toque: a ciência serve para conhecer mais sobre o universo e rejeitar o criacionismo (por exemplo). A literatura pode servir, também por exemplo, para saber como é ser um criacionista radical norte-americano, como é viver na pele dele e ver o universo com a mente dele.

Uma falência é uma pessoa ter uma empresa — uma loja, um café, um escritório… — e as coisas começarem a correr mal, e a pessoa decidir que vai tentar que tudo funcione. Mas para que tudo funcione, era preciso empenho de toda a gente, mas qualquer pessoa (racionalmente), logo que lhe cheira a esturro, começa a pensar em como saltar do barco. A empresa começa mesmo a afundar, e a forma como uma pessoa pensa leva-a a ignorar que as coisas estão mesmo assim tão mal. A empresa afunda ainda mais. Começa a haver salários em atraso. Começam as recriminações. Em vez do entusiasmo matinal, é um martírio levantar-se para ir trabalhar. A mulher começa a dizer que sempre soube que a pessoa não sabia gerir a coisa. Os amigos começam a sussurrar — ou a pessoa começa a imaginar que sussurram. Há um gosto especial nos olhos de muita gente por ver as coisas a correrem mal, porque no fundo nunca gostaram desta ideia de uma empresa funcionar. Há despedimentos. Vende-se tudo. Há penhoras, a casa da pessoa vai ao ar, logo a seguir temos o inevitável divórcio. A auto-estima da pessoa está pelas ruas da amargura. Como estamos em Portugal, começar de novo é levar todo o estigma todos os dias para o trabalho. Mas, mesmo assim, vai para a loja, onde fica a jogar às cartas com o último empregado, que ficou e que se ri de tudo aquilo, sábio e antigo, enquanto não entram os gajos que vão fechar aquela merda toda. Foram vinte anos de sucesso, que em Portugal quer dizer vinte anos com uma empresa aberta, com pessoas empregadas, com problemas diários, com impostos a pagar, com muito trabalho. No final, fica tudo em ruínas, não há subsídio de desemprego, não há indemnização, não há nem o respeito nem a camaradagem que, mesmo assim, os trabalhadores sentem uns pelos outros no final duma desgraça destas. E a pessoa chora, muito, porque teve de despedir aquelas pessoas todas, com quem trabalhava e brincava todos os dias. Na televisão, o país está mal, mas a crise é uma palavra com cinco letras. Na vida desta pessoa, a crise é o vazio no esófago e a falta de vontade de recomeçar. E o vazio de saber que o vazio no esófago daquelas outras pessoas, se calhar, foi culpa dele. Não há noite que aguente, não há sono que venha, não há nada que alivie.

Desculpem lá, mas isto é sobre livros, mas também é sobre outras manias. E uma das minhas outras manias é a ciência. Não sendo, obviamente, um cientista, tenho uma obsessão pela ciência, que julgo ser muito saudável. Mas lá voltarei. Hoje apetece-me dissertar sobre a diferença entre pensamento científico e pensamento mágico.

 

Pensamento científico: é o pensamento que tenta encontrar um método para ultrapassar as limitações da mente humana e para distinguir a verdade da falsidade, tentando combater as tendências ou enviesamentos do ser humano. Para isso, é preciso disciplina e é preciso contrariar, muitas vezes, a nossa própria natureza. É sempre um pensamento precário e incomodado, porque tem de estar sempre vigilante e a desconfiar de si próprio. Tem de perceber a própria racionalidade do ser humano para conseguir chegar ao conhecimento verdadeiramente científico: aquele que sabe o que é falso, porque já testou hipóteses, mas nunca pode dizer com certeza absoluta qual é a verdade (mas consegue chegar muito mais perto dessa mesma verdade do que qualquer outro tipo de pensamento exactamente por admitir que não é possível chegar lá em termos absolutos).

 

Pensamento mágico: um tipo de pensamento que pega na mais vaga alusão, palavra ou pensamento e cria uma ilusão sobre o real que se confunde com o real em si por ser tão confortável e por não estar sujeita a qualquer tipo de crítica ou tentativa de teste ou experiência. Ou seja, pegamos numa metáfora, numa palavra bonita (por exemplo, "energia") e criamos toda uma fantasia confortável, bonita, que não testamos, não contrariamos e usamos para "explicar" o mundo.

 

Exemplos de pensamento mágico: astrologia, homeopatia, teorias da conspiração, muitas das nossas ideias sobre os outros, etc.

 

Já o pensamento científico é uma ferramenta poderosa para qualquer pessoa: basta para isso compreender os seus fundamentos. Não é fácil, mas também não é algo reservado a génios da ciência....

 

Enfim, voltarei a isto. Desculpem lá, mas não consigo evitar.

publicado às 00:23


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